Santana Castilho, a propósito do papel de cada um na já velha luta dos professores, conta, frequentemente, a parábola de um colibri que, enquanto outros animais fugiam de um incêndio que consumia a floresta onde vivia, ia e vinha incansavelmente, com o bico cheio de água, que largava sobre as chamas. Questionado por outro bicho, de muito maior porte, sobre a vanidade desse seu esforço face a uma ameaça tão grande, ele respondeu que estava a cumprir o seu dever, fazendo a sua parte para salvar o habitat. Pois, é precisamente de colibris, de pelicanos e de elefantes que versa esta crónica. Tereis surpresas.
No dia 20 de março do ano passado, após a primeira troca de mensagens com o colega Alberto Veronesi, a propósito da publicação de textos meus no VozProf, escrevi-lhe a seguinte mensagem, através do Facebook:
«Vou confessar-te algo íntimo. Acredito sempre (SEMPRE) numa possível revolta dos professores. É essa crença (embora ingénua) que me alimenta e me move. Vou e venho muitas vezes, mas nunca deixo de acreditar. No meu íntimo, estou sempre a preparar uma revolta. É o que estou a fazer neste preciso momento, com os meus dardos, enquanto outros (que se julgam mais capazes, mais lúcidos e mais realistas do que eu) continuam a banhar-se nas águas cálidas do seu narcisismo, que vão alimentando, sem nunca apelarem a nada de concreto. Refiro-me à luta, claro.»
Terminei o ano letivo de 2021/22 com uma série de cartas abertas dirigidas a João Costa, que iniciava o seu mandato e se apresentava publicamente com uma longa e desastrosa entrevista a um jornal, na qual anunciou ao que vinha. Desmontei os seus “enigmas” e recomendei-lhe que se demitisse, por prever a catástrofe em que iria tornar a sua governação.
Em setembro, concentrei-me nos dirigentes sindicais da FENPROF e da FNE, que, na minha opinião, estavam demasiado ausentes e passivos, num momento em que — considerava eu — já devíamos estar em luta. Conceder a tal ministro uma abertura pacífica do ano letivo era um erro grave. Mas de nada adiantaram os meus constantes apelos. Eles queriam mesmo proporcionar a João Costa um estado de graça que ele não merecia e que só usaria para começar a dar forma às suas ideias, nocivas para os professores e para a Escola Pública. Terminou com a marcação de uma greve para o dia 2 de novembro, uma quarta-feira. Escrevi, então, uma carta aberta a André Pestana, para lhe sugerir que o STOP marcasse uma greve para o dia 31, segunda-feira. Com o feriado do Dia de Todos os Santos de permeio, estariam criadas as condições para uma enorme greve, que poderia ser um excelente trampolim para novas ações de luta:
«[…]Faço, portanto, o seguinte apelo ao STOP: convocai uma greve para o dia 31 de outubro, segunda-feira. Desta forma, corrigireis a brandura da Plataforma Sindical e dareis a essa forma luta a dimensão que deve ter. Eu, como é óbvio, alisto-me, desde já, não apenas para aderir à greve mas também para exortar à participação, com toda a amplitude da minha voz. Foi assim, sem “pruridos”, que os médicos levaram a sua carta a Garcia. É assim que se vence: com ousadia, determinação, abnegação e perseverança. André, traz o STOP para este tabuleiro e faz xeque ao rei.»
Também em carta aberta, André Pestana respondeu-me que, legalmente, já era tarde para convocar greve para esse dia. Além disso, acrescentou que o STOP tem por princípio consultar os seus associados antes de convocar ações de luta. Mas também acabou por revelar, de forma explícita, que não acreditava na mobilização dos profissionais da educação para uma luta de grande amplitude:
«Mas o que esses plenários (alguns com significativa participação tendo em consideração a nossa capacidade) demonstram é que infelizmente quem trabalha nas escolas ainda não está motivado para avançar para formas de luta mais fortes e/ou em crescendo. No entanto, acreditamos que essa situação não permanecerá indefinidamente. SERÁ QUE OS COLEGAS NÃO VÃO AOS PLENÁRIOS MAS SE HOUVESSE GREVES FORTES ADERIAM?»
