O estranho não foi André Pestana ter tirado férias este verão, pela primeira vez desde que em 2018 o S.TO.P. foi fundado, e ter deixado a coordenação do sindicato, que começou por ser de todos os professores, para depois passar a defender todos os profissionais de educação, entregue a outro membro da direção: a vogal Carla Piedade.
O estranho, diz ao Observador Pedro Xavier Monteiro, também ele parte da cúpula do sindicato que no dia 17 de dezembro do ano passado juntou “entre 20 a 25 mil” pessoas em Lisboa, num protesto histórico contra o governo de António Costa, foi o facto de André Pestana ter regressado e não ter cumprido com o que tinha combinado antes de partir.
“O André andava a queixar-se de que não tinha férias há cinco anos, e que precisava de estar com a família. Foi de férias porque precisava e também para proteger a sua própria imagem e a imagem do S.TO.P. que, depois do escândalo do MAS, que também causou mal-estar, estava a ser envolvido numa polémica que não lhe dizia respeito”, começa por contextualizar o secretário da direção do sindicato.
“O que ficou combinado foi que, quando ele regressasse de férias, fazíamos uma reunião presencial para ele retomar a coordenação”, continua a explicar o professor, que garante que, por muito que já existisse algum mal-estar entre a direção e André Pestana, em cima da mesa nunca esteve outra opção que não a de devolver a coordenação do S.TO.P. ao carismático líder que nos últimos anos tem dado a cara pela luta “democrática, transparente e apartidária” pelos direitos dos professores.
No dia 20 de agosto, Pestana anunciou, via Facebook, que estava de volta e pronto a calçar novamente as luvas. “Após a maior luta de sempre na Educação, e terminados os 23 dias úteis de férias a que tive direito (onde pela primeira vez em cinco anos de existência do S.TO.P. pude afastar-me do telemóvel e dos emails), para que não restem dúvidas sobre as minhas intenções de seguir como Coordenador do S.TO.P., continuo totalmente disponível e determinado (como sempre) no reforço de um sindicalismo democrático, independente e combativo ao serviço de uma Escola Pública de qualidade para todos que lá trabalham (e estudam)”, escreveu o sindicalista, que antes de criar o MAS (que abandonou mesmo antes de ir de férias) e o S.TO.P., já tinha saído do PCP, do Bloco de Esquerda e da FENPROF.
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E, nessa altura também, já grassavam os rumores de que esta saída do MAS não podia ser alheia ao aparecimento do Juntos Vamos Mudar, o movimento partidário de professores apresentado no dia 1 de julho, a que André Pestana garante não pertencer — mas que, diz Renata Cambra ao Observador, é demasiado semelhante ao modelo que, escassos meses antes, Daniel Martins, considerado o “braço direito” de Pestana no S.TO.P., tinha tentado fazer aprovar junto da direção do MAS.
Mais do que isso, acrescenta ainda Pedro Xavier Monteiro: nessa altura, já tinham passado quase 16 meses desde que a restante direção do S.TO.P. pedira pela primeira vez a André Pestana que lhes fosse facultado o acesso à informação bancária e às transações feitas pelo coordenador, desde a fundação, em nome do sindicato — sem qualquer resultado.
Ainda assim, mantém o mais antigo membro da direção do S.TO.P., nunca terá passado pela cabeça de ninguém sonegar o acesso de Pestana à coordenação. “A reunião presencial que tinha ficado acordada é que nunca aconteceu, pelo menos com a presença do André. Fizemos pelo menos duas tentativas, ambas entre o final de agosto e o início de setembro. Primeiro, tentámos marcar uma reunião no Porto, onde o André estava, e ele mostrou-se indisponível. À segunda, em Lisboa, o André nem respondeu, nem compareceu.”
Sem a reunião previamente acordada com o consenso da direção do S.TO.P., diz Pedro Xavier Monteiro, a coordenação do sindicato continua entregue a Carla Piedade. André Pestana é que não faz a mesma leitura e não só voltou a apresentar-se como coordenador do S.TO.P. como ainda esta quarta-feira recorreu às redes sociais para, nessa qualidade, apelar à participação dos cerca de dois mil sócios do sindicato na Assembleia Geral convocada para as 14h deste sábado, 30 de setembro, no auditório do CHUC, em Coimbra.
“Neste momento a própria direção está dividida”, diz ao Observador Luís Braga, o professor de Viana de Castelo que em abril deste ano, dois meses após ter abandonado o lugar como suplente na direção do S.TO.P., apontando o dedo ao “controlo partidário oculto” do MAS sobre o sindicato, se tornou conhecido em todo o país, ao fazer greve de fome “em defesa da escola pública”. “De um lado estão o André e o Daniel, que também era suplente como eu, mas entretanto já é efetivo, e do outro está o resto.”
Da ordem de trabalhos do encontro deste sábado — que o grupo a que pertence Pedro Xavier Monteiro garante que não pode ser considerada uma verdadeira Assembleia Geral, porque não foi convocada seguindo os estatutos que regem o S.TO.P. — fazem parte apenas dois pontos. A “destituição dos corpos gerentes” (direção, conselho fiscal e mesa da assembleia geral) e “subsequente eleição de comissões provisórias” para a respetiva “substituição”; e a “situação da luta dos profissionais de educação e a sua continuidade”.
