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Os nazis do refeitório em duas rodas – Joana Petiz

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Os nossos miúdos não hão de ser obesos. Podem congelar todos os invernos e assar no verão em salas de aula que deixam entrar a chuva, em escolas até hoje cobertas de amianto cancerígeno e cujos pavilhões desportivos estão fechados a cadeado há anos, redefinindo-se o desporto escolar em aulas de teoria do basquete ou regras do salto de trampolim. Podem ter de fintar ratos e baratas no recreio e ter vómitos só de pensar numa urgência que os obrigue a utilizar as casas de banho imundas, tantas vezes sem sabonete, papel higiénico ou condições de limpeza mínimas. Podem não ter material escolar porque o dinheiro dos pais, ainda mais encolhido pela crise pandémica, tem de servir para fazer face a outras contas e o Estado só garante apoio aos miseráveis letrados, aqueles que sejam capazes de preencher tanto os requisitos de pobreza extrema quanto os formulários exigidos para receber apoios. Pelo menos têm os manuais escolares de graça… desde que frequentem o ensino público, que isso do privado é coisa de capitalistas que não merecem nada. Podem até passar um ano letivo inteiro sem professores de certas disciplinas, sem meios digitais que garantam que as lições lhes são passadas se a covid voltar a impedi-los de ir para a escola e sem profissionais de apoio psicológico capazes de os ajudar a refocar-se depois de dois anos de pandemia. Mas obesos não serão!

Se aqui chegado lhe parece esta descrição exagerada, vá reler as notícias que se publicam todos os anos – mudam as escolas, os locais, mantém-se o pesadelo das crianças, bem real até em algumas das melhores do centro de Lisboa.

Mas agora tudo vai mudar. Os miúdos até podem não ter o que se exige para garantir as condições mínimas de aprendizagem, mas vão ter bares só com comida saudável e bicicletas à porta para aprender a andar sobre duas rodas. Valham-nos esses três milhões de euros da bazuca que vão direitinhos para a compra de bicicletas escolares (e mais uns trocos para pagar professores de ciclismo?). Que isso sim, é fundamental.

Num país com mar e rios, lagoas e barragens de norte a sul – e no qual todos os anos morrem largas dezenas de pessoas por afogamento -, podíamos estar a ensinar os miúdos a nadar, a remar, a navegar, a surfar. Mas isso pouco faria para justificar as ciclovias quase desertas que proliferam por aí. Se os ensinarmos, eles virão! Os jovens ciclistas de barriga cheia de água da torneira e saladas, a quem soubemos proibir o chouriço, os rissóis e os doces conventuais de que Portugal é exímio fazedor a tempo de os salvar do pior destino.

Há quem pense que estes hábitos se criam em casa, que uma alimentação equilibrada e a necessidade de exercitar corpo e mente não se impõem, antes de educam, se explicam, se adquirem sobretudo alargando o conhecimento às famílias. Que as prioridades devem ser bem pesadas na balança. Mas quem nos governa não vai em cantigas e sabe bem que tem de impor aquilo que sabe que é melhor para si e para os seus filhos do que o caro leitor. Mesmo que nos ministérios, nas direções-gerais, nas estruturas públicas em geral se mantenham os piores hábitos possíveis.

Pode haver gordos diabéticos, hipertensos e sedentários a assinar decisões, mas não restará nenhum no recreio! Nem que seja preciso proibir o uso de consolas de jogos a menores. Lá chegaremos…

A menos, claro, que em vez de comerem o que a escola lhes proporciona, as crianças levem chocolates de casa, almocem na hamburgueria ao lado, lanchem na pizaria da esquina ou passem pela pastelaria logo de manhã para comprar bolos e snacks não aprovados pelos nazis do refeitório – mas nesse caso, quem sabe alguns ainda fazem negócio a vender petiscos aos colegas e promove-se o empreendedorismo escolar.

DN