Nesta altura (23 de outubro), André Pestana ainda não acreditava absolutamente nada no que estava para acontecer.
No dia seguinte, escrevi-lhe uma longa carta aberta, na qual lhe manifestei o meu apreço pelo princípio da consulta aos associados, mas também lhe disse que, em casos urgentes, em que se impõe uma resposta imediata, toda gente compreenderia que o STOP dele abdicasse. Transcrevo o parágrafo final dessa missiva:
«Termino esta já longa e enfadonha missiva com um lamento. Senti, no teu extenso comentário, uma certa desilusão e poucas expectativas relativamente à adesão dos professores a greves e outras formas de luta. Perguntas mesmo se quem não participa em plenários participará em greves. Falo por mim: normalmente, não participo em plenários, mas raramente falho uma greve. Porém, não é apenas em ti que leio tais sentimentos. Também os leio nos restantes sindicalistas (vejo-os, por exemplo, na data escolhida para a próxima greve, apesar do argumento apresentado, e na forma muito pouco exortativa como a publicitam e justificam). Mas também sei reconhecer, facilmente, que não vos faltam motivos para tal. Nós, enquanto classe mobilizada, já tivemos muito melhores dias. No presente, somos apenas uma diáfana sombra do que já fomos. Porém, vós, os sindicalistas, por muito que vos custe, não vos podeis deixar contagiar. Tendes de agir como se, deste lado, só estivessem denodados cavaleiros (a precisarem apenas de um bom elixir de ânimo). Por vezes, tendes de ser vós a erguer-nos, como aconteceu em 2018, em que surgiste fulgurante. Num ápice, tinhas os professorado contigo. Olha, ainda ontem vi os jogadores do meu clube saírem para o intervalo debaixo de assobios. Pouco depois, regressaram estonteantes. Em poucos minutos, viraram tudo a seu favor: os assobios transformaram-se em entusiásticos aplausos, e tudo terminou em apoteose.»
No dia 23 de novembro (um mês depois), Santana Castilho, no seu já tradicional espaço quinzenal no Público, escreveu uma crónica intitulada “É aqui que estamos, colegas professores!”, na qual diz a André Pestana o seguinte:
«Neste quadro, o STOP (Sindicato de Todos os Professores) promoveu aquilo a que chamou uma sondagem, para apurar que tipo de luta os professores estão dispostos a personificar. Mais um erro do sindicalismo de coro. Há momentos em que o recurso a ouvir as bases denuncia tibieza. Particularmente ante um adversário que não ouve e age humilhando. As bases não precisam, agora, que lhes devolvam a palavra. Precisam de liderança que as galvanize. Precisam de uma convocatória que arrede o medo, some adesões pela ousadia e proteja a sua moleza das botas que a calcam.
Ante a tormenta que se avizinha, a participação democrática vem depois do grito de revolta. É preciso que alguém o dê! É preciso convocar, não sondar. Eu sei que é desproporcionada esta invocação, mas corro o risco:
“Como sabem, há os estados socialistas, os estados ditos comunistas, os estados capitalistas e há o estado a que chegámos.”
Para dizer isto, Salgueiro Maia não fez sondagem prévia aos que o acompanharam. A exortação chegou e ninguém deu um passo atrás. E é aqui que estamos, colegas professores!»
No mesmo dia em que esta crónica foi publicada, o STOP partiu para a greve por tempo indeterminado. Não ouviram o colibri, mas escutaram com toda a atenção e respeito a voz do pelicano.
PS — Amanhã, num texto bem mais sucinto (espero eu), explico-vos por que motivo me vou desvincular do STOP, pela segunda vez.