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Tribunal absolve professora de Português de passar enunciado de exame a aluna

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Tribunal Criminal de Lisboa ilibou no mês passado a professora de Português Edviges Ferreira de ter passado a uma aluna o enunciado do exame do 12.º ano da disciplina em 2017.

Enquanto presidente da Associação de Professores de Português, a docente da Escola Secundária Rainha D. Leonor, em Lisboa, tinha tido acesso antecipado às provas da disciplina, para as poder auditar com vista a emitir um parecer prévio sobre a sua validade científica. As suspeitas recaíram sobre Edviges Ferreira depois de se ter tornado pública uma gravação áudio partilhada pelo Whatsapp por uma estudante: “Ó malta, falei com uma amiga minha cuja explicadora é presidente do sindicato de professores, uma comuna, e diz que ela precisa mesmo, mesmo, mesmo e só de estudar Alberto Caeiro e contos e poesia do século XX. Ela sabe todos os anos o que sai e este ano inclusive. E pediu para ela treinar também uma composição sobre a importância da memória…”.

E de facto o autor escolhido para o exame foi Alberto Caeiro, enquanto o tema da composição foi o da importância da memória. Aluna dos Salesianos, a jovem responsável pelo alerta no Whatsapp era conhecida de uma estudante da Escola Secundária Maria Amália a quem Edviges Ferreira dava explicações, embora não fossem próximas. Ouvida em tribunal, a jovem que difundiu a mensagem áudio disse que tinha falado da amiga para dar credibilidade à informação, mas que na realidade tinha ouvido dizer aquilo a umas estudantes do 12º ano que estavam numa tabacaria onde tinha ido comprar tabaco – e que estas haviam aludido a “uma professora do sindicato que sabia todos os anos o que saía nos exames”.

Professora negou ter passado informação

Sem ligações conhecidas ao PCP, a professora sempre negou ter passado informação confidencial à aluna. Mas o Ministério Público não acreditou na sua inocência, tendo-a mandado responder em tribunal pelos crimes de violação de segredo por funcionário e ainda de abuso de poder. Em Março de 2019, antes mesmo de o julgamento começar, Edviges Ferreira foi demitida pelo Ministério da Educação, na sequência de um processo disciplinar que concluiu que era culpada.

Mas afinal o tribunal decidiu que não, baseando-se, entre outras coisas, no facto de a explicanda ter tido um mau desempenho na prova: 9,5 valores. “Não é crível que uma aluna que soubesse especificamente os temas que iriam sair no exame apresentasse tão parca classificação”, escreve a juíza que proferiu a sentença. Mas há mais: foi contabilizado um universo de 54 pessoas com potencial acesso às provas durante todo o processo de elaboração, auditoria, finalização e impressão dos enunciados. Por fim, a descrição feita na mensagem do Whatsapp parece não bater certo com os conselhos de estudo dados por Edviges Ferreira à explicanda: na mensagem da rede social fala-se especificamente de Alberto Caeiro, mas o que ficou provado foi que a explicadora disse à aluna para estudar os heterónimos de Pessoa, universo bem mais vasto.

A própria descrição da fonte de informação da mensagem de Whatsapp não parece ser compatível com a arguida, que antes de 2017 só tinha auditado os exames uma vez, em 2011. Invocando o princípio que manda absolver o réu em caso de dúvida, o tribunal ilibou a docente no passado dia 19.

Edviges Ferreira desencadeou, entretanto, um processo contra o Estado nos tribunais administrativos para ser indemnizada pelo que sucedeu, acção que já foi contestada, adiantou a tutela. “Não percebo como é que se demite compulsivamente uma professora com 44 anos de dedicação ao ensino apenas com base num ruído público ao qual ela foi alheia”, observa o advogado de Edviges Ferreira, Alexandre Mota Pinto, escusando-se a falar sobre o processo, uma vez que a sentença ainda é passível de recurso.

De facto, o caso do mistério do enunciado do exame de Português do 12º ano não termina agora: o Ministério Público já decidiu que vai recorrer da absolvição. Quanto a Edviges Ferreira, remete qualquer comentário para o próximo mês de Janeiro. Ao PÚBLICO, o Ministério da Educação disse que “o Instituto de Avaliação Educativa, que é a entidade participante e que se constituiu como assistente no processo-crime, vai recorrer da decisão de primeira instância”. A tutela considera ainda que a decisão judicial “não põe em causa na generalidade, a matéria de facto apurada pelo Ministério Público e pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência”.

 

Público