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Carta aberta ao Conselho Pedagógico da minha escola (sobre plágios e o poder de agir com moralidade)

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O conselho pedagógico das escolas não manda nada ….. dizem alguns.

Tenho um problema com estas afirmações radicais de falta de poder.

Normalmente dou 2 exemplos. Houve um tempo em que o homem mais poderoso da África do Sul foi um homem, detido numa cadeia, condenado a prisão perpétua, cujas palavras eram ouvidas como se fosse o Presidente (de facto foi, depois): chamava-se Nelson Mandela.

Gandhi, que não tinha cargo nenhum na Índia, antes ou depois da independência, também não tinha poder? (revejam a história da Marcha do Sal e percebem o que quero dizer).

Para um exemplo mais complicado, recorreria à história do poder real em França: o rei medieval, nos inícios, era um nobre no meio dos outros, só que, como lhe passavam um óleo pelo corpo (era ungido) isso foi-lhe dando um poder simbólico adicional que fazia com que tivesse um poucochinho mais de poder (com base no qual construiu os restantes).

O Conselho Pedagógico não tem poderes de tutela ou comando sobre o Diretor ou outros órgãos.

Mas tem poder simbólico.

É um órgão só de professores, que tecnicamente os representam todos (alguns representantes até são eleitos com base numa lista de 3 em cada departamento, selecionados pelo critério da formação específica ou da experiência).

É um órgão de base técnica e pedagógica. E o poder simbólico e moral não é irrelevante.

Na minha escola estamos a viver uma situação escandalosa, pedagogicamente  insustentável.

O problema.

Factos: o diretor da escola entregou ao Conselho geral, atrasado 2 anos, um documento que é a base da sua avaliação de desempenho (Carta de Missão).

O documento, que acabou aprovado pelo Conselho Geral, veio a revelar-se uma cópia quase integral de uma carta de missão de um outro diretor (copiada a 94%).

O assunto já foi notícia em jornais e blogues (com milhares de visualizações e comentários), gerou queixas, há semanas, à IGEC, DGESTE, DGAE e comunicações, com apelos à ação, ao Ministro e à Comissão de Educação.

A entrega de um documento, plagiado neste grau, com objetivo de obter vantagem pessoal (avaliação de desempenho) parece que chegará a encaixar em vários tipos de crime (não sou jurista, mas já ouvi sugerir isso de gente sabedora). Crimes que serão públicos porque o Estado e o interesse público são as vítimas deste plágio.

Seja como for, plagiar um documento nesta situação constitui infração disciplinar óbvia (e os factos do plágio não admitem dúvidas, basta consultar no link abaixo, onde a Associação de Pais, que primeiro denunciou a situação – há um mês-, exibe um relatório de um programa “caça plágio” onde o que está assinalado a vermelho foi plagiado: parece que o texto está com uma hemorragia da aorta).

Fortes evidências de plágio em Carta de Missão do Diretor do Agrupamento de Escolas da Abelheira – Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas da Abelheira (apabelheira.pt)

Aliás, qualquer pessoa alfabetizada, que leia os 2 textos, percebe o plágio. Basta ler os 2 textos em paralelo.

As pequenas diferenças são cortes, para adaptar um texto de uma escola secundária a uma escola básica, e uma introdução de algumas linhas (cujo conteúdo sobre valores, se não fosse trágico, pareceria comédia).

Essa introdução estabelece bem o plágio, porque se percebe aí a diferença do estilo de escrita, entre quem fez o texto original e quem o copiou para entregar ao Conselho geral e fazer aprovar como seu. E nem falemos da formatação e outros detalhes gráficos.

As consequências….

Um aluno que fizesse assim teria problemas graves (30% de plágio numa Instituição de Ensino Superior dão problemas gravíssimos, até expulsão, quanto mais 94%; é ver os regulamentos, com múltiplos exemplos na internet).

Quem tem poderes para intervir mais imediatamente (dado que o Diretor não se demite,  como devia, se está assim tão preocupado com a imagem da escola e dos seus profissionais) é o Conselho Geral.

