Depois de cinco meses de incompetência para preparar as respostas a uma segunda vaga anunciada, o Governo mostra-se perdido num labirinto de decisões desconexas, apenas lesto a proibir e restringir. A pandemia tornou os portugueses numa vasta mole de súbditos de políticos que decidem em cima de dados sem credibilidade e protagonizam actos públicos que os cobrem de descrédito. O alarmismo que continua a ser propalado tolhe a racionalidade e vai marcando com entorses sucessivos a democracia em que vivemos. De um escol pouco pensante, pródigo em contradições evidentes, sucedem-se medidas absurdas e os mandamentos de hoje que contradizem os mandamentos de ontem.
Afinal, quantos casos de covid-19 estão detectados em alunos das escolas portuguesas? E de quantos surtos se pode falar, com propriedade? A 16 deste mês, o secretário de Estado e Adjunto da Saúde disse estarem activos nas escolas 477 surtos. Quatro dias depois corrigiu o tiro: afinal eram só 68, em todos os estabelecimentos de ensino, públicos e privados, desde creches ao ensino superior.
Há cerca de duas semanas, António Costa dizia que 68% dos contágios verificavam-se em casa, em família. Agora aceita que só 10% ocorrem comprovadamente em famílias e mais de 80% são de origem desconhecida. Quando deveria ter ficado calado? Em que devemos acreditar?
Os restaurantes têm vindo a ser destruídos e os que deles ganhavam o pão postos na miséria. E agora dizem-nos que só 2% dos contágios tiveram aí, comprovadamente, origem?
No dia 14 deste mês, o Presidente da República e o Primeiro-Ministro foram a Fátima, assistir a uma missa por alma das vítimas da covid-19. Nesse dia, os portugueses estavam sujeitos a recolher obrigatório a partir das 13h. A missa começou às 11h. Às 13h, já estavam em casa, para dar o exemplo quanto ao recolhimento que decretaram? Não tinham igrejas em Lisboa? A posturinha indigente, mãozinhas beatificamente cruzadas no peito e cabecinha servilmente inclinada para a direita, diante do ceptro soberano de um dignatário da Igreja, a que o agnóstico António Costa se prestou, que mensagem nos transmitiu?
Um iminente epidemiologista apresentou, na última reunião no Infarmed, cujo objectivo parece ser habilitar os políticos a tomarem decisões fundamentadas em evidências científicas, um estudo que concluiu que os ginásios apresentam um risco elevado de contágio da covid-19.
Dando fé ao que a imprensa noticiou, o “estudo” parece ter sido, afinal, um simples inquérito que obteve respostas de 548 pessoas infectadas. Dessas, referiu o epidemiologista, “uma grande maioria (96,5%) disse que ia ao ginásio pelo menos uma vez por semana”, o que lhe permitiu logo concluir que “frequentar ginásios (…) parece estar associado com probabilidade acrescida de infecção”. Usando a mesma metodologia “científica”, poder-se-á dizer que sentar numa sanita (coisa que os inquiridos farão diariamente), parece poder estar associado com uma probabilidade ainda mais acrescida de infecção?
Na mesma altura e sobre o mesmo assunto, o mesmo epidemiologista poderia, ao menos, ter referido outro estudo, do Advanced Wellbeing Research Centre (AWRC), da Universidade de Sheffield Hallam, do Reino Unido, com uma amostra um pouquinho mais ampla (62 milhões de idas a ginásios, desde Setembro, em 14 países da Europa), que concluiu que os ginásios são locais com risco de transmissão da covid-19 “extremamente baixo”, já que a taxa média de infeção em cada 100.000 idas ao ginásio foi de 0,78.
Numa autêntica requisição civil, que torna compulsório o trabalho para o Estado, o secretário de Estado adjunto e da Saúde terá poderes para impedir a saída de trabalhadores do SNS, que pediram a rescisão dos seus contratos nas últimas semanas. Em vez de salários decentes e condições de trabalho capazes, António Costa militariza e fecha os olhos ao que se passou no Hospital Beatriz Ângelo e na Linha SNS24, onde foram oferecidos a enfermeiros em serviço, a troco degradante e descabido de prestações profissionais, vales de compras para os supermercados Pingo Doce. Não vai, obviamente, cativar médicos e enfermeiros por esta via. Vai degradar, ainda mais, o SNS.
A Organização Mundial de Saúde desaconselha o uso do Remdesivir. A Agência Europeia de Medicamentos aconselha o uso do Remdesivir.
Assim vamos, preparando o Natal mais triste.
In “Público” de 25.11.20