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TRABALHAR PARA EMPOBRECER – Carlos Santos

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TRABALHAR PARA EMPOBRECER

A bola de fogo cruzou o céu apenas por duas vezes desde que, no passado dia 8 de outubro, um estudo divulgava uma realidade inquietante relativamente aos rendimentos dos portugueses. Segundo aquele estudo, um professor em Portugal – que na boca do povo, ganha muito –, com um rendimento que o coloca na classe média, noutros onze países da União Europeia, com esse vencimento é considerado pobre.

Depois de congelamentos na carreira, quotas para progressão e uma década sem aumentos salariais e recentes aumentos insignificantes muito abaixo da inflação, os professores estão cada vez mais pobres. Sim, pobres, uma vez que é das poucas profissões que exige ao trabalhador gastos para poder trabalhar.

Sem dúvida alguma que estamos num país que não presta para se viver. Temos um poder de compra miserável. Os trabalhadores portugueses são dos que enfrentam os preços mais altos e dos que têm salários mais baixos, manifestando-se num poder de compra muito baixo e numa má qualidade de vida. Tantos estudos a tentar explicar o motivo de sermos dos povos mais tristes da europa, mas não são precisos grandes estudos para se descobrir o motivo de assim ser.

Só o facto de na Roménia os cidadãos já nos terem ultrapassado no poder de compra, diz muito sobre a pobreza que reina no seio do nosso povo.

Mas, no caso dos professores, a situação ganha proporções alarmantes, porque para trabalhar, se veem obrigados a suportar despesas onde somos campeões de preços elevados, como rendas, muitas vezes de uma segunda ou mesmo terceira habitação, combustíveis altíssimos, portagens caras (que são gratuitas em muitos países) e o mais elevado preço de viaturas, devido à taxação com o ilegal imposto automóvel.

Como uma doença contagiosa, silencioso, o desespero vai tomando conta destes profissionais um pouco por toda a parte; uns a viverem em tendas e em autocaravanas, a dormirem nas suas viaturas em plena rua, em despensas ou sofás arrendados, aceitando juntar à falta da família, a privação do mínimo de conforto e a fome. Uns pagam para trabalhar e outros, que já o fizeram durante décadas, são agora os maiores clientes dos gabinetes de psiquiatria e da indústria farmacêutica de antidepressivos.

É para isto que se estuda em Portugal?

Esta é que é a tal profissão repleta de privilégios que todos tanto invejam?

Um país civilizado não admitiria este tratamento a quem se empenha na sua formação e dedica a sua vida a uma das mais nobres e importantes profissões. Isto não é digno para alguém que tem o papel de inspirar e preparar as próximas gerações.

Não sendo, infelizmente, um exclusivo da classe docente, nesta terra, um professor trabalha para empobrecer, trabalha para sobreviver e, muitos deles, descontadas as despesas de contexto, como deslocações e estadias, têm de viver abaixo do limiar de pobreza.

São estes os tais profissionais que o nosso mui ilustre primeiro-ministro, do alto da sua indignação, nas comemorações do 10 de Junho apelidou de «injustos». De facto, se sua excelência soubesse um pouco sobre o que é a vida de um docente, cuidaria de os tratar com mais justiça e pediria desculpa por essas palavras infelizes e desmerecidas que proferiu. Trataria a classe com mais consideração, começando por lhe devolver o tempo de serviço prestado que lhe foi roubado – muito dele com sacrifícios pessoais pelos quais nunca passou – e empenhar-se-ia em lhe disponibilizar condições de trabalho condignas.

Mas como, por estas bandas, mais pobres do que os bolsos das pessoas, só mesmo a moral da classe política, não se podem esperar milagres.

Não vou usar o chavão “calcem por um dia os sapatos dos professores”, porque essa gente jamais conseguiria compreender. Limito-me a dizer que larguem as vossas vidas e as vossas gentes, vão morar em qualquer lugar longe, tentem se governar com o grande vencimento que nos dão e aprendam o que é privação e fome, enquanto, longe dos vossos, vos obrigarão a tolerar os filhos dos outros que não têm paciência para os educar. Aí, depois, venham falar sobre o significado de «injustiça» e sobre a palavrinha “Respeito” que os professores há tanto exigem.

Em rigor, o maior defeito dos professores é o excesso de respeito com que vos têm tratado, permitindo que, às custas do seu suor e do que lhes foi roubado, vocês os vão subjugando para enriquecerem.

 

Carlos Santos