É uma das novidades contemplada na proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano e há muito reivindicada pelos professores. Mas, apesar de ainda se saber pouco sobre a forma como vão funcionar os apoios às rendas que o Governo vai atribuir aos docentes colocados em escolas longe da residência e que gastem em alojamento mais de 35% do seu rendimento, já há críticas sobre o que foi apresentado e muito ceticismo relativamente à eficácia da medida.
“Não acredito que vá ser eficaz”, diz o líder da Federação Nacional de Educação (FNE), Pedro Barreiros, explicando que na reunião que os sindicatos tiveram com o Ministério na véspera da apresentação do Orçamento do Estado nada foi concretizado sobre esta medida. Já o relatório do Orçamento conhecido na terça-feira apenas avança que o programa de Apoio à Renda já existente “será adaptado e operacionalizado para subsidiar professores colocados nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve, ou qualquer outra região, onde os custos da habitação são mais elevados”. O texto indica ainda como condição para este apoio que os professores estejam colocados numa escola a “mais de 70 quilómetros da sua área de residência” e que tenham “encargos com o alojamento superiores a uma taxa de esforço de 35%”, o que deve ser facilmente cumprido com os valores atuais do arrendamento.
Uma das questões que é para já colocada por Pedro Barreiros prende-se com o critério dos 70 quilómetros de distância da residência. “E se um professor morar a 69 km da escola onde foi colocado, já não tem apoio? E as distâncias também dependem muito das acessibilidades. Por outro lado, há uma contradição na mensagem do Ministério que diz ter reduzido as deslocações a que são sujeitos os professores dos quadros de zona pedagógica a um máximo de 50 quilómetros. Mas depois só apoia a partir de distâncias superiores.”
Para o dirigente sindical, o problema não se resolve com apoios que têm de ser pedidos e que colocam os professores numa “posição de dependência do Ministério da Educação, retirando dignidade ao exercício profissional”, mas por via de “salários que lhes permitam garantir a sua subsistência”.
O Expresso questionou o Ministério da Educação sobre a operacionalização deste apoio, mas não obteve resposta. Ao contrário do que acontece com outras medidas previstas no OE 2024, o seu impacto não é referido, nem em número de potenciais beneficiários, nem em valor orçamentado.
Ministério tinha 29 casas com rendas ‘acessíveis’ para docentes. Concorreram 388 e só 15 foram selecionados
Para o ceticismo do líder da FNE entram também em conta os resultados do único apoio concedido até agora pelo Ministério da Educação e que se traduziu na disponibilização de 29 casas para arrendamento “acessível”, em Lisboa e Portimão, para professores. Candidataram-se 388 e, destes, apenas 15 foram selecionados.
O Ministério também nunca explicou porque é que acabaram por não ser atribuídos todos os alojamentos, havendo tão poucas casas disponíveis e um número muito superior de candidatos. Mas o dirigente sindical apresenta algumas explicações possíveis. A começar pelo valor das tais rendas ‘acessíveis’, que em Lisboa oscilavam entre máximos de €600 e €1700 para um T0 a T5, respetivamente. “Se um professor receber pouco mais de €1000, é um valor impeditivo”, aponta.
Outro dos motivos para a pouca adesão tem a ver com a dificuldade do processo de candidatura ou ainda com o facto de os resultados do concurso terem sido conhecidos apenas no final de setembro, quando muitos professores já tinham sido colocados e já tinham arranjado outras casas.
Num momento em que se confirmam as previsões de aposentação de milhares de professores — só nos primeiros três meses do presente ano letivo serão mais de mil — as dificuldades das escolas para encontrarem docentes disponíveis para os substituírem, sobretudo se tal implicar mudar de residência, serão cada vez maiores.
E há ainda a incógnita relativa ao próximo ano letivo, quando os 8300 professores que entraram nos quadros através do novo mecanismo de vinculação dinâmica (quem já tinha cumprido o equivalente a três anos de tempo de serviço como contratado) tiverem de concorrer para escolas de todo o país e enfrentar a questão dos custos de alojamento. Nessa altura, já estarão em vigor estes subsídios. Resta saber se serão suficientes.
ORÇAMENTO CRESCE MAS NÃO SATISFAZ
Quanto à proposta de orçamento para a Educação, as contas do Governo apontam para um aumento de €394 milhões, o que representa uma subida de 5,7% face à execução estimada até ao final deste ano. No total, a despesa superará os €7300 milhões.
O valor não é despiciendo, mas os sindicatos queriam mais. Sobretudo porque as contas do Governo não contemplam a grande reivindicação que tem a ver com a contagem integral do tempo de serviço que foi congelado e não contabilizado (seis anos e seis meses).
A Fenprof reserva para esta sexta-feira uma análise às “respostas do Ministério da Educação para os problemas e decidir a luta a desenvolver face a um Governo que não anda, nem desanda”.
Já Pedro Barreiros, da FNE, considera que o Orçamento não apresenta uma única medida que veja como positiva — é preciso esperar para ver se os investimentos previstos nas escolas se concretizam — e considera que, nesse sentido, é uma “desilusão”.