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“Os professores não desertaram” – João Miguel Tavares

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Tirando o facto de não haver rumo, não haver planeamento e não haver liderança, está a correr tudo bem no combate à pandemia. Médicos e enfermeiros matam-se a trabalhar. Os professores não desertaram. E a ministra da Saúde está com ar de não dormir há dez meses. A produtividade, em Portugal, mede-se em profundidade de olheiras e em gotas de suor – e nisso somos espectaculares. Toda a gente se esforça imenso, e há quem nos diga, aliás, que não devemos criticar quem tanto se esforça. Basta que nos conformemos com a inexistência de rumo, de planeamento e de liderança.

Peço permissão para não me conformar. Há sempre milhares de razões para as coisas correrem mal numa pandemia, e há uma dimensão da tragédia que não pode, nem deve, ser assacada ao Governo. Mas convém não olhar para Janeiro de 2021 com a mesma complacência com que olhámos para Março de 2020. A estratégia da fezada, do “vamos fazer figas para que tudo corra bem”, pode ser uma filosofia bestial para optimistas irritantes, mas mostra rapidamente os seus limites diante de desafios gigantescos, como aquele que estamos a viver. Não dá para enfrentar pandemias com gestões habilidosas do dia-a-dia, quadros públicos depauperados, ministros fragilizados e gabinetes onde se empilham yes men, porque quem tem cabeça e ambição própria já não mete os pés na política.

O problema de um novo fecho das escolas a 22 de Janeiro de 2021, como se nada tivéssemos aprendido nos últimos dez meses, não está no fecho em si – está em tudo o que não foi feito para acautelar essa possibilidade, que sempre foi muito real. E poupem-me, por favor, à história da nova variante do vírus, a que o Governo se tem agarrado como se fosse a sua bóia de salvação no meio de uma tempestade de incompetência. O argumento da “variante inglesa” é igualzinho ao argumento trumpiano do “vírus chinês”. Serve única e exclusivamente para alijar responsabilidades.

Os meus quatro filhos começaram a ter aulas a sério no dia 21 de Setembro de 2020, mais de seis meses após o primeiro confinamento. As escolas não terem aberto em Maio, em Junho ou em Julho do ano passado já foi um gigantesco fiasco, como muitos em boa hora alertaram, mesmo sem frequentarem as reuniões do Infarmed. Ter iniciado este ano lectivo a meio (e, nalguns casos, quase no fim) de Setembro é totalmente inconcebível, porque o tempo de aulas ganho no Verão e no Outono poderia ter sido investido agora no fecho das escolas em Dezembro, Janeiro ou Fevereiro, que são aqueles meses em que ocorre uma coisa (penso que o Governo terá conhecimento disso) a que se chama “Inverno”.

Mais. O fecho das escolas por 15 dias, com a suspensão da actividade lectiva, serve apenas para uma coisa – para o Ministério da Educação preparar em duas semanas o que já deveria estar preparado há meio ano. Claro que os prometidos computadores nunca apareceram, que a escola digital é uma comédia e que quem se vai lixar é o eterno mexilhão – os miúdos mais pobres e sem uma sólida estrutura de apoio familiar.

Com o Governo novamente apanhado a ziguezaguear de calças na mão, lá vêm as desculpas de como é tão difícil prever estas coisas porque há epidemiologistas com opiniões para tudo. Claro que há epidemiologistas com opiniões para tudo – só me custa a conceber que ao fim de dez meses a ouvi-los ainda não tenha dado para perceber quais são os melhores de entre eles. Infelizmente, quando se confunde esforço com competência, também se confunde suor com inteligência.

Público