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Medidas do Governo consideradas insuficientes para resolver falta de professores

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As medidas delineadas pelo Governo são insuficientes para mitigar o problema da falta de professores, pelo menos no curto prazo. Foi esta a constatação a que chegaram os investigadores Luísa Loura e Pedro Freitas e o sindicalista Vítor Godinho, que a pedido do PÚBLICO cruzaram as principais medidas já apontadas pelo executivo com os dados que caracterizam o universo dos professores do ensino básico e secundário.

Devido à escassez de docentes, cerca de 30 mil alunos estavam ainda, no final do 2.º período, sem professores a pelo menos uma disciplina. Pela mesma razão, no próximo ano lectivo, poderão estar 110 mil na mesma situação, segundo a previsão feita pela actual responsável da base de dados Pordata e ex-directora da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), Luísa Loura, num artigo que publicou recentemente no site da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Tudo aponta para que esta previsão se concretize, já que os professores em funções estão a chegar em massa à idade de reforma e não existe quem os substitua, mesmo com incentivos para a fixação de docentes, estagiários a dar aulas ou a revisão dos cursos que permitem exercer a profissão docente — são estas as principais medidas anunciadas na anterior legislatura para mitigar a falta de professores, agora transpostas para o programa do novo Governo.

São precisos mais professores “um pouco por todo o país”, aponta o professor da Nova SBE, Pedro Freitas. Em números absolutos, a carência é maior nas áreas urbanas. Mas, face aos docentes em funções em 2018/2019, Trás-os-Montes e a Beira Baixa são, em termos proporcionais, as que apresentam necessidades de recrutamento mais acentuadas. Até 2030/31, estão regiões só terão 65% dos professores de que necessitam.

“Esta forte necessidade de recrutamento por todas as regiões afecta o potencial impacto de medidas que pretendam atrair professores para regiões específicas, uma vez que a escassez se sentirá por todo o território”, alerta o investigador, que foi um dos autores do estudo pedido pelo Ministério da Educação à Nova SBE onde se concluiu que serão necessários mais cerca de 35 mil professores até 2030/31.

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Pedro Freitas frisa ainda que os mecanismos de incentivo podem diferir consoante as regiões do país. “Por exemplo, em algumas regiões a estabilidade profissional pode ser o factor mais valorizado pelos docentes e noutras o salário no início de carreira.”

Luísa Loura corrobora e acrescenta o seguinte: “Não antevejo impactos substanciais enquanto não se alterar a legislação da habilitação própria para a docência e enquanto não se estabelecerem os contratos programa com as instituições de ensino superior que têm a responsabilidade da formação inicial dos professores do 3.º ciclo e secundário.”

Mais cursos de acesso à docência

Desde 2007, com a reforma de Bolonha, só pode ser professor quem detenha a chamada “habilitação profissional para a docência” e esta só é conferida pelos mestrados em ensino. Antes, bastava ter “habilitação própria”, que era conferida por uma licenciatura na área científica das disciplinas a leccionar.

É esta prerrogativa que o Governo pretende recuperar, procedendo em simultâneo à revisão da lista onde constam os cursos superiores que dão acesso à docência. “Olhando para as designações das licenciaturas pré-Bolonha que surgem na lista da habilitação própria vigente para o 3.º ciclo e secundário constata-se que representam cerca de metade dos licenciados e, se nos focarmos nas gerações mais novas, dos 25 aos 34 anos, por exemplo, estaremos a falar de um universo de cerca de 235 mil licenciados que poderão ficar com habilitação própria para dar aulas”, diz Luísa Loura.

Com um senão de peso: “Dada a elevada procura do mercado empresarial por licenciados das áreas STEM [Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática], não é expectável que surjam candidatos em número suficiente para cobrir as necessidades nos grupos de recrutamento de Matemática, Física e Química e Informática”, que já agora estão entre os mais carenciados. Apenas um exemplo: entre 2016 e 2020 só foram formados nove professores de Física e Química, nas contas de Luísa Loura.

Pedro Freitas aponta na mesma direcção. Considera que “a abertura da docência a potenciais professores com habilitações científicas pode ser um relevante contributo”, mas alerta também para a concorrência do sector privado, nas áreas já citadas, já que “é expectável que o retorno salarial seja maior do que aquele que será possível oferecer aos futuros docentes”. Os licenciados com habilitação própria que estão a dar aulas têm um vencimento líquido inferior a 900 euros.

“É necessário fazer um investimento semelhante ao dos anos 80 do século passado, quando a massificação do ensino trouxe um grave problema de falta de professores”, salienta o dirigente da Federação Nacional de Professores, Vítor Godinho, especialista nas contas intricadas que perfazem os concursos de colocação de docentes Na altura, recorda, “recorreram-se a vários mecanismos” para acelerar a entrada na profissão, entre os quais a chamada “profissionalização em serviço”, pela qual passaram muitos dos docentes que ainda estão em funções.

Dar aulas ainda sem ser professor

Outra das novidades que está a ser aprontada pelo Governo é a de voltar a pôr os estagiários a dar aulas. Todos os cursos de formação de professores têm, no último ano, um estágio obrigatório nas escolas. Desde 2005, com a ex-ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues, estes estágios deixaram de ser remunerados e em consequência os futuros professores ficaram impedidos de ter turmas e funções lectivas atribuídas.

Ter os estagiários de novo a dar aulas, “e com isso terem a respectiva remuneração”, poderá trazer resultados, “mas apenas no médio-longo prazo”, destaca Pedro Freitas. Que entende que esta medida “pretende tornar a área de formação de professores mais atractiva para potenciais candidatos ao ensino superior” e que tal “é particularmente relevante”, dada a escassez actual de candidatos aos cursos de ensino.

Só que há de novo um senão de peso: “Leva tempo, uma vez que se está a falar de incentivar futuros candidatos a cursos de formação de professores que levarão pelo menos quatro anos a formar até iniciarem o seu estágio profissional. Logo esta é uma possível solução no médio-longo prazo, mas dificilmente será uma solução para as necessidades imediatas de curto-prazo.”

“São medidas inevitáveis, mas que não resultarão se forem divorciadas de outras que permitam atrair pessoas para a docência”, resume Vítor Godinho.

Para Luísa Loura, “investir logo de início na profissionalização em exercício é, claramente, a estratégia de compromisso mais adequada para se conseguir suprir as necessidades”. A directora da Pordata considera que, para tal, serão necessários contratos de programa com as universidades que têm assegurado os mestrados em ensino de disciplinas do 3.º ciclo e secundário (Lisboa, Porto e Coimbra, principalmente), uma vez que o acompanhamento das aulas e a orientação do estágio obrigam ao envolvimento directo de dois professores: um da universidade e outro da própria escola.

Mas há de novo um problema: “Os custos serão elevados e antecipo dificuldades de mobilização junto do corpo docente das faculdades de ciências que, actualmente, só têm incentivos para a investigação e publicação de artigos.”

De todo este cenário sobressai que as medidas do Governo dependem sobretudo de factores que não pode controlar. A ser assim, poderemos chegar a 2025 com 250 mil alunos sem terem professor pelo menos a uma disciplina, ou seja, “mais de metade dos alunos que hoje frequentam o ensino do 7.º aos 12.º anos”, segundo a previsão também feita por Luísa Loura.

O PÚBLICO tentou obter comentários do Ministério da Educação, tutelado por João Costa, mas o pedido foi declinado.

Público