Confrontados com a decisão do Governo de encerrar as escolas até 9 de abril, muitos pais reclamam a isenção de pagamento ou, pelo menos, uma redução das mensalidades durante o período em que o encerramento vigorar. Em causa está sobretudo a frequência de bercários, creches e até ensino pré-escolar, onde o recurso ao ensino à distância pode não ser aplicável. Nestes casos, o serviço que foi contratado não está a ser cumprido. É esse o argumento dos pais. Os advogados ouvidos pelo Expresso dizem que há margem legal para a exigência de pagamentos parciais, sempre que haja uma quebra na prestação de serviços. Contudo, defendem a necessidade do Governo adotar, “com urgência”, medidas específicas para o sector.
Entre as muitas questões que têm estado a ser colocadas à redação do Expresso, desde o encerramento preventivo de escolas decretado pelo Governo, uma grande parte são de pais que perguntam se terão de continuar a pagar a mensalidade quando a escola está fechada. Está em causa, sobretudo, o cuidado a crianças com idade inferior a três anos (bercário e creche), onde o serviço que contratualizaram não está a ser cumprido já que o ensino à distância pode não se aplicar a estes grupos.
Os advogados alertam para o risco económico e social de uma opção desta natureza, seja para as instituições ou para os seus trabalhadores, embora reconheçam que há matéria para negociar com as escolas, pelo menos o pagamento parcial das mensalidades. “Tudo depende da possibilidade que as escolas tenham de continuar a assegurar o serviço que foi contratualizado”, explica o advogado da sociedade Vieira de Almeida (VdaA), Américo Oliveira Fragoso.
Nos casos em que, como está a suceder, as instituições consigam manter as atividades letivas ou algum tipo de apoio aos pais, está justificada a prestação do serviço. “O problema está nos restantes”, admite acrescentando que “não faz sentido, nos casos em que o serviço não está a ser assegurado, que não exista um ajustamento em concordância com ambas as partes”, explica Américo de Oliveira Fragoso.
Posição idêntica tem Pedro de Quitéria Faria, advogado coordenador da sociedade Antas da Cunha ECIJA, que admite que “podem começar a abrir-se portas para a realização de pagamentos parciais por parte dos pais”. Um ajuste de mensalidade que pode começar pela não cobrança dos valores da mensalidade correspondentes à alimentação, prolongamento de horário, atividades extra-currículares, mas que pode ir além disso.
Contudo, o advogado chama a atenção para os impactos da situação. “O encerramento da atividade escolar foi decretado, mas isso não significa que a escola esteja fisicamente encerrada. Há uma prática de não presentismo, mas não necessariamente uma suspensão dos profissionais, que continuam a trabalhar remotamente e a exercer as atividades que seja possível exercer, ou até a trabalhar presencialmente noutras funções”, explica para reforçar que as empresas continuam a pagar salários e a ter encargo com estes profissionais. Razão pela qual ambos os advogados consideram que é fundamental que o Governo adote regras claras e transparentes para os estabelecimentos de ensino que estão entre as “vítimas diretas” do Covid-19.
INSTITUIÇÕES ADMITEM AJUSTES NAS MENSALIDADES
Disso mesmo dão conta as instituições que, embora admitam ajustes nas mensalidades, lembram que o seu funcionamento tem de continuar a ser assegurado e que precisam de continuar a receber. Só assim se garante que, quando a crise passar, possam voltar a abrir as portas, avisam.
Entre os representantes do setor, há a noção de que à medida que a situação de suspensão de atividades presenciais se prolonga no tempo, serão cada vez mais os pais a colocar a questão do pagamento de mensalidades por serviços que, na melhor das hipóteses, apenas estão a ser parcialmente cumpridos.
“É certo que as instituição não estão a tomar conta das crianças e a mudar fraldas. Mas todos estamos a trabalhar e disponíveis para ajudar os pais, partilhando com eles atividades, esclarecimento de dúvidas e conselhos para orientar o seu dia-a-dia com as crianças. Há creches onde estão a ser feitos vídeos com exercícios de estimulação e desenvolvimento cognitivo para serem feitos em casa. É muito importante as crianças manterem algum tipo de contacto com as educadoras e isso pode ser assegurado através das várias plataformas de comunicação que existem”, exemplifica Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP).
Mas há ajustes que podem ser feitos, admite também Susana Batista. É que se há custos que qualquer estabelecimento de ensino continua a ter mesmo de portas fechadas, como é o caso do pagamento dos seus funcionários, no caso da alimentação, por exemplo, a presidente da ACPEEP admite que é de “bom senso” devolver ou não cobrar essa verba. Se a creche ou jardim de infância está a cobrar e a não prestar qualquer apoio, então os pais devem exigir esse serviço, lembra.
Também Lino Maia, presidente das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPPS), que gerem grande parte da oferta de creches, admite ajustamentos nas mensalidades que são cobradas aos pais em função dos seus rendimentos. “Apesar do encerramento, há custos fixos que se mantêm. Por isso deve continuar a haver a comparticipação do utente, ainda que seja compreensível avançar com um ajustamento no valor da mensalidade”, reconhece Lino Maia, acrescentando que haverá na quarta-feira uma reunião das instituições para debater esta questão e, possivelmente, emitir uma orientação neste sentido.
Mas será sempre necessário garantir que creches e jardins de infância continuem a receber dinheiro, sob pena de entrarem em rutura. “Os pais têm de pensar na subsistência da sua família, mas também das instituições. Temos de ter capacidade de arrancar quando esta crise acabar”, reforça Susana Batista.
É também esse o apelo deixado pelo secretário-geral da Associação de Estabelecimentos do Ensino Superior Particular e Cooperativo (AEEP), Rodrigo Queiroz e Melo. “Todos nós vamos precisar das creches abertas a seguir a tudo isto passar. Se todos deixarmos de pagar, parte vai ao fundo num instante”, avisa, lembrando que muitos destes estabelecimentos são negócios pequenos, com uma situação financeira frágil, que não resiste ao não pagamento de mensalidades por parte dos pais de um momento para outro. Por outro lado, sugere, há compensações que podem ser feitas posteriormente, por exemplo, em relação a serviços de apoio nas férias, como colónias ou atividades em agosto.
Mas o presidente da AEEP também acredita que vai ser necessária uma intervenção específica do Estado, já que a legislação relativa ao lay-off aprovada pelo Governo já para esta crise dificilmente se aplica a este sector e se o cenário se arrastar. “As creches não podem esperar três meses para ver se têm quebras de 40% face ao trimestre homólogo. Pode haver necessidade de o Estado ter um mecanismo de apoio ao pagamento de salários destes trabalhadores. Se não ajudar agora, pagará depois em subsídios de desemprego”, alerta Queiroz e Melo, reforçando o apelo: “A hora é de olhar para a coletividade e não para os interesses pessoais de cada um.”
Fonte: Expresso