Na semana passada, a coordenadora da licenciatura em Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa mandou aos 383 estudantes do curso um e-mail taxativo: “Mensagens enviadas por pais de alunos não terão resposta.” O objetivo foi travar a interferência das famílias na vida académica dos jovens, que Marisa Torres da Silva garante ser cada vez maior. “Os contactos por parte de pais, que antes não existiam, estão a tornar-se comuns. Os exemplos sucedem-se. O pai de uma aluna mandou um e-mail a refilar por causa de uma nota. Outro queixou-se a todos os órgãos da faculdade porque a filha não tinha vaga numa disciplina opcional. Uma mãe escreveu a reclamar por não ter sido dada equivalência ao filho numa determinada cadeira”, enumera. Perante a multiplicação dos casos, a professora optou agora por impor limites à comunicação. “Sentimos necessidade de deixar claro que, por princípio, não respondemos a pais. Os alunos são maiores de idade e não devem ser infantilizados. Não alinhamos numa dinâmica que contribua para lhes retirar autonomia e maturidade.”
A situação repete-se noutras instituições de ensino superior. Luís António Santos, professor da Universidade do Minho, nota que a tendência acentuou-se, sobretudo, depois da pandemia. “Houve pais que entraram em contacto comigo porque estavam preocupados com o bem-estar dos filhos. A mãe de uma aluna queria saber se podíamos promover convívios para facilitar a construção de amizades entre os colegas de turma porque a filha não tinha amigos. Outros estão apreensivos com a empregabilidade e perguntam-nos que tipo de atividades devem incentivar os filhos a fazer para se tornarem mais distintivos e terem mais facilidade de conseguir um emprego no futuro”, exemplifica.
perpetua no tempo. Esta tendência, que resulta de um maior investimento afetivo nos filhos, vem de trás, mas está mais disseminada do que nunca”, diz a socióloga Lia Pappamikail, investigadora do Observatório Permanente da Juventude da Universidade de Lisboa. O envolvimento parental na vida escolar tem aumentado nas últimas décadas, à medida que cresceu a importância social atribuída às qualificações e que foi subindo a habilitação média dos pais. “As famílias, sobretudo as mais favorecidas, sentem uma grande ansiedade em relação ao futuro dos filhos. Querem dar-lhes todas as condições para que possam singrar, o que por vezes as leva a ultrapassar o que seria normal no que diz respeito à sua proteção, criando-se uma dependência recíproca, não apenas dos filhos em relação aos pais, mas também dos pais em relação aos filhos.”
O acompanhamento parental até idades cada vez mais tardias tem-se notado ao longo dos anos em diferentes indicadores. Por exemplo, dados do Censos 2021 revelam que 52% dos alunos até aos 18 anos vão para a escola à boleia dos pais, quando antes era comum irem sozinhos logo no 2º ciclo. E a idade média de saída de casa da família tem subido. Atualmente, mais de metade dos jovens (54,4%) até aos 34 anos vive com os progenitores e as razões não são apenas económicas, frisa a socióloga Maria João Valente Rosa. “A forma como vivemos a família é algo que culturalmente nos diferencia e que partilhamos com outros países da Europa do Sul”, explica.
À medida que diminuiu o número de filhos, aumentou muito o investimento emocional em cada criança e criou-se uma tendência para um “prolongamento da adolescência e um retardamento da entrada na vida adulta”, adianta Valente Rosa. E houve como que um recuo nas fases da vida. Se os 30 são os novos 20, os 20 são os novos 15. E a licenciatura — encurtada para três anos com o Processo de Bolonha — passou mentalmente a equivaler ao liceu. “A própria universidade começou a infantilizar os estudantes, uma vez que, apesar de terem mais de 18 anos, há um controlo permanente das presenças e, em muitos casos, a classificação final é afetada pelas faltas”, diz a socióloga Teresa Seabra.
Mas a infantilização torna os jovens menos autónomos e capazes de lidar com os desafios próprios do crescimento, alertam os especialistas. “Níveis exagerados de controlo parental traduzem-se, inevitavelmente, numa maior imaturidade, que os deixa menos preparados para lidar com a vida”, salienta o psiquiatra Daniel Sampaio, um dos precursores da Terapia Familiar em Portugal. E questiona: “Se não são treinados para tratar dos seus próprios assuntos, o que vai acontecer depois do curso? Vão levar os pais para o emprego?”
Expresso