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“Para manter as escolas abertas, tornou-se importante divulgar os dados sobre a pandemia” – Alexandre H. Cristo

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Se a pergunta do título fosse dirigida à situação em França, haveria uma resposta objectiva. Devido a casos de Covid-19 nas escolas francesas, a 4 de Setembro, contavam-se 22 estabelecimentos escolares encerrados. Uma semana depois, a 10 de Setembro, eram 32. E, nas últimas contas (18/09), havia 89 estabelecimentos escolares encerrados — ou seja, apenas 0,15% dos mais de 61 mil estabelecimentos da rede pública. E se a pergunta do título fosse destinada à situação no Reino Unido, haveria igualmente uma resposta concreta: cerca de 99,9% das escolas mantêm-se abertas. Mas os dados vão mais longe e explicam-nos que 900 escolas estatais (4% do total) não estão integralmente abertas (i.e. enviaram alunos ou turmas para quarentena doméstica) — um número que corresponde à contagem da semana passada e que quadruplicou a da semana anterior.

Primeiro, porque a informação parcial e de má qualidade gera uma percepção pública errada sobre o regresso ao ensino presencial. Neste caso, o melhor travão para os alarmismos corporativos e para os receios das famílias é mesmo disponibilizar informação oficial com transparência. Se partirmos da experiência de França e Reino Unido, os dados mostram que o encerramento de escolas foi residual e que é ainda muito baixo o número de situações onde surgiu a necessidade de quarentenas de alunos e turmas. Ao contrário do que levaria a crer o frenesim noticioso, que diariamente dá nota de encerramentos e turmas enviadas para casa, a situação nas escolas está (ainda) relativamente tranquila. A partilha dos dados por parte do Ministério da Educação teria, certamente, um efeito apaziguador.

Segundo, a partilha de informação sistematizada é parte indispensável da gestão da pandemia em contexto escolar. Sem essa recolha de dados, não é possível avaliar a situação actual das escolas e perceber a sua evolução, compará-la com os indicadores nacionais dos contágios, medir a eficácia dos protocolos sanitários em vigor nas escolas e, por fim, proceder aos ajustes necessários (sanitários ou educativos). E, claro, não se podem escrutinar as opções tomadas. Note-se que, em França, essa utilidade já se manifestou: face à experiência das primeiras semanas de aulas e aos dados obtidos, as autoridades francesas consideraram que o protocolo sanitário nas escolas tinha de ser revisto, nomeadamente em relação às quarentenas. Assim, perante um caso positivo numa turma, em vez de envio automático para casa dos alunos e do professor, a opção passará a ser de os manter na escola — a quarentena apenas será accionada quando existirem três casos na mesma turma. O objectivo das autoridades francesas é evidente: prevenir que as escolas encerrem desnecessariamente, ou que o ensino presencial seja interrompido para milhares de alunos de forma desproporcional.

Em Portugal, quando as quarentenas começarem a suceder-se, inviabilizando, na prática, o ensino presencial, também as orientações sanitárias serão revistas, seguindo o exemplo francês? Com que dados avaliará o Ministério da Educação essa possibilidade? E que informação terão as comunidades escolares (e a sociedade civil) para escrutinar a situação pandémica nas escolas? Nenhuma destas perguntas tem resposta. E esse grande vazio começa a ganhar forma de elefante na sala.

O Governo pediu ao país que o arranque do ano lectivo e o retomar do ensino presencial fossem abraçados com responsabilidade e serenidade por parte das famílias e dos profissionais da educação. Sim, essa mensagem está correcta. Mas contém também uma omissão que faz toda a diferença: se o Governo não comunicar com transparência e não confiar nas famílias e professores, o ambiente nas comunidades escolares será sempre de tensão, ansiedade, receios e desconfiança. Há uns meses, demorou-se muito a gerar o consenso social sobre a necessidade de reabrir as escolas para que as crianças voltassem a ser crianças. Agora, para manter as escolas abertas, tornou-se importante tratar os portugueses como adultos e, com transparência, divulgar os dados sobre o impacto da pandemia nas escolas. Era bom que, desta vez, o Governo não demorasse demasiado tempo para o entender.

Observador