Início Educação TRABALHADORES DE TODO O MUNDO: ABSTENDE-VOS DE DESENHAR CARTAZES – Ricardo Araújo...

TRABALHADORES DE TODO O MUNDO: ABSTENDE-VOS DE DESENHAR CARTAZES – Ricardo Araújo Pereira

256
0

 

Ora até que enfim. Gente que nunca tinha escrito uma linha sobre as reivindicações laborais dos professores decidiu finalmente dedicar-se ao tema. Atentas todas as circunstâncias, avaliada a questão da recuperação do tempo de serviço, ponderado o problema de quem é do Porto e ensina no Algarve, e considerado o tema das quotas para determinadas notas na avaliação de desempenho, concluiu-se: um dos professores desenhou um cartaz que é muito feio. Claro, o Estado congelou indevidamente a carreira dos professores, mas aquele desenho… Sim, é absurdo, como o próprio primeiro-ministro já admitiu, que um professor seja colocado a centenas de quilómetros de casa, mas aquele desenho… Pois, não faz sentido que um professor que merece determinada nota não possa tê-la porque a quota já está preenchida, mas vamos recentrar o debate no essencial: aquele desenho…

O sistema de ensino está mais exigente do que antigamente. No meu tempo era possível passar com negativa a desenho. Mas agora a classe inteira reprova porque um professor chumba a EVT. Suponho que seja uma vingança justa. Ainda me lembro de a turma toda ficar de castigo porque o Mendonça pôs um gafanhoto na secretária do professor de Geografia. Acaba por ser merecido que agora os professores todos sofram porque um fez um desenho de mau gosto.

A luta laboral também está cada vez mais difícil. Continua a ser preciso unir uma classe, o que já dá trabalho suficiente. Depois há que persuadir o resto da sociedade da justiça da nossa luta, principalmente quando formas de protesto como a greve causam transtorno a quem não pertence à classe. Mas sobretudo é fundamental ter a sorte de que nenhum colega se lembre de desenhar um cartaz de mau gosto. A propósito das más condições de trabalho dos outros ninguém tem grande coisa a dizer, mas sobre hermenêutica de cartazes há-de haver várias colunas de opinião.

A estratégia ideal, como é óbvio, é muito diferente desta. Na verdade, é o seu rigoroso oposto. Os professores não devem exibir cartazes com maldades simbólicas infligidas ao Governo, devem exibir cartazes com maldades reais infligidas pelo Governo. Serão também cartazes de extremo mau gosto, pelo que talvez tenham potencial para continuar a ocupar o centro do debate.