Início Editorial Quando o Burnout toma conta de nós – Um testemunho real

Quando o Burnout toma conta de nós – Um testemunho real

5412
0

O testemunho que vai ler chegou-nos ao blogue como se de um grito se tratasse. Um grito de desespero de quem tentou, tentou até que as forças sumiram. Logo depois foi invadida pelo stress profissional, Burnout. O burnout é uma perturbação psicológica causada pelo stress excessivo devido a uma sobrecarga ou excesso de trabalho. A palavra Burnout  vem do inglês e significa “queimar até ao fim”.  Trata-se, portanto, de um esgotamento físico e mental decorrente de uma vida profissional desgastante e sobrecarregada, que incapacita o indivíduo de desempenhar tarefas quotidianas tais como trabalhar. Podemos dizer que o Burnout é uma resposta complexa ao stress profissional prolongado ou crónico.

Quantos de nós já não se sentiram próximos do burnout? Podemos continuar a olhar para o lado e ignorar, apenas porque não é connosco?

Um testemunho real que nos deixa a refletir e que deveria chegar a quem de direito, ainda para mais agora que perceberam que sem as escolas o país colapsa!

Equipa do VozProf


Rejeitei duas colocações, em anos anteriores, e começo a arrepender-me de não ter denunciado o contrato da minha atual colocação (estou de baixa, em “Burnout”).

Estou na Escola ********** e os alunos que frequentam esta escola são, maioritariamente, oriundos de bairros sociais das proximidades.

Tinha trinta dias para experimentar e considerei ser capaz de lidar com a situação da escola. Por isso continuei. Mas o trabalho é enorme. Existe muita burocracia. Os alunos são alvo de processos disciplinares, diariamente, e nós, professores temos que preencher 400 modelos por dia, por cada aluno.

Tratam-nos por tu, levantam-se e dirigem-se a nós…

Ontem, foi a gota de água. Trabalho de manhã, a dar aulas, e não tive uma única pausa para relaxar entre elas, desde setembro. Muitas vezes, quando saio da sala de aula e chego à sala dos professores, toca para a entrada. Lá vou eu. Não tenho tempo para descansar (muitas cadeiras foram retiradas da sala dos professores, devido ao Covid-19). Não me sento, não como e nem tenho tempo de ir à casa de banho. Algumas vezes, tive de o fazer, mesmo depois do toque. Já não aguentava mais (estar em jejum).

Alguns alunos são de etnia cigana e só vão às aulas para desestabilizar. Faltam muito e têm faltas de comportamento e de material.

Entram nas salas de aulas que lhes não pertencem (porque as portas estão abertas) e fazem o que querem. Tenho que chamar o auxiliar/direção…

Andam sem máscara, o tempo todo. E passo a vida a dizer “Põe a máscara, tapa o nariz.” Brincam com o desinfetante disponível em cada sala de aula e espaço escolar. Cospem para o chão, não respeitam as setas, colocadas no chão para circulação. Andam à pancada e rebolam no chão. Falam para a cara uns dos outros, sem máscara, andam em ajuntamentos… Quando os advirto, ainda me respondem mal e dizem: “Eu não tenho covid!” Tudo normal, portanto…

Não sabem estar numa sala de aula: dançam, cantam, fazem batuques na secretária, riem-se, falam alto (os outros riem-se). Peço-lhes para saírem, recusam-se. Telefonamos às mães, são iguais aos filhos.

Ontem, cheguei atrasada a uma aula e expliquei que sou diretora de turma da turma com quem tenho aula antes e, que, por isso, é preciso falar de muitos assuntos, e, quando toca para a saída, alguns alunos vêm-me colocar questões e, daí, o meu atraso.

