Sou socialista, por ideologia e militância. Sou também filho de professores e um produto da Escola Pública. É por causa desta origem, mas também por um básico desejo de justiça e igualdade, que sinto a obrigação de me pronunciar sobre a dramática situação da Educação no nosso país. Governar implica fazer opções e ter a coragem de assumir as suas consequências práticas e políticas. A escolha de muitos governos das últimas três décadas, vários deles socialistas, foi tratar a educação como uma questão terciária, um problema a ser procrastinado e nunca resolvido. E quais as consequências da atual linha política, que trata o professor como uma despesa e a escola como um depósito de adolescentes?
O papel da Escola é cada vez mais residual, incapaz de assumir a dimensão formativa do republicanismo, necessária para o autogoverno. Ao desvalorizar os professores e a sua autoridade social e académica, a cobardia das elites políticas desprotege a Escola do reacionarismo social. Os professores, exaustos e continuamente maltratados, vêm a sua capacidade de moldar os seus alunos diminuir, o seu salário congelar, a sua reputação enquanto parte vital da sociedade regredir e a própria ideia de carreira docente desaparecer.
Temos docentes a viver em carros, a tomar duche em balneários, a pedirem, na verdade, esmolas para comer. São estes os educadores dos nossos filhos. Quando até o líder da Oposição afirma ser essencial contabilizar o tempo de serviço dos professores, é importante considerar se não estaremos a chegar a um ponto de não retorno.
A democratização da Educação é a principal responsável pela criação da classe média, pela elevação de milhões da pobreza, pelo progresso científico e social, pela criação da própria ideologia meritocrática que muitas vezes a ameaça. A Educação Pública é a muralha contra o dogmatismo, os preconceitos e todas as formas de radicalismo, razão pela qual foi, e continua a ser, perseguida por fundamentalistas e autocratas.
O atual sistema que enquadra e define a Escola está cansado e doente, ferido pela ignorância e pela apatia daqueles que dela usufruíram. Ser professor é difícil, mas a deterioração da carreira docente avança de mãos dadas com a deterioração da Escola enquanto instituição, e, portanto, do processo de criação de novos cidadãos.
Não nos equivoquemos: num mundo crescentemente desigual, onde abunda a falsidade institucionalizada, onde o intelectual e o profundo rareiam, e onde os pais são muitas vezes obstáculos à educação dos seus filhos devido aos seus próprios dogmas e contextos, é a Escola Pública a principal bala de prata da igualdade e da democracia. Acontece que a realidade política e social atual não permite que a Escola Pública cumpra estas missões por falta de pessoal, recursos e visão.
Num mundo ideal, escolas deveriam ser palácios, gastando o Estado o que fosse necessário para assegurar acesso gratuito e de qualidade a toda a população. Os professores deveriam ser profissionais tão excecionalmente valorizados que os diferentes estabelecimentos competiriam para chamar a sua atenção, com salários dignificantes e tempo para serem os cidadãos empáticos e intelectualmente dedicados que a sua condição profissional exige.
Num mundo ideal, uma criança de uma família pobre, atacada por desespero ou fundamentalismo, sairia da escola mais tolerante e esperançosa no futuro, assim como uma criança de uma família rica, contaminada por excesso de privilégio ou arrogância, de lá sairia mais empática e consciente do seu papel na comunidade. Um mundo ideal sê-lo-ia apenas porque a Educação teria solucionado todos os seus males.
Não vivemos num mundo ideal, mas há muito que podemos fazer para caminhar na direção correta, começando por assumir a Educação como um desígnio nacional prioritário e assegurando que mais nenhum professor tem de viver no seu carro e passar fome para ensinar a língua de Camões às novas gerações.
Não se admirem que a depressão, a ignorância, a apatia e o egocentrismo se apresentem como flagelos que consomem as nossas crianças: afinal, é o que temos demonstrado com as nossas escolhas e ações. Essa é a realidade que elas encontram hoje, uma Escola de Sísifos, empurrando os seus rochedos colina acima, condenados a fazê-lo até as suas forças faltarem ou até a democracia falir, moral e civicamente. Está, pois, na altura de ter coragem, e esperar que não seja já tarde demais para salvar a Educação.
Expresso