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Respeitar os professores é respeitar o futuro do país – São José de Almeida

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O Presidente da República voltou a ser a voz do bom senso ao pedir, na quinta-feira, que o Governo e os sindicatos dos professores cheguem a acordo “daqui a uma semana ou duas, ou dias”. Marcelo Rebelo de Sousa procurava assim introduzir espírito negocial numa relação extremada como a que está, neste momento, instalada entre os professores e o ministro da Educação, João Costa.

 

Na véspera, o primeiro-ministro também falara em “boa-fé” nas negociações, pouco antes de o ministro da Educação apresentar publicamente as propostas que o Governo preparara para as negociações com os sindicatos de professores. É, porém, pena que só esta semana o Governo pareça ter despertado para um problema que existe há anos e ao qual nem o actual executivo nem vários executivos anteriores deram nunca a importância devida.

Se recordarmos o mandato de Maria de Lurdes Rodrigues, como ministra da Educação do primeiro Governo de José Sócrates, e a sua arrogante política de “quebrar a espinha” aos professores, com o objectivo de os desprestigiar e estigmatizar socialmente, até se pode considerar que o actual diferendo entre Governo e sindicatos dos professores nem sequer é o pior momento desta relação na história da democracia portuguesa. E nem vale a pena falar da forma como o Governo de Pedro Passos Coelho e de Paulo Portas trataram os professores e os seus convites aos jovens licenciados para emigrarem.

 

O que não se percebe é porque é que, estando há sete anos como primeiro-ministro, António Costa se tenha limitado a descongelar as carreiras em 2018 – sem, contudo, aceitar, ainda hoje, devolver o tempo de serviço que foi retirado aos professores, entre 2011 e 2017. Assim como não se percebe por que é que o Governo, e em particular o ministro João Costa, não percebeu o “barril de pólvora” em que estava sentado e deixou que a situação se tornasse explosiva, ajudando mesmo o ministro a incendiá-la. As propostas apresentadas na quarta-feira não nasceram esta semana, estão seguramente a ser preparadas há tempo no Ministério da Educação. Por que razão só agora foram apresentadas?

 

Na antevisão do ano de 2023, que fiz no PÚBLICO a 3 de Janeiro, alertava já para o sindicalismo de novo tipo cuja influência estava a crescer entre os professores. Isto porque decorria, desde o início de Dezembro, uma greve nas escolas públicas que envolvia todos os agentes do ensino e que sendo diária, apenas durante uma hora, estava a impedir as escolas de funcionar.

Mas o ministro João Costa desvalorizou o fenómeno e ignorou o que de novo estava a acontecer por acção do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação – STOP, que olha as lutas sociais por um prisma diferente do sindicalismo enquadrado e bem-comportado da CGTP ou da UGT e que estrutura a sua luta aproveitando as dinâmicas sociais dos movimentos inorgânicos.

escolas têm sido sujeitos, levou mesmo o primeiro-ministro, António Costa, a usar a sua intervenção na reunião partidária da comissão nacional do PS para desautorizar o ministro João Costa, e rejeitar a precarização do trabalho docente, bem com a inaceitável condição de viverem anos a fio com “a casa às costas”, deslocando-se anualmente por todo o país.

 

No domingo à noite, a RTP noticiou e o PÚBLICO confirmou que o Governo iria “vincular professores a contrato ao fim de três anos de serviço”. Isto na véspera de se iniciar a greve da Fenprof, que se realiza, desde segunda-feira, um dia em cada um dos 18 distritos do país. E quando a escola pública estava já incendiada, finalmente, na quarta-feira, o ministro da Educação tratou de apresentar publicamente as propostas que tem para negociar com os sindicatos.

Entre as propostas apresentadas então encontram-se medidas relevantes, como a vinculação de professores com 1095 dias integrais de docência e que tenham este ano horário completo, o que o ministério prevê que leve à vinculação de 10.500 professores em 2023. Mas também o aumento de vagas no 5.º e no 7.º escalão da carreira, assim como a redução do tamanho dos Quadros de Zona Pedagógica, que os aumenta dos actuais dez para 63 e que criará a regra de que os professores não poderão ser colocados a mais de 50 quilómetros da sua residência. Também há a promessa de menos concursos e de mais fácil acesso. E até a promessa de diminuir a kafkiana teia de burocracia a que os professores estão sujeitos, obrigados a procedimentos inúteis.

Repito, os problemas que se colocam em relação aos profissionais da educação não são de hoje e são mais amplos e profundos do que as questões que se prendem com as carreiras dos professores. Ao nível dos programas, por exemplo, há questões profundas que se colocam. Assim como deveria ser revisto o actual modelo de gestão das escolas públicas, centrado na figura tutelar do director, que nada tem de democrático e que impede o pulsar democrático que as escolas devem ter e incutir nos alunos.

Mas centrando-nos agora nos professores, não podemos esquecer o problema gravíssimo do envelhecimento dos docentes que ameaça o futuro da escola pública em Portugal. E muito menos que há décadas os professores estão sujeitos a uma situação laboral completamente ao arrepio das normas gerais do mercado de trabalho em Portugal. E que se a escola pública continua a ter sucesso na formação dos alunos, isso se deve ao espírito de missão e à dedicação dos professores e não a apostas do Estado na dignificação do ensino.

Isto quando a educação é, a par da saúde e da Segurança Social, um pilhar do Estado Social e essencial a uma sociedade democrática. Ou seja, a escola pública é estruturante, razão pela qual se impõe pergunta: que sociedade estamos a criar e que gerações estamos a formar?

Garantir a atractividade das carreiras dos profissionais da educação, dar condições dignas de vida e de exercício da profissão na escola pública, respeitar os professores é respeitar o presente e o futuro do país e da democracia portuguesa.

Público