“Ganhem uns ou ganhem outros, é uma coisa que acabará necessariamente em tribunal. Nos grupos de WhatsApp que andam a discutir isto percebe-se que as partes estão extremadas e que isto acabará necessariamente em disputa judicial”, analisa o professor Paulo Guinote, autor do blogue O Meu Quintal, em conversa com o Observador.
No meio de tudo isto, diz, os professores — que, como ele próprio, há cinco anos encontraram no novo movimento encabeçado por André Pestana um sindicato apregoadamente livre e independente de libelos partidários — estão “baralhados”, e alguns começam mesmo a abandonar o barco.
“A leitura que faço a partir de fora e do que as pessoas de dentro me vão comunicando é que há umas 200 pessoas — os ativistas mais próximos de cada uma das fações — e depois o resto dos sócios, que serão uns dois mil ou menos, e estão completamente baralhados com isto tudo. Há sócios que já começaram a sair e há outros que ainda estão à espera de ver o que acontece nas próximas semanas para decidirem se ficam ou se saem.”
Depois de este sábado as duas fações se defrontarem em Coimbra, para um primeiro round que não deverá ser conclusivo, todos os olhos estarão postos num segundo momento, marcado para o próximo dia 14 de outubro, antecipa Paulo Guinote.
“Há várias manifestações de desagrado, mas muitas pessoas estão sobretudo à espera de saber o que vai acontecer no encontro do movimento Mudar, que em julho apareceu e parecia [querer] promover o André Pestana para qualquer tipo de candidatura ao Parlamento Europeu ou outra coisa parecida. No fundo, querem saber se ficam num sindicato que é mais do que uma pessoa, se ficam num sindicato que basicamente é um clube de fãs de um líder.”
Do acesso único à conta do S.TO.P. ao sequestro das redes sociais do sindicato
Em 2018, tal como criou o S.TO.P., André Pestana também terá tido a iniciativa de abrir a conta bancária do sindicato — sendo que até 2022, diz Pedro Xavier Monteiro, o coordenador terá sido o único a poder fazer pagamentos através dela ou até mesmo a poder consultar-lhe o saldo.
“Por acaso, é uma situação um bocado atípica — no sentido em que uma associação, por norma, não tem só uma assinatura —, mas nunca ninguém levantou obstáculos e toda a gente sempre confiou no André”, conta o secretário da direção. “Entretanto, no ano passado, a Ana Bau, que tem o cargo de tesoureira, também passou a poder aceder a essa conta. E, em maio, os membros da direção começaram a pedir repetidamente para terem acesso aos movimentos, coisa que nunca aconteceu. São pedidos que estão plasmados, vertidos em atas de reuniões, inclusivamente foram lançados vários ultimatos para que o André Pestana apresentasse toda essa documentação, o último até 11 de setembro, mas até hoje não tivemos qualquer acesso”, garante.
Em resposta a questões colocadas pelo jornal Público, André Pestana — que não se mostrou disponível para falar com o Observador — reage a uma posição assumida por Carla Piedade ao mesmo jornal, quando relacionou o pedido de destituição da atual direção do sindicato com uma tentativa de obstaculizar a auditoria às contas internas. “Acho estranho essas declarações, porque como a Carla Piedade sabe ninguém votou contra a auditoria. Inclusive, ela sabe que eu já disse em reuniões com delegados sindicais que era a favor”, argumenta.
Por SMS ao mesmo jornal, e apesar de não ter havido, até ao momento, qualquer sinal nesse sentido, Pestana assegura que a auditoria “vai avançar, independentemente de qualquer alteração na direção”. E apresenta outra leitura para as resistências à realização da reunião marcada para este sábado, em Coimbra. “A questão de fundo é que há elementos da direção do S.TO.P. que querem dar voz e poder aos sócios (onde eu me incluo) e outros que não querem uma Assembleia Geral de sócios para discutir e decidir democraticamente a luta e o presente/futuro do sindicato”.
Garantindo que os rumores que circulam sobre o assunto nos grupos de professores são “demasiados” — e, pelo menos para já, “impublicáveis” —, Paulo Guinote concorda que só uma auditoria independente permitirá “perceber o que tem acontecido ao dinheiro das quotizações, de que forma foi gasto e através de que meios”. “Porque, aparentemente, o Conselho Fiscal existe, mas não passou nada por ele”, assinala o autor de O Meu Quintal, confirmando que “as pessoas que têm acesso às contas são muito poucas”.
Luís Braga, que diz que teve o “primeiro momento de dúvida” sobre as verdadeiras intenções do sindicato, onde ingressou em junho de 2020, numa Assembleia igualmente reunida em Coimbra apenas dez dias depois da grande manifestação de 17 de dezembro de 2022, também confirma que, até há muito pouco tempo, era Pestana quem detinha em exclusivo o controlo da conta bancária do S.TO.P.. “Nessa Assembleia cheguei atrasado e não vi, mas sei que mostraram um Powerpoint com as contas do sindicato. E a malta votou, porque era o André Pestana que estava a dizer. Chamei a atenção para isso, disse que só voto contas quando vejo contas e que os documentos tinham de ter sido disponibilizados antes. E votei contra, mas devo ter sido dos poucos.”
Outras contas que desde a madrugada de 14 para 15 de setembro estão sob controlo exclusivo do grupo S.TA.P., de André Pestana, são as das redes sociais do S.TO.P.. “Basicamente, nessa noite do golpe, o André Pestana e o Daniel Martins sequestraram as contas de Facebook e todas as contas de e-mail do S.TO.P., excluindo os demais corpos gerentes do seu acesso”, acusa Pedro Xavier Monteiro.