Houve um Secretário de Estado de Educação que, por 7 parágrafos, se demitiu em poucas horas. Várias páginas plagiadas e o diretor do meu agrupamento encolheu-se como o ouriço-cacheiro (em silêncio, à espera que passe).

O Conselho Geral tem poderes para demitir o Diretor e instaurar um processo disciplinar. Por esta ordem, demitir e processar.

Tem lá pais, professores, trabalhadores não docentes, que muito estranharei que prevariquem (e esta minha escolha de termo não é arbitrária) na verificação do erro que é plagiar.

E tem instituições autárquicas e outros organismos públicos que muito mal lhes ficará o imobilismo.

Por exemplo, no Conselho geral, e bem, está um representante do Instituto Politécnico de Viana do Castelo.

Como poderá manter íntegra a sua (e muito correta) politica antiplágio face aos seus alunos se nada fizer quanto a isto?

Aliás, a inação, também já foi sugerido que pode trazer problemas aos próprios membros.

Afinal, que deve fazer quem, sendo trabalhador em funções públicas, toma conhecimento de uma infração disciplinar grave? E nem entremos na discussão criminal que tão longe nos levaria.

O governo e as instituições administrativas centrais também já podiam ter agido.

Eu tenho 2 processos disciplinares, que depressa me foram instaurados em maio, mal me demiti da equipa diretiva (um deles pelo diretor que fez o plágio). Nem sei ainda a matéria em causa. No ano passado, a IGEC foi muito diligente a ir às escolas em horas para saber das “malfeitorias” dos grevistas. Isto, já vai há um mês…..

E a prova do caso faz-se por simples comparação documental.

Pois, mas eu sou “um radical grevista” que “merece” processos e o diretor do meu agrupamento alinhou-se contra a greve. Isso dá-lhe impunidade dos colegas, dos órgãos da escola e da administração educativa?

Síntese e “que fazer?”

Há um mês que estas instituições todas sabem de uma coisa gravíssima: nesta escola perdemos a autoridade moral para, como organização, e como docentes, punirmos alunos que plagiem.

Podem responder-nos, eles e os pais, na volta: “E o que fizeram como organização, para tratar do plágio do nosso/vosso diretor?”.

Legalmente podemos sempre punir os alunos que copiem, mas moralmente é aceitável punir crianças e jovens, quando um adulto, professor e dirigente, fique impune?

Não há “força normativa dos factos”, isto é uma lei não é revogada só por que num caso se falhe a aplicar, mas moralmente como é? (E agir em educação é sempre um ato moral)

Eu acredito que a profissão docente é uma profissão de base ética e centrada no conhecimento obtido com integridade.

Plagiar é uma falta de integridade profissional, desqualificante das características do que deve ser um professor e dirigente escolar.

O Conselho Pedagógico, que reúne um destes dias, pela primeira vez, este ano letivo não pode lavar as mãos disto.

E pode não ter poderes, mas a lei indica atribuições que tem a ver com isto.

Por exemplo, o artigo 31º do regime de autonomia das escolas diz que o Conselho pedagógico é o órgão de coordenação e supervisão pedagógica e orientação educativa (…), nomeadamente nos domínios pedagógico-didático, da orientação e acompanhamento dos alunos e da formação inicial e contínua do pessoal docente.

Perder a autoridade moral para apontar plágios aos alunos não é uma questão pedagógica a “supervisionar”?

Vejam por exemplo a alínea m) do artigo seguinte que diz que lhe incumbe: ”m) Propor mecanismos de avaliação dos desempenhos organizacionais e dos docentes, bem como da aprendizagem dos alunos, credíveis e orientados para a melhoria da qualidade do serviço de educação prestado e dos resultados das aprendizagens;”

Quem “pode propor” pode acabar a agir por abstenção e aceitar que o plágio é uma forma aceitável de iniciar a avaliação de desempenho de um docente e é “credível”?

