Tal como se estivesse numa sala de aula, Maria das Dores Dória fala, aponta para a câmara, circula pelo estúdio, volta à sua secretária onde tem o portátil ligado, a partir do qual vai projetando no quadro frases e imagens. No mesmo espaço, Paula Lourenço vai lendo o conto sobre o pássaro Bisnau, enquanto Maria das Dores chama a atenção para os versos e rimas, interpelando os alunos. Só que a cada pergunta lançada, não se vê um braço espetado no ar ou uma resposta atirada a medo. Apenas câmaras apontadas e silêncio. Dura dois, três segundos. E como se alguém respondesse, a educadora de infância do Agrupamento Fernando Casimiro, em Rio Maior, responde com uma palavra de incentivo. “Boa!”
Na passada quinta-feira, Maria das Dores gravava as primeiras ‘aulas’ da Hora da Leitura, no âmbito da iniciativa #estudoemcasa, uma telescola com várias adaptações — ao contrário do que acontecia nos anos 70 e 80, desta vez não faltam professores nem escolas, mas há um vírus que obriga a estarem fechadas — e que será transmitida todos os dias da semana, a partir de segunda-feira na RTP Memória, entre as 9h e as 17h50 (o pré-escolar terá conteúdos na RTP 2).
Apesar da estreia, garante que não se sentiu intimidada pelas luzes e pelas câmaras montadas num dos estúdios da RTP, em Lisboa. “Estar nas aulas é um pouco como estar num palco. E o faz de conta existe. Eu hoje não vi as câmaras, vi os meus meninos ali à frente. Foi um dia muito importante, em que me senti novamente na escola.”
65 AULAS POR SEMANA
As sessões começaram a ser gravadas há uma semana, de manhã à noite, por 112 professores de seis escolas públicas, duas privadas e da ciberescola, a que se juntam intérpretes de língua gestual portuguesa. São 65 blocos de meia hora por semana — 650 ao longo do 3º período —, sem teleponto e sem pausas. Se se erra, continua-se.
As escolas foram contactadas pelo Ministério e os diretores encontraram os professores disponíveis. “Em pouco mais de uma semana ficou tudo montado”, garante Eulália Alexandre, subdiretora-geral da Educação. “Sabíamos que havia alunos a quem teríamos de dar outra resposta que não a digital. Mas estas emissões, que vão ficar disponíveis na RTP Play, não substituem a ligação dos alunos à escola, aos professores e ao diretor de turma”, reforça.
Paula Lourenço, professora de Português do 2º ciclo e ex-aluna da telescola, é outro elemento da equipa que vai assegurar a Hora da Leitura. Estava há já três semanas sem sair praticamente de casa, quando recebeu o telefonema do seu diretor a perguntar se podia ser uma das protagonistas da iniciativa. “Disse logo: ‘É já!’ Pelos meus alunos faço tudo. Se for preciso enfrento o vírus”, diz, sem esconder a emoção quando fala nos seus “meninos”. “Senti que tinha de vir. Eles precisam de nos ouvir e de nos ver. Marco reuniões com eles por videoconferência e isso também me ajuda a aguentar. É difícil estar afastada tanto tempo.”
Lido o conto, é tempo de conferir se os alunos estiveram atentos e acertam nas palavras que faltam nos espaços em branco que aparecem no quadro. “Toda a gente preparada?”, pergunta Maria das Dores, antes de lançar o desafio para casa; escrever um diálogo entre os pássaros bisnaus. A despedida é feita com o já clássico apelo “não saiam de casa”. De seguida entra a professora de Físico-Química.