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“Pais vão buscar os filhos à escola para estes poderem ir à casa de banho”

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Em janeiro de 2010, era Isabel Alçada ministra da Educação, 41 escolas encerraram devido ao mau tempo, apenas na zona Norte do país. A história tem-se repetido anos após ano e de Norte a Sul. Ao ponto de 13 anos depois, o mau tempo das últimas semanas ter voltado a mostrar as fragilidades dos estabelecimentos escolares, dos mais recentes aos mais antigos.

No início do ano letivo, em setembro, perante as queixas de pais, alunos e dirigentes escolares, o ministro da Educação, João Costa, anunciou, a requalificação de 450 escolas (até 2030), num investimento que deverá rondar os dois mil milhões de euros, em parte financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência. Entretanto, e “enquanto o dinheiro não chega” — dúvidas que aumentaram depois da demissão do primeiro-ministro António Costa –, são os diretores que põem as mãos na massa e vão resolvendo alguns problemas, deixando os danos estruturais em stand by.

É o que Arlindo Ferreira, diretor do Agrupamento de escolas Cego do Maio, Póvoa de Varzim, tem feito para manter as portas abertas. Contudo, a “boa vontade” não conseguiu evitar o encerramento do estabelecimento de ensino na sequência da passagem da depressão Aline, em outubro. “Na minha escola nunca tivemos obras a sério, vamos fazendo alguma manutenção com dinheiro nosso. Pintei as salas todas em agosto, mas foi com poucas verbas da escola e não com fundos comunitários”, explica ao DN. O dirigente aponta várias necessidades urgentes, como a mudança de caixilharia para tornar as salas mais quentes e diz estar à espera das verbas do PRR. “Para isso há projetos e candidaturas e vai demorar tempo. Só depois saberemos se vamos ter direito a essas obras. Não há garantias. Foram definidas as prioridades. A minha escola foi classificada como urgente, mas há muitas à frente consideradas como muito prioritárias”, avança. Arlindo Ferreira exemplifica a urgência do problema da falta de condições dos estabelecimentos escolares em Portugal com a realidade do concelho da Póvoa de Varzim. “Há algumas escolas sem grandes constrangimentos, mas há muitas mais a precisar de obras. Na Póvoa, temos sete escolas (secundárias e EB2/3), duas foram requalificadas, as outras ainda estão como sempre estiveram desde que foram construídas. Ou seja, mais de 50% de escolas que não foram requalificadas e mesmo as que não estão em más condições, não estão adaptadas às exigências dos novos edifícios públicos”, sublinha. Uma realidade, diz, que se repete de Norte a Sul do País.

Em Setúbal, os problemas estruturais dos edifícios da Escola Secundária Sebastião da Gama (ESSG), foram debatidos numa reunião realizada entre a vice-presidente da autarquia, Carla Guerreiro, e representantes da Parque Escolar, entidade do Estado tutelada pelo Ministério da Educação (ME). Problemas que, segundo Rui Moreira, presidente da Associação de Pais da ESSG, se arrastam “há anos”.

Obras mal planeadas e sem manutenção
A ESSG fechou duas vezes nas últimas semanas, totalizando quatro dias sem aulas, devido ao mau tempo, mas as intempéries apenas “puseram a nu problemas graves e estruturais com os quais os alunos e os pais lidam diariamente”. “Há coisas nesta escola inacreditáveis. O ano passado caiu uma janela em cima de uma aluna. A escola tem um pavilhão inutilizado há quase três anos porque o telhado está em risco de desabar. Chove na biblioteca desde o dia em que foi inaugurada, chove nas salas de aula e dentro do pavilhão novo. Há um esgoto a céu aberto na parte da frente da escola, há janelas que não abrem ou não fecham, há árvores podres a cair”, enumera Rui Moreira. O presidente da Associação de Pais da ESSG fala ainda em casas de banho inutilizadas e apenas uma sanita funcional para todos os alunos. Uma situação que se manteve ao longo de todo o ano letivo passado. “Havia alunos que ligavam aos pais para os irem buscar à escola para irem à casa de banho. Nos exames nacionais, em julho, não havia casa de banho a funcionar para todos os alunos. Toda a obra foi mal planeada e nunca houve manutenção”, conclui. O responsável afirma ainda que a escola paga “quase 15 mil euros mensais de renda à Parque Escolar” e diz não perceber “para onde vai o dinheiro e porque não é canalizado para as obras urgentes e necessárias”. Rui Moreira garante não se tratar de um problema circunscrito a Setúbal, mas “a nível nacional e na maioria das escolas da Parque Escolar”.