Entrei na sala de aula e pedi desculpa pelo atraso dizendo, na brincadeira, que não tinha estado a comer tostas mistas. Isto porque, naquela escola, existe o hábito de os alunos chegarem atrasados às aulas porque vão ao bar pedir tostas mistas, o que demora algum tempo a fazer e a comer. Um aluno cigano (muito pequeno e magrinho, do 5º ano, com dez anos) começou a dirigir-se a mim: “Tás a falar de mim pra quê?”. Pedi-lhe para não me tratar por tu e que não estava a falar dele, em específico. Apenas expliquei que alguns alunos o fazem, abusivamente. Nunca mencionei o nome dele ou me dirigi a ele. Começou a levantar-se e a dirigir-se a mim, tirou a máscara e começou aos gritos. Foi aí que me passei. Gritei com ele e disse-lhe para ir tratar “por tu” as pessoas da família dele e os seus amigos, não os professores. Enquanto se dirigia para a porta, continuava a ofender-me. Gritei com ele (e só me apeteceu esbofeteá-lo). Bati com a porta. Ele continuava lá fora, a injuriar-me. Os auxiliares vieram e telefonei para a direção. Foi um caos.

Já não dei a aula como deve ser. Fiquei transtornada. Odeio faltas de educação.

No final da aula, fui à direção e disse tudo o que tinha a dizer ao diretor: “Estou cansada; estou farta; estes alunos deviam de ser proibidos de ir à escola. Perturbam todo o normal funcionamento da mesma. São um terror, dentro e fora das salas de aula. Há participações de professores, de auxiliares de alunos… Eu, como diretora de turma, não aguento tanta papelada, tanta burocracia, porque eles se portam mal. Não tenho intervalos/pausas porque estou sempre a ser solicitada com problemas e coisas que tenho que fazer. Chego a casa, almoço à pressa (comida já preparada ou num café) e vou para o computador fazer sumários, registar faltas, registar comportamentos, fazer referenciações para as técnicas de apoio, ler e-mails, fazer listas que me são solicitadas, ler legislação, ler regulamentos, ler informações de outros diretores de turma…

Na 4ª feira passada, ainda tinha testes para fazer, depois de fazer uma série de documentos para dois alunos (um casal) que vai ser suspenso (foram doze anexos que enviei para a reprografia). Ainda comecei a fazer um teste, mas já eram 21:45h. Não aguentei. Fechei o computador.

Levanto-me às 06:30h, todos os dias. Durmo, em média quatro horas por dia e trabalho até à exaustão, incluindo fins de semana. Não temos direitos, só deveres. A minha cabeça não consegue desligar, estou sempre a pensar em trabalho. E, qualquer dia, o ordenado mínimo apanha-me. Ganho pouco mais de 1000€.

Tenho ataques de ansiedade (estou a ser medicada e a fazer terapia e técnicas de relaxamento).

Se soubesse que iria ser assim, teria denunciado o contrato até 30 de Setembro. Mas os casos difíceis vieram depois (estiveram em quarentena).

Acredito que muitos alunos estejam infetados, pois o comportamento nos bairros deles é de total desrespeito e nós estamos a menos de um metro de distância deles, em algumas salas.

Gosto da escola, do ambiente (colegas e direção) e tenho pena de alguns alunos que são interessados e ficam prejudicados (há muitos professores de baixa).

(Falta a parte em que uma aluna me ameaçou com as suas “unhacas”; a parte em que uma aluna me ameaçou (telefonando a alguém) porque a repreendi, no bar, por falar agressivamente e com maus modos para a funcionária; a parte em que um aluno tossiu, propositadamente, nas minhas costas, quando eu estava a escrever no quadro; quando um aluno disse, quando eu estava a caminhar para a aula: “Olha a defunta!” e todos se riram; falta a parte em que alguns alunos (ciganos) se deitaram em cima das mesas, em plena aula; falta a parte em que um aluno me disse, no recreio: “Olha a maldição da DT!”; falta a parte em que eu repreendi um aluno e ele me respondeu: “Quem és tu?”

Isto, só este ano letivo, e estamos no início de Novembro…)

Cumprimentos.

Ana **** **** ****