Quase metade (48%) dos professores nas escolas públicas portuguesas preveem que os alunos vão precisar de dois ou mais períodos letivos para recuperarem as aprendizagens perdidas durante os confinamentos impostos pela pandemia. Esta é uma das conclusões do estudo “Ensino e aprendizagem à distância em Portugal durante a pandemia de covid-19: diferenças entre escolas públicas e escolas privadas”, do Observatório Social da Fundação La Caixa e levado a cabo por investigadores da Universidade Nova de Lisboa.
Os docentes do ensino privado parecem estar mais otimistas que os seus colegas do público: só 36% indicaram que os alunos vão precisar de dois ou mais períodos para recuperarem os conhecimentos que a covid-19 atrasou. No entanto, há mais professores do ensino público do que do privado a apontarem que um período letivo será suficiente (23% vs. 32%), e a percentagem de docentes que aponta para um tempo de recuperação de apenas seis semanas é igual nos dois casos: 14%. Além disso, 15% dos docentes nas escolas públicas dizem que não vai ser necessário qualquer tempo de recuperação, contra 18% nos privados.
Esta parte do inquérito foi realizada durante o segundo período – ou seja, ainda antes do segundo confinamento. “As estimativas dos professores quanto ao tempo de recuperação provavelmente aumentaram desde então”, refere o relatório, e aqui o fator tempo é essencial: “Ainda não temos uma perspetiva completa dos danos na aprendizagem a nível nacional porque as provas de aferição feitas em janeiro deste ano [também] foram atropeladas pela pandemia”, aponta ao Expresso Pedro Freitas, um dos autores do estudo. Segundo o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), várias escolas nacionais não conseguiram realizar as provas de aferição devido a encerramentos e outros constrangimentos sanitários, e por isso o especialista reforça: “Precisamos de mais informação para perceber quanto tempo vai demorar a recuperação das aprendizagens, e sobretudo quantos alunos foram afetados e como”, acrescenta.
Uma coisa é certa: independentemente do detalhe dos dados atuais, o Ministério da Educação devia ter aproveitado o verão para atuar. Não o fez: “Agora já é tarde, mas o Governo não devia ter desperdiçado o verão”, lamenta Pedro Freitas, que fez parte do grupo de investigadores que em março apresentou ao Executivo uma proposta para resgatar o ensino do impacto pandémico. A proposta assentava em duas ideias: escolas de verão durante quatro semanas para alunos do 1.º e 2.º ciclos, cinco horas por semana, combinando atividades lúdicas e recuperação de aprendizagens; e a introdução de programas de tutoria a Língua Portuguesa e a Matemática, com duas aulas por semana integradas no horário escolar, duração entre 30 minutos e uma hora, para grupos de três a cinco alunos do ensino básico, durante pelo menos 12 semanas.
“Entretanto foram avançadas ideias semelhantes, como o verão de porta aberta, para que os alunos pudessem voluntariamente participar em programas de recuperação nas próprias escolas. Defendemos isso”, garante, lembrando que várias autarquias e IPSS do país já estão a pôr em prática modelos similares – mas apenas a nível local, e não em coordenação com a tutela.
PLANO DO GOVERNO PRECISA DE MAIS DETALHES
O Ministério da Educação não aproveitou o verão, mas lançou no mês passado o Plano Escola+ 21/23: um modelo “com vista à recuperação das aprendizagens” para “garantir que ninguém fica para trás”, assente no reforço da autonomia das escolas, e que procura promover o sucesso escolar e combater as desigualdades no ensino. O plano está dividido em eixos e apresenta várias ideias: uma maior aposta na literacia digital, na leitura e no uso de recursos digitais; ou a ampliação da autonomia curricular e o “reforço extraordinário de docentes” e de outros profissionais de apoio ao ensino – entre outras propostas.
“O programa tem muitas medidas, mas muitas delas são gerais, transversais ao ensino, e já estavam a ser aplicadas antes da pandemia. Isso tem a vantagem de garantir autonomia às escolas e aos alunos, mas tem uma desvantagem: torna o plano disperso”, analisa Pedro Freitas, que pede mais “foco”: “Seria bom deixar claro o que são medidas de recuperação [da pandemia] e o que são medidas genéricas. Ou seja, definir claramente o que é recuperação de aprendizagens. E sobretudo responder a esta pergunta: este plano pretende chegar a quantos alunos?”, pergunta o especialista.
Pedro Freitas dá o exemplo das tutorias, uma ideia presente no plano do Governo: “É algo que precisa de gente para ser posto em prática, os tutores têm de ser contratados. Ora, o número de pessoas a contratar depende sempre do número de alunos que necessitam deste apoio, e estes pontos não estão detalhados no documento”, avisa, lembrando que a proposta que o grupo de investigadores fez em março apresentava esses detalhes, quer no plano das escolas de verão, quer no plano de tutorias: não só expunha quantos alunos cada medida podia atingir em diversos cenários, como orçamentava ao pormenor as medidas nesses diversos cenários.
O Ministério da Educação não foi tão longe, mas mesmo assim traz boas ideias: o método “Avançar recuperando”, por exemplo, pressupõe o reforço das medidas de “apoio individualizado” como as tutorias: “Numa turma de sétimo ano, há alunos a quem faltam conteúdos do sexto ano. Podemos ter uma abordagem de mediação, parando até que as aprendizagens do sexto sejam apreendidas, ou de aceleração, que significa continuar a dar a matéria do sétimo ano e ao mesmo tempo garantir apoio individualizado para recuperar a matéria do ano anterior. Já há alguma evidência em estudos norte-americanos que mostra que a aceleração é benéfica, mas apenas se houver o tal apoio específico”, explica Pedro Freitas.
Mais uma vez, há o problema da (falta de) informação. Mas Pedro Freitas insiste: o plano tem um orçamento total de mais de 900 milhões de euros e por isso “deveria dizer que tem recursos para x alunos, e adiantar de que formas seria ajustado se for preciso chegar a mais gente.” “Em setembro tem de haver um melhor diagnóstico da situação, para que os recursos possam ser distribuídos e o plano possa ir sendo adaptado”, acrescenta. Pede também que periodicamente sejam divulgados indicadores sobre a execução do plano governativo nas escolas “para perceber como o sistema está a evoluir” – e o despacho do Governo já prevê isso mesmo.
Questionado pelo Expresso sobre a quantos alunos é suposto o atual plano chegar, o Ministério da Educação relembra: o Escola+ 21/23 assenta no princípio da autonomia das escolas, e por isso cabe a cada uma delas decidir quantos alunos necessitam de ajuda e de que formas específicas essa ajuda deve ser prestada tendo em conta as diretrizes conhecidas.