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Residência para alunos filhos de funcionários públicos: “Devia ter percebido que isto não é tão óbvio para toda a gente”

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Estando a ser concretizado o Plano Nacional de Alojamento Estudantil no Ensino Superior (PNAES), da iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, por que motivo o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública toma a iniciativa de criar uma residência para estudantes do ensino superior?
Os Serviços Sociais da Administração Pública (SSAP) são uma forma de protecção complementar dos trabalhadores da administração pública (AP), que tem 75% de receitas próprias [vindas da exploração de refeitórios e outros serviços]. Há vários imóveis que são só dos serviços sociais e que servem, por exemplo, para alojar trabalhadores da AP que venham a Lisboa fazer tratamentos médicos. Nós tínhamos este imóvel praticamente devoluto e pensámos em fazer com ele algo que estivesse em linha com as necessidades da sociedade. Ora, uma das necessidades mais sentidas tem exactamente a ver com a questão das residências de estudantes. Mas é importante dizer que isto é um alojamento temporário, que será usado enquanto persistam dificuldades financeiras no agregado familiar.

Se o agregado familiar mantiver as dificuldades durante os três anos de uma licenciatura, é possível que o aluno fique ali durante todo esse período?
Se permanecer a dificuldade, permanece o período todo. O regulamento ainda não está fechado. Mas a nossa ideia é não tirar ninguém a meio de um ano – vamos rever a situação [de cada estudante] no final de cada ano lectivo. Ainda estamos a estudar se este alojamento temporário não pode ser também para estudantes que não sejam do ensino superior.

Este edifício não podia ter sido disponibilizado para o PNAES tal como foi, por exemplo, o antigo edifício do Ministério da Educação, na Avenida 5 de Outubro?
O edifício teria que ser desafectado dos SSAP e só depois podia ser usado. Mas estes imóveis foram adquiridos há muitos anos, a maior parte com receitas próprias dos SSAP, ou foram objecto de doações para aquele fim. A sua desafectação tem limites que o imóvel da 5 de Outubro não tem. Essa explicação não passou, seguramente por responsabilidade nossa. Está a passar como uma ideia de privilégio, quando a realidade é a prossecução da missão dos serviços sociais.

Estando a dificuldade de alojamento estudantil identificada pelo próprio Estado – motivo pelo qual existe o PNAES – não era expectável uma reacção deste tipo, desde logo por parte dos estudantes?
Não antevi essa polémica. Primeiro, por causa desta explicação em torno do conceito de SSAP. Mas mea culpa, porque devia ter percebido que isto não é tão óbvio para toda a gente. Por outro lado, também pensei que, com 47 camas, estamos a contribuir para aliviar alguma pressão que é sentida na cidade de Lisboa ao nível do alojamento estudantil. Eu queria lembrar que há imensas empresas privadas que têm uma política de recursos humanos nesta linha. Que oferecem creches, campos de férias, descontos em escolas privadas, comparticipação nas propinas. O Estado enquanto empregador também tem responsabilidades.

Como será feita a candidatura a um destes 47 lugares?
O regulamento ainda está a ser trabalhado, mas exige que os alunos vivam a uma determinada distância de Lisboa e que haja uma situação de carência económica comprovada do agregado familiar. Estas camas são distribuídas em função dos rendimentos. Em muitos agregados familiares, um pai é trabalhador da AP e outro pode não ser. Ou seja, se o outro progenitor tiver perdido rendimentos [no contexto da pandemia] e a família tiver ficado só com o salário da função pública, são factores que teremos em conta. É importante dizer-se também que isto não é oferecido, os estudantes vão pagar, mas esse pagamento também é indexado aos rendimentos do agregado e antevemos que essa receita será suficiente para cobrir os custos de funcionamento. Ou seja, o alojamento será auto-suficiente.

Estamos à procura de edifícios. Se encontrarmos edifícios com estas características, ou seja, que não possam ser uma valência mais generalizada, claro que sim, sobretudo nas cidades onde haja mais estudantes deslocados.

Num artigo que escreveu sobre este tema no Expresso, no final da semana passada, disse que este é o momento para ter a discussão sobre o papel do Estado enquanto empregador e o apoio social complementar que pode dar aos seus funcionários. Tendo em conta a polémica que esta medida provocou nos últimos dias, será mesmo o momento para isso?
A última coisa que é útil neste momento é que exista crispação de um grupo em relação a outro. O que eu quis dizer com aquilo foi uma outra coisa: estamos a sair de um momento em que ficou visível a importância do Estado. Para termos um Estado capaz quando ele faz mais falta, temos que o ir protegendo nas situações de normalidade.

Público