Amanheci com dores que se estendem para lá do desejável… mas, hoje, dia 17, há uma Marcha de Professores…
Não me interessa quem convoca as manifestações e outras formas de luta, desde que seja de professores e para bem da classe, eu apoio. Já chega de tantos contra nós; não precisamos que sejam os próprios professores, numa atitude autofágica, a virarem-se uns contra os outros. Mais do que nunca, precisamos de todos e todos nunca serão de mais.
Ainda estou a tentar compreender este cheiro a morte e a luto, em vez do sentimento de luta. Por isso, pregunto-te: tudo o que te tiraram e propõem tirar não te afeta?
Tiraram-nos direitos e nós, conformados, aceitámos.
Sobrecarregaram-nos de trabalho e burocracia e nós, crédulos, aceitámos.
Tiraram-nos rendimento e nós, resignados, aceitámos.
Aumentaram a idade da reforma e nós, pacientemente, aceitámos.
Aumentaram a instabilidade nas nossas colocações e nós, impávidos, aceitámos.
Criaram quotas e vagas para impedirem de progredirmos na carreira e nós, passivos, aceitámos.
Reposicionaram-nos em escalões inferiores e nós, submissos, aceitámos.
Roubaram-nos tempo de serviço e nós, docilmente, aceitámos.
Tal como nesta campanha eleitoral, prometeram-nos o mundo e nós, ingénuos, acreditámos.
Fizeram de nós o que quiseram e nós, estúpidos, deixámos.
Comprometeram-se a fazer coisas que, depois, nunca fizeram; anunciaram promessas que nunca cumpriram; enganaram-nos com todo o género de mentiras e nós acreditámos.
E tu, que estás aí passivo sentado desse lado a ler esta longa lista de todo o mal que te fizeram, vais continuar a fazer de conta que tudo isto não é contigo?
Fica sabendo que, aí, sentado no sofá, estás morto. Alguma coisa me diz que é daí que vem este cheiro a morte.
Sei que, nesse buraco onde te meteram, andas afogado em revolta e pranto, mas, mesmo assim, não deixas de estar morto, porque, sentado a lamentar, não resolves nada.
E, assim, vão-te mantendo anestesiado, porque, no fundo, o seu maior medo é de que acordes.
Mas, justamente a partir de hoje, vais deixar de ser um mero espectador da tua vida; vais passar a ser o protagonista e tomar conta dela; vais entrar nesta história e fazer parte dela; ela pode não importar para eles, mas, para nós, importa, porque a tua história é a nossa história.
Neste momento, deverás estar a pensar quem sou eu para falar do que tu sentes?!
Acredita, não há quem não vacile nos momentos de fraqueza.
Julgas que, também eu, várias vezes, não me sentei nesse mesmo sofá e me deixei ficar morto para sempre, preferindo desistir?
Pensas que eu não sei dessa tua angústia que mora, igualmente, no meu peito?
Se soubesses quantas vezes não quis, apenas, deitar-me junto ao mar e esquecer…
Mas, como podei fazê-lo se, no mar traiçoeiro, naufraga a minha gente e se, dos meus sonhos, me saem monstros?!
A noite pariu-me num dia de sofrimento… mas, hoje, há uma Marcha pela Educação…
Quero ir, porque defendo que, nem que fosse só um professor, era um de nós e nós deveríamos estar lá com ele, porque ele estaria ali a lutar não só por si, mas também a bater-se por todos nós.
Ir, para que compreendam que, se ousarem voltar a quebrar as promessas eleitorais continuando a maltratar a classe docente, terão de nos confrontar.
Embora, por momentos, desagradáveis dores me proíbam de ir,
as dores na minha consciência,
no meu amor-próprio,
na minha dignidade,
não me deixam ficar em casa.
Sem medo,
cheio de razão,
de coragem
e de esperança,
vou abandonar este sarcófago e vou até onde devo estar,
para resgatar o respeito que me tiraram,
para lutar pelo futuro da gente da minha terra
e de todos que comigo partilham a casa da educação,
mas, sobretudo, para curar a ferida aberta na minha alma,
gritando as palavras de justiça e liberdade
“VOLTEI AQUI PARA VOS MOSTRAR QUE VIVEREMOS PARA SEMPRE, COBERTOS DE UMA RAZÃO
QUE JAMAIS CONSEGUIRÃO CALAR!”
Carlos Santos