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PÁGINA 5 – OS PROFESSORES – Luís Costa

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Como é óbvio, não é sobre a dimensão científica e pedagógica dos professores que este artigo versará, mas sobre a sua ação reivindicativa, analisada nas suas duas componentes fundamentais: o conteúdo e a forma. No meu entender, foram cometidos pecados capitais em ambos os domínios.
O conteúdo evoluiu, quantitativa e qualitativamente, em sentido inverso ao da forma. Enquanto esta se foi multiplicando, diversificando e até popularizando, no sentido do florescimento espontâneo e incontrolável das iniciativas das bases, aquele foi-se simplificando, afunilando, até atingir uma expressão minimalista, sem nunca fugir à gestão e ao controlo das organizações sindicais. A vertente pedagógica do caderno reivindicativo, mais evocada pelos docentes, naturalmente, foi cedendo palco às questões relacionadas com a carreira (vínculos, concursos, tempo de serviço, avaliação, etc.). Consequentemente, a luta dos professores foi perdendo dimensão e vínculo social. De fora, a perceção das nossas causas foi-se alterando, voltando aos velhos estereótipos. Apesar da simpatia que a sociedade, em geral, nutre pelos seus professores, tornou-se inevitável pensar que as nossas maiores preocupações, as nossas exigências “sine qua non”, afinal, não eram de foro pedagógico, mas essencialmente ligadas a questões de carreira, absolutamente legítimas e justas, pois claro, mas que os cidadãos tendem a ver como problema alheio (eles que se defendam). E acabam por se descomprometer.
O nosso caderno reivindicativo inicial, que, por uma questão de pragmatismo, posso resumir ao mote “EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA”, progressivamente, foi-se reduzindo, até a derradeira bandeira brandida pelos sindicatos, já em evidente desespero de causa; a da recuperação dos seis anos, seis meses e vinte três dias. Porém, até essa vimos cair (na peleja respeitante a este ano letivo), já num contexto em que o ministro da Educação em pleno controlo da situação, ao ponto de desprezar o quase suplicante apelo da FENPROF para uma reunião negocial, após aquele golpe de teatro de António Costa, na Régua, no dia 10 de junho. Encerramos o ano letivo e a maior ação de luta laboral de sempre no ensino com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. No imediato, apenas um trago de fé sebastianista: aquela que, primeiro, tivemos em Marcelo, relativamente ao diploma dos concursos e da vinculação dinâmica, e que, agora, recai em Rebelo de Sousa, consubstanciada num veto que impeça o “NÃO” do Governo à recuperação do tempo congelado. Como sempre, devemos esperar o habitual “SIM, mas” do Presidente.
As formas luta, como acima referi, seguiram o caminho da proliferação e da multiplicação, acabando mesmo por fugir ao controlo dos sindicatos, que, para além das tradicionais ações de greve, marchas, manifestações e até ações judiciais, mantiveram, como sempre, abertas as portas negociais com o ministro da Educação, que sempre soube que o tempo jogava a seu favor. Sempre soube que, se conseguisse controlar esta variável — ignorando o imenso palco reivindicativo dos professores e prolongando, até ao limite, as rondas negociais, com a abertura, aqui e ali, de pequenas nesgas de esperança, mas sem nunca se comprometer — conseguiria chegar a bom porto, vencendo pelo cansaço, quer dos professores, quer dos pais e encarregados de educação quer da sociedade em geral. Sempre soube que a aproximação do fim do ano letivo, das avaliações finais e dos exames nacionais jogaria a seu favor. Além disso, tinha o velho trunfo na manga: jogava com os serviços mínimos, sabendo de antemão que eram ilegais, mas absolutamente eficazes, no imediato, contra a luta dos docentes; contava com a histórica assertividade dos professores, nas suas formas de luta, e com o seu conhecido medo de ultrapassar as barreiras por ela impostas. Um sem limites e outros autolimitados. Com tamanha desproporção de “recursos”, o desfecho era facilmente previsível.
Ainda que parecendo imodesto — sobretudo aos olhos daqueles não me podem ver ¬— direi que o ponto culminante da luta que agora encerra para férias aconteceu nos três dias seguintes ao 25 de Abril (número e data simbólicos). Porém, não foi o simbolismo o mais importante nesse momento, mas a possibilidade, legítima e legitimada, de os professores desobedecerem, destrunfando o Governo, despojando o ministro da sua principal arma, retirando-lhe o garrote ilegal dos serviços mínimos. Era o golpe final no habitual golpe contra a democracia, contra a Constituição e contra os direitos laborais. Porém, os professores, ainda que cientes da ilegalidade dos serviços mínimos, não foram capazes de se libertar das suas amarras mentais, dos seus fantasmas, dos seus medos, das suas míseras e paradoxais conveniências individuais. E foi o descalabro, o início do fim desta longa jornada de luta, o ressurgir da arrogância, da prepotência, da intransigência e do desprezo negocial do ministro.
Do amplo corpo de professores e educadores, apenas uma pequeníssima percentagem subscreveu o abaixo-assinado libertador (cerca de 2%) e, destes, apenas uma quarentena (0,03%) desobedeceu efetivamente (curvo-me, novamente, diante destes). E foi o que se viu: um generosíssimo, um eloquentíssimo fiasco. Há quem diga que foi um tremendo fracasso meu, porque liderei esta iniciativa, mas permitam-me discordar. Foi um rotundo fracasso dos professores, a derrocada total das causas que nos moveram durante meses a fio (depois de tantos anos a fio). Foi o derrubamento dos nossos estandartes, os pedagógicos e os outros. Foi o desmoronar da nossa força reivindicativa, da nossa capacidade negocial e até da nossa credibilidade, enquanto ativistas. O que veio à superfície, o que ficou bem patente, a todas as retinas alheias, não direi, por pudor e por ser absolutamente redundante, de tão evidente que é.
Ficámos aquém do Bojador, porque não fomos capazes de “passar além da dor”.