Qualidade do serviço de educação? Fechar os olhos ao plágio do diretor (digo plágio, mas parece que o termo mais jurídico, pelo Código Penal, até será outro, mas não sou jurista).

Tenho a dizer que, seguindo na linha de Jonathan Swift e da sua “Modest Proposal”, projeto no futuro, se os meus colegas que se sentam no Conselho Pedagógico nada fizerem neste caso, tirar a conclusão “democrática” (vinda da maioria) e fazer uma proposta coerente, que aprovarão se forem consistentes: despenalizar totalmente o plágio no agrupamento.

Se o Diretor pode ficar impune num caso destes, todos têm de ter o mesmo direito.

Como Jonathan Swift abominava a violência, mas propôs aos irlandeses que comessem os filhos para mostrar, com sarcasmo, a hipocrisia dos ingleses que os oprimiam até os fazer morrer de fome, eu abomino o plágio.

Quem conhecer o meu percurso académico, que não vou obviamente enunciar aqui, sabe que isso é uma afirmação estrutural sobre mim, que desafio alguém a contestar.

Mas devia ser sobre todos os professores.

O Conselho Pedagógico “não pode nada” contra o diretor que o preside.

Mas pode. Pode afirmar a capacidade moral de os professores terem autonomia nas suas escolas.

Etimologicamente “autonomia” é a capacidade de fazer a própria regra (nomos).

Queremos regras que normalizem o plágio?

É aceitável que um Diretor possa participar na avaliação de alunos, docentes e outros trabalhadores quando copiou a 94% o documento base da sua própria avaliação?

Isto é credibilidade? É “excelência”? É qualidade? É ético? É cidadania? É reforçar “o perfil dos alunos”?

Falamos muito dos políticos, “eles”, que não fazem o seu dever para aumentar a transparência e integridade da nossa sociedade e lutar contra a corrupção.

Mas, tendo cargos de serviço público, num órgão de uma escola o que fazemos quando vemos coisas destas a acontecer?

Lavamos as mãos e deixamos andar, porque “não dá nada” e “vamos incomodar o poder”? E porque “quem tem ética passa fome”?

Como vamos dizer aos alunos para não copiar, se nos calamos temerosamente quando o nosso “chefe” copia despudoradamente e se cala sobre isso, metido numa concha de silêncio, à espera que passe?

Por isso, insto os meus colegas do Conselho pedagógico e, em particular, a minha coordenadora que me representa (até porque, mal ou bem, votei nela) para que não deixem o assunto passar em claro na próxima reunião.

Façam perguntas e até aprovem uma moção de repúdio e apelo à demissão do Diretor, para que o Conselho Geral tome conhecimento dessa posição, se as respostas do Diretor não forem satisfatórias (e não serão, dado que o plágio, descrito e comprovado, é injustificável).

Porque poder de perguntar sempre têm:

  1. Como explica o Diretor existirem provas factuais de que plagiou a sua Carta de Missão de outra a 94%? (e, não, elas “não são todas iguais”, não são “chavões baseados em modelos do ministério”, argumentos treta, para deitar areia para os olhos que já ouvi usar).
  2. Que explicações públicas pensa dar à comunidade?
  3. Pensa tirar a conclusão óbvia do ato, praticado como está bem demonstrado, e demitir-se?

E é isto.

A indignação não pode ficar só para a esplanada do café a falar com os amigos levemente sobre a corrupção e desonestidade “deles”, os políticos.

Um professor num Conselho Pedagógico pode praticar atos políticos na defesa do interesse público (neste caso de lutar contra o plágio) e ser coerente nos atos com essa conversa de esplanada……

Não fazer nada, é demitir-se.

 

2 COMENTÁRIOS

  1. Continuo a achar que tão ou mais grave do que o plágio, é o CG ter aceite a Carta de Missão do director com 2 anos de atraso. Apenas os representantes dos pais tiveram a honestidade e coragem de se insurgir também contra essa situação. Afinal… qual o papel/deveres do CG?

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