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Salário não é tabuísmo – Mário Nogueira

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Há dias, uma colega já aposentada, dizia-me, com mágoa, que a filha, também professora, não aceitara ser colocada no Algarve, onde faltam professores, porque, feitas as contas, pagaria para trabalhar e, já estando a chegar aos 40 e sendo mãe, optara por aceitar emprego, à porta de casa, em caixa de grande superfície. Dias antes recebera email de colega do distrito do Porto que dizia ter descartado colocação em Lisboa, onde faltam professores, porque, consideradas as despesas, ganhava mais nas AEC do seu concelho do que em escola a mais de 300 quilómetros, ainda que, aos 32 anos, se mantivesse a viver com a mãe.

Sobre salários, afirmava o ministro João Costa, em entrevista, que não sendo elevado, apesar de tudo, no setor público o salário é superior ao do privado. É verdade, mas isso acontece porque no privado o salário de professor é ainda menos encomioso.

Vem isto a propósito de, para a falta de professores, políticos, académicos e alguns comentadores que participam em espaços de debate considerarem que o problema se resolverá com alterações nos regimes de formação inicial e de recrutamento. Principalmente os políticos com funções governativas evitam falar de outras causas.

 

Participei, há dias, em iniciativa com muitos jovens estudantes do 3.º ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário, de várias regiões do país, que, questionados sobre se gostariam de ser professores, de uma forma geral respondiam positivamente, mas esclareciam que não seria essa a sua opção. Alguns, filhos de professores, falavam da falta de tempo dos pais para consigo, das suas viagens diárias ou da presença apenas ao fim de semana (e com trabalho de casa) e do que ouviam sobre o ordenado. Outros, conhecendo apenas a profissão pelos seus professores, afirmavam que ensinar os outros era algo que os encantava, mas o que sabiam da vida dos professores afastava-os dessa opção. Tentei convencê-los de que devemos seguir aquilo de que gostamos e lutar pela valorização e dignificação da profissão que escolhemos, mas creio não os ter convencido.

 

Os governantes não gostam de falar de salários e de relação laboral e para os académicos essas não são as questões centrais, mas se não se falar disso e tudo ficar como está a profissão de professor irá sofrer um fortíssimo revés.

Como vai alguém escolher uma profissão em que são necessários 15 ou 16 anos completos de serviço, isto é, no mínimo, 20 de trabalho para ter acesso a um lugar de quadro, garantindo alguma estabilidade de emprego e profissional, bem como o ingresso na carreira?

 

Quanto à carreira, a desvalorização é mais do que evidente. Repare-se, em 2005 um docente com 26 anos de serviço atingia o topo, o 10.º escalão, e o seu salário era, em valor ilíquido, superior em 1085 euros mensais ao de um professor que, passados 17 anos, tem o mesmo tempo de serviço. Este, hoje, está no 4.º escalão a lutar por uma vaga para chegar ao seguinte, a qual, se a obtiver por via de uma avaliação de Excelente ou Muito Bom, poderá ser negada pela aplicação de quotas.

Falando em 1085 euros mês, estamos a falar num rendimento anual que, em 2022, é inferior em mais de 15.000 euros ao de há 17 anos. Salário muito inferior, a que acresce uma desvalorização que, sem contar com os constrangimentos de carreira, é superior a 12% nos últimos 12 anos, e que só no ano em curso, tendo em conta os 8% de inflação em maio e os 0,9% de “aumento”, ameaça duplicar a perda. É caso para perguntar: haverá vocação que resista a esta realidade? Não há certamente e, por este caminho, continuando os decisores políticos a esconderem a cabeça na formação e no recrutamento para não verem a precariedade, o baixo salário, a destruição da carreira e as condições de trabalho de profissionais a quem é roubado o tempo de ser gente, as escolas continuarão a ser despejadas de verdadeiros profissionais, mesmo que se completem horários em algumas regiões do país ou paguem estágios, tentando atrair aqueles que tinham escolhido seguir outro caminho.

Público

 

 

 

 

 

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