Sobre o que é melhor, a escola pública ou privada, vou ser didáctica, espero, a pergunta aliás não me interessa muito confesso. A questão que me interessa é porque pagamos impostos obscenos e não temos educação de qualidade pública. Quem paga má educação no sector privado tem um problema, mas esse problema não é nosso, não merece um debate público. A nós, como cidadãos, interessa-nos debater a coisa pública.
Em média as escolas públicas são melhores do que a maior parte das escolas privadas. Nestas, privadas, não encontrarão um ensino melhor, mas super protecção, lanche sem lactose, estudo acompanhado e horários alargados.
Mas há um leque de escolas em Portugal, todas privadas, não mais de uma dúzia, que são realmente melhores do que as escolas públicas. Das muito boas, há meia dúzia onde o ensino religioso é norma, e 3 laicas que são excelentes, e depois há algumas internacionais boas. Não o digo pelos rankings: conheço programas, métodos de ensino, recrutamento de docentes. Algumas privadas no topo dos rankings não são melhores do que muitas públicas mais abaixo no ranking – porque o que oferecem é treinamento intensivo para exames, daí estarem bem nos rankings, exames que já de si são mal feitos ou padronizados. Digamos que os alunos ali são bons em algo mau, o exame. Um dos parâmetros da qualidade vê-se no facto de que algumas privadas no topo dos rankings deixaram de ter turmas de humanidades – como se fosse possível um país ter bons matemáticos sem bons filósofos. Ou estatísticos sem historiadores. Ou médicos sem sociólogos.
Este drama, da desvalorização das letras, atingiu também as públicas – os alunos são empurrados para as ciências e economia porque, pensam, terão emprego (o que no futuro não será verdade). E os melhores professores nas públicas escolhem as turmas de ciências. Ficando as turmas de letras em média com piores alunos e piores professores.
Os melhores professores, muitos deles que fazem um trabalho intelectual muito sério, estão em média no sector público por uma questão de quantidade. Mas no sector privado, em alguns (muito poucos) colégios, a quantidade de bons professores face aos maus é maior. Explico-me: em Portugal há mais professores bons no sector público, porque são mais. Mas em alguns colégios privados, volto a dizer, muito poucos, é mais difícil manter-se um professor medíocre. No ensino público e na maioria do sector privado podem ficar maus docentes durante anos e não sabem que não sabem.
Isto para quem chega ao 10º ano. Porque a larga maioria, embora vá para o 10º ano, é empurrado para o “ensino profissional”, para ser mais cedo proletarizado. Mesmo que continue a estudar fá-lo com baixa aquisição de conhecimentos. Gerações: há bons professores jovens, mas há melhores professores na geração mais velha em média, porque tiveram melhor formação. Pós-Bolonha é ainda mais dramático. Também os docentes são, em média, melhores nos anos mais avançados do secundário porque com a progressão da carreira pedem para ter essas turmas, onde há menos indisciplina.
Há excelentes professores no ensino primário, mas em média Portugal é digno de um estudo mundial, vai de muito mau a péssimo, a hipótese de encontrar-se aí um bom professor é mais reduzida do que no secundário. Contraste com a Alemanha, onde o professor primário está entre os mais bem pagos e respeitados.
O que tem feito a classe média que paga impostos? Paga em triplo. Paga os impostos para ter educação gratuita de qualidade – o que não tem. Paga então, depois dos impostos, bons colégios, ou paga explicações, ou paga universidades privadas e/ou no estrangeiro. Ou paga maus colégios privados – em vão. Ou salas de estudo, que são um massacre para os miúdos, deixando-os horas sentados, a aprender por tentativa/erro.
Um aluno genial pode entrar e sair da escola pública (a que me interessa debater) sem os pais pagarem explicações. Um bom aluno, empenhado, precisará de algo em torno de 200 a 400 euros mês de explicações individuais a partir do 10ª ano no ensino fundamental: português, física ou química, matemática, geometria descritiva e biologia.
Como vai ser daqui a uma década, se nada fizermos? Vai ser uma situação tipo Brasil – teremos analfabetismo funcional entre os docentes.
O que fazer? É preciso que a carreira de professor seja atraente, segura, digna, respeitada, bem paga, desde a primária até ao ensino superior. Não há outra forma.
Como deve ser a escola para todos? Ter excelentes professores que dominam a sua matéria, que dão aulas magistrais solenes de manhã, tão interessantes que os alunos aprendem muito em pouco tempo, sem precisarem de explicações; a tarde deve ser para desporto, fazer coisas com as mãos, fazer-saber (hortas, caminhadas, artesanato, tudo), ensino da música (todos devem aprender um instrumento), visitas de estudo, pelo país, artes, e muita brincadeira e espaço livre. E onde existem estas escolas? São as escolas onde as classes dirigente e intelectuais têm os seus filhos, uma parte aliás fora de Portugal. Querem-nos dirigentes sociais, políticos e científicos, e não proletários, submissos e ignorantes.
E é possível fazer este ensino de excelência para as massas? Ou a democracia é incompatível com a qualidade? É – mas levará tempo. E como vamos pagar isto no sector público? Pagando bancos e empresas privadas, cada vez mais dependente do Estado, não será possível. Há que fazer escolhas.
Raquel Varela