No momento em que quase todos os partidos já divulgaram os seus programas eleitorais – à exceção do PS, que divulga durante esta tarde, e o PAN, que deverá dar a conhecer as suas propostas nos próximos dias – é possível traçar um mapa das intenções políticas para cada setor. No que diz respeito à educação, o DN ouviu professores que, para além de interessados nas suas causas, conhecem os sistemas por dentro. “Quer o Rui Tavares, quer a Inês de Sousa Real, na esperança de serem agradáveis ao PS, esperam pela posição do PS, e este não quer romper, abertamente, desde já, com o que foi feito até agora”, afirma o professor de história do segundo ciclo Paulo Guinote, sobre os líderes do Livre e do PAN, respetivamente, e a sua perspetiva quanto ao calendário para a reposição do tempo de serviço dos professores, que, dizem, dependerá do relatório que será produzido pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO).
“A UTAO não fez o estudo até agora porque não quis, porque não quis envolver-se no debate político e não quis fornecer dados que o Ministério [da Educação] tem em seu poder, seja no IGEP [Inspeção-Geral do Ensino Particular], seja na DGAE [Direção-Geral da Administração Escolar], porque todos os meses são processados salários e o Ministério tem na sua posse os elementos mais do que suficientes para fazer um estudo num par de semanas”, continua Paulo Guinote, acrescentando que “o estudo da UTAO não foi feito por questões de oportunismo político”.
“Em segundo lugar, quer o PS, quer o PAN, quer o LIVRE, que me parece uma espécie de geringonça, uma neo-geringonça, optaram pela mesma posição, que é esperar pelo estudo da UTAO para definir uma posição”, defende Paulo Guinote, lembrando que “Pedro Nuno Santos, antes disso, já disse tudo e mais alguma coisa acerca desta questão. Ou seja, ele já garantiu que o tempo seria recuperado, depois começou a hesitar, depois voltou a dizer que sim e agora voltou a hesitar. Digamos que a posição do LIVRE e do PAN a mim não me influi muito, eles apenas estão à espera da posição do PS”, remata.
Quando se fala de reposição do tempo de serviço dos professores, fala-se de um questão de “justiça elementar que tem sido responsável por perdas de milhares de milhões de euros, porque as pessoas sabem fazer as contas quando vão à padaria e ao supermercado”, destacou ao DN o professor Manuel Santana Castilho, quando questionado sobre o tema levantado no debate. “E o [primeiro-ministro] António Costa sabe fazer as contas relativamente àquilo que lhe interessa. Mas não sabem fazer as contas aos prejuízos que não são imediatamente traduzíveis em euros”, continua o académico, que não poupa em críticas ao atual Governo no que diz respeito à educação.
Ao encontro das pretensões dos professores, algumas forças políticas já assumiram que pretendem, num prazo de quatro anos, a reposição integral do tempo de serviço, seja ou não realista e sem esperarem pela UTAO. Porém, esta é apenas uma das medidas que está em cima da mesa.
“Se há falta de professores, como é que o ensino privado, que paga em regra pior, vai conseguir ter professores ou educadores para essas crianças que afluiriam teoricamente às suas instituições, a menos que passassem a recrutar um bocado de forma ad-hoc”, questiona Paulo Guinote, de forma retórica. “A menos que, de repente, eles começassem a pagar melhor e a dar melhores condições de trabalho a essas pessoas. Caso contrário, apenas o que existe é, volto a dizer, uma promessa ilusória que deslocará verbas, eventualmente do Ministério da Educação, para algumas famílias, mas que em muitos casos, e provavelmente nos casos de maior necessidade, terão que voltar ao ensino público”, defende.
Centrando o tema da educação em torno dos professores, um dos problemas identificados é precisamente os baixos salários no setor. “A questão salarial da carreira depende da carga fiscal, ou seja, formalmente os professores até podem ter salários brutos muito atrativos, aparentemente atrativos, mas depois a carga fiscal é brutal”, sublinha Paulo Guinote, propondo, por exemplo, que haja deduções em sede de IRS no que diz respeito a alojamento, no caso dos professores deslocados, e combustível.
Sem acompanhar a proposta de Paulo Guinote, Santana Castilho prefere destacar a importância de aumentar salários. Para professores e não só. “Os professores ganham mal, é óbvio, mas não são só os professores que ganham mal. Ganham mal os médicos. Os portugueses ganham genericamente mal e temos um fenómeno que futuramente vai ser dramático, que é a aproximação do salário médio em Portugal do salário mínimo”, defende Santana Castilho. “Portanto, nós estamos tendencialmente a caminhar para empobrecer em vez de enriquecer e de nos aproximarmos da Europa”, considera. Mas o problema é mais vasto, continua o professor. “A exigência de formação inicial dos professores tem-se degradado ao longo dos anos de uma maneira absolutamente insustentável. Era preciso uma intervenção profunda aí. A independência científica, intelectual e profissional dos professores foi completamente arrasada”, defende, acrescentando que este problema é agravado ainda por uma “decantada carga burocrática”. Porém, a cereja no topo do bolo dos problemas, destaca Santana Castilho, é “um problema gravíssimo de indisciplina, que obriga os professores a passarem a maior parte do seu tempo a tentar que a aula funcione. Nada disto é reconhecido pelo Ministério.”
No que diz respeito ao setor da educação, Santana Castilho propõe também que se eleve “a educação a prioridade política”. “A revisão da lei de bases do sistema educativo é imperiosa. Está ultrapassada, está datada e precisávamos de a rever. É preciso universalizar todo o pré-escolar até a entrada no básico. É inadiável que qualquer governo que se queira distinguir dos anteriores proceda a uma reformulação integral do plano de estudo do ensino obrigatório e naturalmente de todos os conteúdos”, recomenda. Por fim, lembra que “o acompanhamento das crianças enquanto os pais trabalham é um problema social atual. Infelizmente, quando os discursos anteriores eram no sentido de que queríamos ganhar mais e trabalhar menos. Aquilo que vemos é que ganhamos menos e cada vez precisamos de trabalhar mais. Mas as desgraçadas das crianças chegam a passar 10 horas por dia na escola. Isto é um crime, é preciso pôr cobro a isto”, conclui.