A notícia chegou apenas cinco dias depois de a Escola Alemã em Lisboa abrir portas para o novo ano letivo — duas semanas antes de as escolas públicas começarem a fazer o mesmo. Sábado, 5 de setembro de 2020: os pais de um aluno do liceu — que tem turmas do 5.º ao 9.º ano — ligaram aos responsáveis da escola a informar que o filho estava infetado com o novo coronavírus. O caso obrigou a contactar as autoridades de saúde, que decidiram mandar para casa todos os alunos das três turmas do ano escolar do caso confirmado. Na segunda-feira passada já não foram à escola. Estão em casa, têm aulas à distância e só deverão voltar no dia 17 de setembro, se o resultado dos testes que começaram a fazer for negativo e não tiverem sintomas.
A medida de encerramento de turmas está prevista no manual divulgado pela Direção-Geral da Saúde (DGS) para as escolas lidarem com a pandemia e deve ser aplicada nos casos em que os contactos com a pessoa infetada são de alto risco. A poucos dias do arranque do ano letivo para as escolas públicas (entre 14 e 17 de setembro), olhar para este caso é particularmente importante por permitir antecipar a forma como, previsivelmente, situações semelhantes serão geridas noutros estabelecimentos de ensino ao longo do ano letivo. A preocupação entre a comunidade escolar é inevitável — e já era grande depois de outros países como França terem fechado dezenas de escolas uma semana após o regresso às aulas.
Afinal, as crianças vão voltar para a escola e acabar por voltar para casa durante vários dias sempre que houver uma infeção na escola? O que aconteceu na Escola Alemã vai ser regra ou exceção? Este é um raio-X ao que aconteceu, às decisões tomadas — por quem e porquê — e ao que ainda está para acontecer.
No dia 5 de setembro, logo no sábado logo a seguir ao arranque do ano letivo, a escola foi informada de que um aluno do Liceu tinha tido um resultado positivo no teste à Covid-19. Foram os próprios pais que deram o alerta. “Terá sido contagiado no fim das férias, num contacto social externo à escola”, explicou o estabelecimento de ensino numa resposta por escrito enviada ao Observador.
O que foi feito logo de seguida?
Após receber a informação, de forma “imediata”, a escola ligou à delegada de saúde de Lisboa Norte, Teresa Gonçalves, a informar do sucedido e a pedir indicações sobre o que fazer a seguir. Logo nessa tarde de sábado, as salas e espaços utilizados pelos alunos de todo o ano escolar do caso confirmado foram desinfetados.
Segundo explicou a delegada ao Observador, foi a médica de Saúde Pública Vera Pereira Machado quem fez a avaliação do caso, por telefone e através do médico escolar Volker Dieudonné e da equipa de saúde da escola. O rastreamento de contactos foi o primeiro passo.
Com quem é que o aluno infetado contactou?
O aluno infetado esteve presente na escola “apenas no primeiro dia de aulas”, 1 de setembro, “no qual só existiu uma aula introdutória com um professor“, disse a escola ao Observador, explicando: “O caso confirmado pode ter tido contacto, no limite, com todos os alunos do seu ano escolar, que partilham horários de entrada e saída, horários e zonas de intervalo, etc. Tendo estado presente apenas numa aula, num único dia, é provável que o número real de alunos com quem contactou seja bastante mais baixo.”
Isto porque a Escola Alemã adotou o conceito de “bolhas” que “consiste em definir grupos que não se vão encontrar“, explicou à Lusa a diretora da escola, Teresa Salgueiro Lenze, ainda antes do arranque do ano letivo. Estes grupos têm horários definidos de entrada e saída da escola. Além disso, cada ano de escolaridade tem uma área específica para aproveitar os intervalos, que serão intercalados, para não se cruzarem com os colegas de outros anos. Daí que todas as turmas do ano escolar do caso infetado tenham sido mandadas para casa porque, apesar de não partilharem salas, partilham os espaços da escola nos intervalos.
No entanto, entre todos os alunos das três turmas havia um outro que tinha tido um contacto mais próximo fora da escola com o jovem infetado e que era, por isso, um caso suspeito — o que levou a que a escola ligasse logo a esta família em particular.
O que foi decidido pelas autoridades de saúde e porquê?
Todos os cerca de 70 alunos de todas as turmas do ano em causa foram mandados para casa — “uma decisão da delegada de saúde, considerando um nível exposição relevante de elementos das três turmas”, disse a escola ao Observador. Além disso, os irmãos do caso confirmado, que frequentam outros anos, também ficaram em casa, bem como os irmãos do caso suspeito — foram os únicos alunos de turmas de um ano diferente do paciente zero que ficaram em quarentena.
O professor — o único com que o aluno contactou — não foi mandado para casa nem vai fazer o teste. Isto porque a delegada de saúde entendeu que não era necessário, tendo em conta a posição da sala em que os dois se encontravam: o caso positivo esteve encostado à janela ao fundo e o professor estava na frente da sala.