Câmaras municipais “herdaram monos”
Para entender o que se passa nas escolas a nível de infraestruturas, Luís Sottomaior Braga, especialista em Gestão e Administração escolar, explica a necessidade de analisar e de olhar para três realidades diferentes no nosso país. “Temos as escolas de 1.º ciclo, na sua maioria propriedade municipal e, normalmente bem tratadas pelas câmaras, com responsabilidade na manutenção e conservação. Depois, há as escolas da Parque Escolar, que já têm problemas por erros de conceção e de manutenção e, finalmente, as escolas construídas entre a década de 80 e 90, propriedade do Estado e que passaram para os municípios e foram entregues, na sua maioria, sem nunca terem tido obras e com problemas graves. Escolas que em mais de 40 anos de vida, nunca foram requalificadas”, explica. Luís Sottomaior Braga afirma que, quando foi feita a transferência de competências na área da Educação para câmaras municipais, estas herdaram “monos”.

Recorde-se que, numa fase inicial, o decreto atribuía às autarquias a responsabilidade pelas obras a realizar. Uma obrigação muito contestada, levando a um passo atrás do Governo que resultou na transferência de verbas para a realização de obras (20 mil euros por cada estabelecimento). Contudo, a responsabilidade pelas obras de maior dimensão acabou por ficar nas mãos do Governo. “São escolas que estiveram sempre na posse do Estado e, nessas, houve desinvestimento por causa das finanças públicas. São a maioria das escolas do país e muitas foram transferidas para os municípios sem obras e na premissa que depois se candidatariam a fundos comunitários. Ou seja, foram recebidas sem o compromisso do Estado em fazer obras. Entregaram monos aos municípios e os municípios não têm capacidade para fazer as obras necessárias”, sublinha Luís Sottomaior Braga.

Com a descentralização da área da educação, em 2019, o então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, adiantava haver 294 escolas do 2.º e 3.º ciclos e do ensino secundário a carecer de “obras de dimensão significativa”, o que representava um quarto do número total de estabelecimentos escolares (1167) transferidas para a gestão autárquica.

“O panorama nacional é muito mau. Há um problema com a municipalização, pois nem todos os municípios têm a mesma capacidade financeira e nem todos investem em educação de igual forma. Há câmaras que não se responsabilizam por problemas que já existiam e que, por isso, dizem que é o Estado que tem de os resolver. Há escolas em estado deplorável e a ironia é que são aquelas que estiveram na posse do Estado mais tempo”, assegura Luís Sottomaior Braga. O especialista em Gestão e Administração Escolar garante haver “muitas escolas para arranjar e pouco dinheiro para o fazer” e questiona “porque não se fez quando estavam no limiar de degradação”. “Criou-se um parque escolar que nunca foi bem mantido e as escolas estão em degradação acelerada porque os anos foram passando e os problemas agravam-se a cada dia. O país está cheio disto, de escolas em que durante anos o Estado não pregou lá um prego e se tornaram impossíveis de gerir. Os miúdos têm frio, chove nas salas de aula ou nos espaços comuns e as casas de banho não têm as condições mínimas a nível estrutural e de higiene”, conclui.

Escolas sem aquecimento
Filinto Lima, presidente da direção da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) admite alguns progressos nas condições das escolas “sobretudo nos últimos anos em que se passaram para a alçada das autarquias” e congratula-se pelo investimento em mais de 400 escolas, no âmbito do PRR. Contudo, pede o encurtamento do tempo para as obras dessas escolas, pois, relembra, “até 2030 ainda são muitos anos”. “Até lá, como ficam as escolas a precisar de obras urgentes? Sei que o dinheiro não cai do céu, mas o que nós pedimos é que este prazo seja encurtado. Há escolas com água a entrar e que se vão degradar ainda mais”, alerta. O presidente da ANDAEP pede ainda especial atenção numa altura em que o tempo frio está a chegar e existem muitas escolas sem aquecimento. “Não é admissível que um aluno ou um professor esteja na escola sem condições para aprender ou a trabalhar com frio. Até por questões de equidade. As escolas onde não há condições, não se pode usar a desculpa de falta de verba por parte da Tutela. As escolas precisam de verba suficiente para criar um ambiente confortável para a aprendizagem. Os responsáveis por essa situação, pelas verbas, têm de reverter este cenário porque não queremos voltar a ver imagens de alunos com mantas nas salas de aula”, conclui.

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