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“Parece que os alunos estão em pausa”

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Ainda há dias, bateram à porta do director do Agrupamento de Escolas Padre Bartolomeu de Gusmão, em Lisboa, dois alunos “em pânico” porque tinham estado em contacto com uma colega que tinha uma avó infectada. Jorge Nascimento descansou-os, disse que estavam a seguir as recomendações das autoridades de saúde e fez questão de ir falar com esta turma de 9.º ano para tranquilizar os alunos. O que viu preocupou-o. “É um bando de amorfos. Os miúdos não se mexem, estão aterrorizados. Miúdos que eu conheço há cinco, seis anos, que interpelam, que questionam… nada. Zero. Ninguém tem vontade de brincar”, diz o professor, que anda há mais de três décadas envolvido na direcção de escolas.

Jorge Nascimento vê-os apáticos. “As nossas interacções estão contaminadas. Há uma barreira. Perdeu-se a emotividade da expressão.” Os alunos, também eles, reconhecem que andam “mais tristes”. “Não podemos estar à vontade como estávamos antes. Já não se pode jogar à bola, não se pode jogar basquetebol”, diz Gonçalo Afonso, aluno do 12.º ano do curso profissional de Técnico de Vendas da Escola Básica e Secundária Josefa de Óbidos (a sede do agrupamento), na freguesia lisboeta de Campo de Ourique.

A pandemia empurrou-os para casa, para as aulas em frente a um ecrã. Privou-os das conversas, das saídas (e das asneiras) com os colegas e os amigos. Desligou-os e desorganizou-os. Além do desempenho escolar, a pandemia veio comprometer o desenvolvimento emocional e social dos estudantes. Mas ainda é cedo para saber o impacto real que terá.

“Parece que os miúdos estão a viver um intervalo. Isto não é o que era e não é o que vai ser. Parece que estão em pausa. Há aqui qualquer coisa que se desligou. Eles estão um bocado desligados, desorganizados”, observa Marta Correia, a psicóloga deste agrupamento, que tem 1700 alunos. “Houve uma ruptura completa com as rotinas. Os miúdos, todos nós, precisam das rotinas, das exigências, dos limites, das regras. Que vêm dos pais, mas também do social. Isso ajuda muito a crescer”, nota a psicóloga.

Quando as aulas recomeçaram em Setembro, correu tudo muito melhor do que aquilo que esperavam, assume o director. “Os miúdos têm feito muito bem o papel deles.” Para reduzir os cruzamentos entre os 1100 alunos, do 5.º ao 12.º ano, desta escola, desfasaram-se horários: as turmas a partir do oitavo ano passaram a ter horário à tarde, com aulas a terminarem às 18h30 — algo a que não estavam habituados. “Os miúdos estão sozinhos. A família está a trabalhar, os miúdos estão em auto-gestão”, repara a psicóloga.

Este era um regresso necessário para os alunos recuperarem a rotina que perderam, mas está longe da normalidade de um ano lectivo comum. “Continuam a vir à escola, fazem dois testes por período, têm a nota. Nós estamos a pedir-lhes que tenham um comportamento normal, quando não é nada normal o que se está a passar”, observa. Nos intervalos, perdeu-se a inocência e a frivolidade das conversas: “Está a discutir-se sempre as mesmas coisas. Este ou aquele está infectado… É cansativo viver isso todos os dias”, diz a psicóloga.

Se é evidente que a pandemia terá impacto no desenvolvimento emocional e social destes jovens, não é ainda possível perceber a extensão que poderá ter por estarmos ainda imersos nela, diz Marta Correia. Para a psicóloga e investigadora Margarida Gaspar de Matos, é também evidente que a pandemia terá impacto na saúde mental dos jovens e é imperativo estar desperto para isso. “Não queremos ter miúdos competentes escolarmente e completamente destroçados do ponto de vista socio-emocional. Sempre foi importante juntar a parte da aprendizagem com a parte socio-emocional. Agora, mais do que nunca, os miúdos têm de ser ouvidos e nós temos de os ajudar a dar sentido a este bocado da vida deles”, diz.

No caso dos adolescentes, exemplifica, há mais uma dificuldade “pela quantidade de eventos normativos da adolescência” que não tiveram: o baile e a viagem de finalistas, a festa de despedida de ciclo.“Os miúdos têm rituais e ninguém os teve no ano passado. Se nós nos estamos a habituar a outras coisas, eles estão um bocadinho sem referentes. Não estão a construir a cultura que nós tivemos.”

Na turma de Gonçalo, que tem 14 alunos, há pelo menos quatro que já estiveram infectados. As conversas andam, por isso, sempre à volta do mesmo tema. Os convívios não são possíveis com a regularidade dos tempos pré-pandemia. Os planos, antes feitos a longo prazo, passam a ser feitos dia a dia. “Nós já estamos a aprender a conviver de uma forma completamente diferente”, diz Íris Valente, de 19 anos.

No regresso às aulas online, os alunos dividem-se

Na discussão sobre se as aulas devem continuar a ser presenciais, a resposta dos alunos da Josefa de Óbidos parece ir nesse sentido: os mais novos querem a ir para escola, os mais velhos também, embora estes reconheçam que faça sentido fechar agora para baixar o número de infecções.

Agora, apesar de alguns professores, que davam as aulas de forma mais próxima, não o poderem fazer dessa forma, dizem que as aulas são mais produtivas. Também os professores ouvidos pelo PÚBLICO observam que para os alunos consolidarem os conhecimentos têm de ser mais acompanhados pelos professores. E tal é mais eficaz se feito presencialmente.

Por ali, alunos e professores vão estando atentos aos números. Se no primeiro período, ali na escola, houve poucos casos de infecção, após as férias de Natal começaram a aparecer com mais regularidade, o que os assusta “um bocadinho”, confessam os alunos do 6.º ano.

Na luta para debelar o SARS-CoV-2, o director, Jorge Nascimento, admite estar dividido sobre o encerramento das escolas: “Enquanto responsável por um agrupamento acho que não devem fechar. Mas enquanto cidadão não consigo explicar porque é que não fecham.”

 

Fonte: Público