Ora, a DGS prevê que só se devem encerrar as turmas quando os contactos com o doente são classificados como de alto risco. Mas o que faz com os contactos com um aluno que só esteve um dia na escola, numa aula introdutória, sejam de alto risco? A médica Vera Pereira Machado explicou ao Observador, numa resposta enviada por escrito pela Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, que a decisão de mandar os alunos para casa foi tomada não só “após a análise do risco efetuada”, com base nas “orientações e normativos da DGS”, mas também “considerando o princípio da precaução“.
Questionada sobre qual o fator principal que motivou esta classificação, a médica apontou alguns, de forma genérica, citando o manual da DGS: o distanciamento entre pessoas, a disposição e organização das salas, a organização das pessoas por coortes — grupo organizado de pessoas que partilham caraterísticas, atividades e eventos comuns —, a organização estrutural do estabelecimento, nomeadamente corredores e circuitos de circulação, a ventilação dos espaços e o período entre o início de sintomas e a identificação do caso suspeito.
No entanto, a responsável não revelou quais foram os pontos fulcrais que levaram à tomada de decisão, mesmo depois de o Observador ter questionado novamente a ARS de Lisboa e Vale do Tejo sobre quais as causas específicas que a motivaram. Esta entidade recusou falar sobre o caso da Escola Alemã em específico, dizendo apenas que a “avaliação é sempre feita caso a caso”. A única informação que é conhecida foi fornecida pela ministra da Saúde, na conferência de imprensa de dia 11 de setembro: “O risco associado a esta situação decorria da forma como as próprias atividades estavam organizadas em que muitas crianças tinham aulas que eram partilhadas e isso levou a um aumento de risco”
O Observador questionou o Ministério da Educação sobre se esta decisão está de acordo com a mensagem de tranquilidade que quer passar às escolas, pais e alunos. Fonte do Ministério respondeu apenas que não tem tutela sobre a escola em causa.
Quando é que os encarregados de educação foram informados?
Por volta da uma da manhã de domingo, todas as famílias dos alunos do ano em causa receberam um email da escola a informar que havia “um caso positivo e um caso suspeito de Covid-19 no 8.º ano”. No email a que o Observador teve acesso, a escola explicava que já tinha falado com as duas famílias — a do caso confirmado e a do caso suspeito. E avisava ainda o SNS ia entrar em contacto com cada um dos pais para “acompanhar o caso e avaliar quais os próximos passos a seguir”.
Quem está a ser testado?
Todos os alunos que foram mandados para casa estão a ser testados. O primeiro, logo na segunda-feira, foi o caso suspeito cujo resultado acabaria por dar negativo. Depois de testados e de recebidos os resultados, são os pais que, voluntariamente, informam a escola. Este é um processo feito entre autoridades de saúde e os alunos, razão pela qual a escola não sabe quantos alunos já foram testados e quantos estarão ainda por testar.
O Observador apurou que, até esta sexta-feira, nem todas as famílias tinham sido ainda contactadas pelas autoridades de saúde. Questionada sobre quantos alunos já foram testados, quantos falta testar e se há mais casos positivos além do caso já confirmado, a ARS também não respondeu.
Já houve mais algum caso detetado?
Não. Até ao momento ainda não há mais nenhum caso além do paciente zero, segundo é do conhecimento da escola. Todos os resultados que foram transmitidos à escola pelos pais eram negativos.
Como é que os alunos em quarentena têm aulas?
Durante esta semana, os alunos em quarentena vão ter ensino à distância, segundo informou a escola no email enviado aos pais.
E os alunos das restantes turmas?
As outras turmas continuam a ter aulas normalmente. Aliás, a escola explicou aos pais que “por decisão do delegado de saúde”, os alunos com irmãos no ano escolar do caso confirmado “podem continuar a frequentar a escola” e que “o mesmo é válido para outros contactos indiretos”. À exceção, claro, dos irmãos do caso confirmado e do caso suspeito, que ficaram em quarentena por serem contactos diretos.
Quando é que os alunos em quarentena podem voltar à escola?
Os alunos que tiverem o resultado negativo e não apresentarem sintomas da doenças poderão voltar à escola no dia 17 de setembro — 14 dias depois do contacto inicial com o aluno infetado.
Este é o primeiro caso que a escola teve?
Não. Um dia antes do arranque do ano letivo, a escola recebeu o resultado dos testes feitos na semana anterior a todos os funcionários e colaboradores externos. Um deles chegou positivo. É um funcionário de uma empresa externa que “já estava em casa aquando da reabertura da escola e nunca teve qualquer contacto com alunos“. Ainda assim, também neste caso, a escola contactou a delegada de saúde que, após feito o rastreamento de contactos, decidiu que cinco pessoas — quatro funcionários dessa empresa externa e um trabalhador da escola — deviam ficar de quarentena preventiva.