Porventura, já olharam bem para o vosso recibo de vencimento deste mês?
Quando o vi pensei que, finalmente, os professores iriam passar a ser pagos decentemente… Entrementes, depois de uma segunda olhadela, voltei a assentar os pés terra e reparei que, infelizmente, no papelito digital estava acumulado o subsídio de férias. Evidentemente que o dinheiro na vida dos professores habita um mundo morto, vai definhando com a crescente perda de poder de compra.
A propósito, há quase 40 anos, quando Portugal e Espanha entraram na CEE (União Europeia), os salários dos professores dos dois países eram muito aproximados. Porém, é, na verdade, um tanto curioso que hoje em dia um professor no país vizinho ganhe cerca do dobro do seu congénere português. Isto é bem demonstrativo de que, por cá, os subsídios dados pela UE a fundo perdido, perderam-se sabe-se lá onde e por que bolsos, em vez de aproveitados para aumento salarial para melhorar as condições de vida das pessoas.
Se nos pagassem as imensas horas extraordinárias que fazemos e as ajudas de custo para deslocações e/ou alojamento – tal como fazem noutras profissões – certamente que nos habituaríamos a ver o valor que aparece neste mês de junho nos recibos do ano inteiro.
Tendo em conta que um estudo recente apurou que os professores trabalham, em média, mais de 46 horas por semana, onde está a remuneração das mais de onze horas semanais de trabalho extraordinário?
E se contarmos com visitas de estudo, correção de testes, provas de aferição e exames nacionais, projetos, acompanhamento a alunos, receção de pais fora de horas, resolução de problemas urgentes fora de horário, intervalos a trabalhar, trabalho organizativo e de planeamento, tempo de deslocação entre escolas, além das reuniões e muito mais, facilmente percebemos que ficam muitas horas extraordinárias por pagar.
Noutras profissões, as horas extraordinárias refletem-se nos recibos de vencimento que multiplicam o ordenado-base várias vezes. Com os professores nada disso existe, pois continuam a trabalhar de graça, a utilizar os seus recursos/materiais informáticos e didáticos e, muitas vezes, a financiar a escola com materiais pagos do seu próprio bolso. Temos estado a habituar muito mal o nosso patrão, na medida em que continuamos a cumprir as horas que nos exigem, independentemente do que está registado no denominado “horário semanal” que nos dão no início do ano letivo.
Se nos limitássemos a fazer apenas as horas que nos pagam, ao fim de pouco tempo as escolas paravam. Talvez, nesse momento, fossem obrigados a pagar o trabalho extraordinário que cumprimos para que as escolas pudessem funcionar.
Se este recibo de vencimento refletisse o salário mensal de um professor, hão de convir, seria da mais inteira justiça, em conformidade com o trabalho e responsabilidade exigidos e, mesmo assim, não repunha sequer os retroativos salariais de 12,5 anos de carreira que nos foram roubados (fonte: Paulo Guinote). Além de uma remuneração verdadeiramente merecida, seria da mais inteira justiça para uma classe sobrecarregada de trabalho (muito dele gratuito), subvalorizada, explorada, espoliada e mal paga.
Supondo, pois, que começando por aí, dava-se o primeiro de muitos passos necessários para atrair mais jovens para a profissão e evitar que muitos professores dela desistam.
Carlos Santos