Impelido pelo teor de alguns comentários, feitos à última missiva que dirigi aos professores e educadores, prometi redigir uma adenda a essa carta aberta, deixando para depois — para muito breve — um punhado de conselhos, dados de boa vontade a João Costa. Esta adenda tem um propósito muito específico, que procurarei definir de modo muito sucinto: o importante papel do todos nós, mesmo daqueles que já não acreditam, na luta que se nos impõe, de forma premente.
Começo pelo enquadramento ideal (utopia possível): todos — sindicatos, “bloggers”, professores em geral — a remar para o mesmo lado, falando em uníssono quando se trata de apelar à luta. Nesses momentos cruciais, colocamos as naturais divergências de lado e partimos para a peleja. ASSIM, É PERFEITAMENTE POSSÍVEL!
Continuará a ser possível, ainda que nenhum sindicato tome a iniciativa de nos convocar para a luta. Como? Se os “bloggers” — sobretudo os mais credibilizados pela classe —, em uníssono, quiserem assumir o risco e a responsabilidade exortar os colegas, mostrando convictamente a sua crença. Nesse caso, tenho a certeza de que o seu apelo será onda contagiante em todo o país. Os sindicatos não terão alternativa: juntar-se-ão a nós. E SERÁ, OBVIAMENTE, POSSÍVEL!
Imaginemos agora que nem sindicatos nem “bloggers” — os mais conceituados — estão dispostos a fazer apelo para a tal luta que os tempos e as desgraças cada vez mais nos impõem. Ainda assim, caros colegas, é possível! É possível com o imprescindível contributo de cada um de nós, dos que ainda acreditam e daqueles que já não creem. Como? Se cada um fizer unicamente o que for relevante para a mobilização e para unidade que as circunstâncias, cada vez mais gritantes, nos impõem. Concretizo:
— Se aqueles que acreditam saírem do silêncio e derem voz à sua crença, sempre que lerem um clamor e/ou um apelo em que se revejam; se trouxerem essa luz contagiante, para se fazer multidão;
— Se aqueles que já não acreditam fizerem o mínimo que o tempo lhes pede, ou seja, se ficarem em silêncio, sempre que lerem um clamor e/ou um apelo em que se revejam, que vá ao encontro do profundo desencanto que sentem (repito: “em que se revejam”); se deixarem no silêncio as suas palavras de descrença, porque essas têm, infelizmente (é assim a natureza humana), uma ação de contágio muito mais eficaz, fulminante.
Acredito que quase todos nós estamos, de alma e coração, descontentes com o estado a que chegou a nossa profissão. Acredito também que quase todos nós queremos, de alma e coração, uma reviravolta, a mudança que se impõe, que o quotidiano suplica agora, de forma tão evidente e veemente. Porém, também acredito que são muitos, talvez a maioria, aqueles que, embora querendo, já pouco ou nada creem, estando, por isso, num permanente limbo entre a luta, que sabem ser necessária, e a passividade, que tomam por quase fatal. É no peito destes que os comentários de descrença mais efeito produzem. Como em sinédoque, tomam o todo pela parte. É a sua descrença, vestida de um suposto e cómodo realismo, a falar mais alto. Os descrentes (falo só daqueles que ainda querem), prestariam, pois, um bom serviço ao coletivo, à escola e ao país, se aprisionassem a descrença no silêncio do seu peito e deixassem a seara crescer.
Por vezes, muitas vezes, quando lanço uma garrafa ao mar, com uma mensagem com a qual (sinto) a esmagadora maioria dos colegas se identifica, fico terrivelmente frustrado (por vezes desanimado) quando leio comentários deste género: “Parabéns! Subscrevo tudo, mas não acredito que…”. Sinto-me como um jogador de futebol, prestes a marcar um penálti decisivo, que vê, não os adversários, mas os seus colegas irem ter com ele para lhe dizerem, no momento decisivo, “Vais falhar! Vamos perder!”. É isto que sinto, e é isto que sentem muitos dos que leem tais comentários.
A base de uma pirâmide pode fazer mover os andares superiores? É claro que sim, basta mover-se. Não se trata, portanto, de uma crença, mas de conhecimento. Sabemos que pode ser assim. Se as bases se unirem num propósito — remando sempre no mesmo sentido, ou não remando, mas deixando remar ¬— então os “bloggers” mais influentes acabarão por ser contagiados e os sindicatos também. E SERÁ, OBVIAMENTE, POSSÍVEL!
Termino, com um poema dado à luz há mais de uma década. Apesar de tudo, a minha crença mantém-se incólume. Enquanto houver uma centelha, uma só, será sempre possível iluminar dar luz a uma noite escura.
UMA PÉTALA
Pudesse eu dizer o intangível
Dar-te a face do além
Onde os meus olhos são
Pudesse eu mostrar-te o indizível
Que o amanhã tem velado na escuridão
E então seria possível
Pudesses tu ao menos
Saber ler o meu olhar
Pudesses tu ao menos
Acreditar no meu acreditar
E então seria possível
Eu poria na tua mão
Numa pétala de emoção
Toda a leveza do ar