Início Editorial Temos tudo para que corra mal – Alberto Veronesi

Temos tudo para que corra mal – Alberto Veronesi

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Quando em março as escolas fecharam, fizeram-no devido à possibilidade de descontrolo da propagação de um vírus, à época pouco conhecido. Os pais, assustados, foram os primeiros a deixar de levar os filhos à escola. O Governo acompanhou e mandou fechar todas. E bem! Fez-se exatamente aquilo que havia sido feito por esse mundo fora, nuns casos mais tarde, noutros mais cedo, mas a maioria dos países fizeram-no.

Percebeu-se rapidamente que a situação não teria controlo antes de meados de 2021, ou seja, nunca alcançaríamos, enquanto mundo globalizado, a imunidade antes disso. Pareceu-me lógico que o Governo, nessa mesma altura, tivesse começado a preparar setembro e tive a oportunidade de, em maio, fazer uma chamada de atenção para esse facto. Era imperioso que se pensasse no regresso, quando, como e em que condições. Na altura, fui acusado de pioneiro bacoco: ainda o ano letivo não tinha terminado e já queria que se pensasse em algo tão distante. Pois bem, talvez se o Ministério tivesse de facto preparado o regresso desde essa altura, não estivéssemos hoje a vivenciar esta realidade, bem distante do ideal.

Desde logo, a recusa em alterarem o número de alunos de turma, nem que fosse de forma provisória, com a argumentação de que as escolas não crescem, mas sabendo nós que as salas vazias existem e que até vão servir de cantina. Não só não diminuíram como em alguns casos aumentaram, o que torna tudo isto uma enorme falácia. Turmas com excesso de alunos são aprovadas, contrariando a própria lei, mas cumprindo as restrições orçamentais.

Na tentativa de contrariar o excesso de alunos, algumas escolas pensaram, e bem, em desdobrar turmas. Ao abrigo da autonomia, poderiam fazê-lo, proclamava a tutela nos média nacionais. Mas na prática a situação era outra: só poderiam desdobrar se isso significasse zero aumento de custos, mais uma enorme falácia.

O que têm as escolas, afinal, preparado para o início? Pouco, muito pouco. Para além dos horários desfasados, tanto quanto possível, as setas dos percursos pintadas no chão, o álcool-gel, em escassos doseadores (não há dinheiro para os comprar), e as máscaras que serão distribuídas. Não há mais nada. Mas anunciam-se mais assistentes operacionais, professores, técnicos, que demoram a chegar e com certeza não serão suficientes.

Sem um número suficiente de assistentes, o cumprimento das muitas regras impostas será impossível de garantir: quer os percursos, quer a higienização, quer o uso adequado da máscara.

Se juntarmos a isto tudo a falta de recursos para a transição, assim que necessário, para o ensino à distância ou misto, então temos mesmo tudo para que corra mal.

Nas escolas, os computadores são os mesmos há décadas. Parece que a renovação do parque informático está em andamento, mas em modo invisível. A internet funciona mal ou simplesmente não funciona. Os alunos continuam à espera do prometido portátil, os professores também… Chegarão, não sabemos quando, mas chegarão!

E como se isto tudo não bastasse, temos ainda o incentivo do Governo às baixas dos professores de risco. Claro que é mais fácil e sobretudo mais barato mandar os professores de risco de baixa para casa, alegando que o teletrabalho não é compatível com a atividade letiva. Agora, porque nos últimos meses foi o que aconteceu. A solução poderia passar por estes professores ficarem responsáveis pelos alunos de risco, posteriormente, substituírem os professores que ficarão doentes e que obriguem os alunos a ir para casa, ou outra solução qualquer. Mas a que arranjaram foi só mais uma demonstração de desrespeito pelo professor.

Como cereja no topo do bolo, coloco alguns pais que na realidade se estão a marimbar para o que se passa nas escolas e por isso não exigem que se cumpram as medidas, como em todos os outros serviços do país. Jantares de família com mais de dez pessoas, não é possível. Frequentar a escola, com toda a impreparação que relatei, com mais 150 pessoas, tudo bem!

Espanta-me também a postura de acólitos a que se prestam alguns colegas que ocupam cargos de chefia e que perdem, por isso, a noção da realidade. Exigem reuniões presenciais para tornar normal o início de um ano letivo que tem pouco de comum.

É imperioso recomeçar, já o disse e repito, mas assim não. Assim, correrá mal!

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico