https://rr.sapo.pt/especial/pais/2024/07/12/o-que-pensam-5-ex-ministros-da-educacao-sobre-rankings-a-informacao-e-importante-ordenar-escolas-nem-por-isso/386020/
“Já não morremos hoje.” Antes de a expressão americana tomar conta do mundo (“jinx”), era assim que se dizia quando duas pessoas repetiam a mesma frase, em sincronia. E o que dizer quando vários antigos ministros propõe testar uma hipótese da mesma forma, mesmo que a experiência não vá passar do papel?
Leve-se os alunos do colégio mais bem posicionado do país a frequentar a pública com pior classificação (quando avaliada apenas pelas notas dos exames). Os alunos dessa escola passam a vestir as fardas do colégio durante um ano, mas só isso muda. Os livros nas prateleiras continuam a ser os mesmos. As habilitações dos pais também. E os ordenados idem.
O resultado, mesmo que pareça violar a teoria da probabilidade, não é digno de Colombo: quem não se lembraria de achatar a casca deste ovo, pondo-o de pé? O colégio caia a pique na tabela, a escola pública florescia. Os professores e os métodos de ensino ficavam inalterados, mas a matéria prima, os alunos, seria completamente diferente.
A utilidade de rankings para tomar decisões políticas foi a pergunta de base para lançar a conversa com cinco antigos titulares da pasta da Educação. Com mais ou menos antipatia pelo Ranking das Escolas, todos assumem que ter informação é importante. Mais do que isso, é um direito legal aceder a essa informação e nunca nenhum Governo deveria tentar escondê-la. O que não gostam de ver é estabelecimentos de ensino ordenados de 1 a 600, numa tabela que ignora contextos sociais, e que uma leitura simplista leva apenas a dizer que A é melhor que B.
E é por isso que, mesmo sem terem combinado, três deles acabam a sugerir uma experimentação tão semelhante.
Um termómetro que tira a febre, mas que não diz qual é a infeção
E pode, ou não, o Rankings das Escolas ajudar um ministro a tomar decisões? “O ranking por si só, penso que não”, diz João Costa, o último titular da pasta antes dela passar para as mãos do atual ministro. “Ajudam certamente”, diz, em contrapartida, David Justino, que entre 2002 e 2004 integrou o Governo de Durão Barroso.
Embora as respostas comecem por parecer opostas, quando se avança na argumentação, deixam de estar tão afastadas. O Ministério da Educação, recorda João Costa, ao longo de muitos anos desenvolveu vários indicadores de desempenho do sistema, baseados nas notas, nas conclusões dos cursos e no abandono escolar. E esses dados interessam-lhe. “Tudo isso, em conjunto, são fontes de informação que ajudam no desenho das políticas públicas”, assume o antigo governante, que nunca escondeu a sua antipatia pela ordenação das escolas.
Ter informação para decidir é importante e isso nenhum dos antigos ministros nega, embora deixem vários alertas sobre a forma como ela depois é apresentada. “Quanto maior for a informação disponível sobre o nível de desempenho dos alunos e a qualidade das suas aprendizagens, mais facilmente podemos tomar medidas a nível macro, ou seja, através do ministério”, sublinha David Justino. E a informação serve ainda para as escolas se “orientarem em função dos resultados obtidos para tentarem melhorar e tentar aprender com aquilo que correu bem ou correu mal”.
Além de ser importante ter acesso à informação, Nuno Crato, ministro de Pedro Passos Coelho entre 2011 e 2015, fala do peso da legalidade. “Os rankings em si são um subproduto da divulgação de resultados das escolas. É essa divulgação que é importante, pois as escolas, professores, famílias, a sociedade, devem saber como estão os resultados dos alunos a evoluir. É um direito moral reconhecido na lei.”
O resumo do pensamento dominante é feito por Marçal Grilo: “Recolha-se a informação. Divulgue-se a informação. Trabalhe-se sobre a informação, mas não se queira fazer com isto esta ideia do 1, 2, 3, 4, 5, 6 como se fosse: primeiro ficou o Sporting, depois ficou o Benfica, depois ficou o Futebol Clube do Porto, depois o Sporting de Braga.”
Foi há quase 30 anos que Marçal Grilo comandou a Educação do país, quando António Guterres deu início ao seu primeiro mandato. Em 1995, a informação sobre as notas dos exames não era pública e só passaria a ser seis anos e três ministros mais tarde, já no segundo mandato do socialista. Para Marçal Grilo, a informação de base do Ranking das Escolas é “obviamente” muito importante para quem tem responsabilidades ao nível das políticas educativas. “Porquê? Porque permite ter uma visão de conjunto ao nível global, do país todo, e perceber onde é que há problemas, onde é que há dificuldades, onde é que há coisas que funcionam melhor do que outras. Toda esta informação é útil.”
Apesar disso, tal como outros antigos ministros, encontra limitações à ordenação das escolas. “O que é que os rankings não dão? Às vezes, há a ideia do ranking de que esta escola é melhor que a outra, que esta é a número 1, esta é a número 2, esta é a número 7, e o ano passado estava em quinto e agora passou para oitavo, e a outra era 20.ª e passou a 12.ª. Bem, isso é que verdadeiramente não é relevante.”
Irrelevâncias todos os antigos ministros ouvidos pela Renascença encontram no Ranking das Escolas, mas não as suficientes para defender que ele devesse simplesmente desaparecer.
“É um instrumento e como qualquer instrumento tem limitações, tem cuidados a ter na sua utilização e não se pode pensar que só pelo facto de se fazer uma ordenação das escolas se obtém a informação desejada, pretendida e necessária”, sublinha David Justino. “Se eu tiver um termómetro, ele não me diz qual é a doença, diz-me a temperatura, mas dá logo para saber se há uma infeção ou se não há uma infeção. O problema é saber onde é que está a infeção, onde é que está o problema, isso tem de ser com outros meios de diagnóstico e com outro tipo de intervenção, mas não posso mandar o termómetro fora.”
Falta trabalhar a Educação como um valor para toda a sociedade
Júlio Pedrosa tinha tomado posse há cerca de um mês quando, depois de um longo período de pressão mediática, foram entregues à comunicação social os resultados dos exames nacionais do 12.º ano. Daí resultaram os primeiros Rankings das Escolas, que tiveram forte oposição dos sindicatos de professores e associações de pais. Em 2001, o último ministro da Educação dos governos de Guterres defendia que era preciso não ficar parado a olhar para os rankings, era preciso ver o que eles nos ensinavam. Hoje, Júlio Pedrosa continua a insistir que se o ranking existe, deve ser para ajudar as escolas a melhorar.
“São um bom instrumento, eu disse isso logo no princípio, quando, no fundo, abria a porta dos rankings. E só faz sentido esta abertura se quem tem envolvimento e responsabilidades na educação, usar os resultados dessas avaliações para promover melhor educação e melhores escolas. De outro modo, podem contribuir ao contrário, não é?”, diz Júlio Pedrosa.
Na altura, recorda, foi uma questão controversa, com pessoas que alinharam com a decisão de os publicar, considerando que isso era fundamental, e outras vozes críticas. “Na altura, exprimi o desejo de que os rankings fossem usados em benefício das escolas e de quem as frequenta, e dos próprios professores, e que ajudasse também a perceber os resultados diferenciados que acontecem em Portugal. Tenho a perceção que algumas pessoas têm olhado com mais atenção para as escolas, para o que está por trás dos resultados. Isso para mim é um sinal positivo.”
Apesar disso, Júlio Pedrosa vê um longo caminho de trabalho pela frente, quando as escolas públicas continuam distantes das privadas, e quando as escolas falham em ser um elevador social, ajudando todos os alunos, seja qual for o seu contexto, a melhorar a sua condição de partida. “A educação é um recurso fundamental de qualquer pessoa.”
O que falta, então? “Não creio que em Portugal se tenha trabalhado a educação como sendo este valor para toda a sociedade. As escolas precisavam de ser muito mais valorizadas. Os professores precisavam de ser muito mais valorizados. A profissão de educador, professor, precisava de ser também muito mais valorizada por toda a sociedade. Isso ajudaria os professores a sentirem que a sua missão é reconhecida pela sociedade. Creio que não estamos a fazer isso”, sublinha Júlio Pedrosa.
Para ultrapassar o problema, era necessário outro tipo de trabalho, era preciso olhar para a educação de forma mais organizada, argumenta. “Tenho visto alguns estudos de escolas, diretores que têm feito um trabalho notável por esse país fora. Portanto, há coisas a acontecer e a acontecer no bom sentido. O que eu gostaria de ver, para já, é também ir aprender com quem faz bem fora de Portugal, trazer para dentro boas experiências. Mas, insisto, tem de haver um trabalho sistemático. Não se pode fazer uma experiência, ela resultar bem, e depois nunca mais se fazer nada.”
Dizer que uma escola é melhor que a outra pode ser perverso
Ao longo de mais de 20 anos, o Ranking das Escolas tem mudado. E salta à vista que no topo da tabela, as escolas onde os alunos conseguem melhores notas são colégios. Se, em 2001, no top 50 havia 29 escolas públicas, no ano passado havia 12. A leitura rápida, sem profundidade, faz crer que nas privadas o ensino é melhor, enquanto nas públicas ele se deteriora de ano para ano. Mas será justo, honesto, fazer essa comparação?
“A comparação entre escolas é relevante se as escolas forem iguais, se as escolas servirem o mesmo tipo de comunidades ou se estiverem dentro da mesma comunidade. Porque com comunidades muito diferentes é evidente que é muito difícil – eu diria que é perverso fazer uma comparação entre uma escola em que, por exemplo, os pais têm todos uma formação superior e uma escola em que os alunos são de famílias com escolaridade muito baixas”, argumenta Marçal Grilo, um dos defensores da experiência de troca de alunos. “É preciso ser muito cuidadoso nesta coisa das listas”, diz.
Reconhece que a análise feita tem melhorado de ano para ano e que a transparência é fundamental, devendo assumir-se se a média numa escola é de 13, 17 ou 19 valores. O contexto é que não pode ser ignorado. “Se for uma escola que serve uma comunidade com muitos imigrantes, que está situada nos subúrbios de Lisboa, ou do Porto — falo das duas cidades com muitos problemas de suburbanidade, que é um problema sério – Se for a uma escola dessas e eu disser: ‘Vocês têm notas muito inferiores ao que tem o colégio X, Y ou Z, que está situado algures’, eles dizem ‘olhe, eu não tenho as condições para poder ter essas notas, porque não tenho esse alunos’.”
E Marçal Grilo lança o mote: “Se, agarrando nesses alunos, os pusermos numa escola destas, se calhar é capaz de ter os mesmos resultados, ou pelo menos muito parecidos, com aqueles que têm no colégio que estão a frequentar. Isto é: não é a escola que faz os resultados, são os alunos que fazem os resultados da escola.”
As mudanças sociais têm sido mais sentidas nas escolas públicas do que nas privadas, onde há sempre uma mensalidade a pagar — e que é uma triagem natural para quem pode, ou não, frequentá-la. João Costa, que também questiona que resultados teriam os alunos de uma escola TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) se passassem a frequentar um colégio, defende que é à escola pública que chegam os alunos migrantes, os que têm necessidades educativas especiais e as crianças de contextos desfavorecidos — aquelas que naturalmente terão piores resultados académicos.
“O corpo a corpo de alunos que em cada ano está nos colégios privados não se alterou, mas tem havido uma alteração substancial nos alunos da escola pública, que tendencialmente ficavam de fora e agora estão dentro da escola. Estão matriculados”, diz o socialista. “Vemos em lugares, se calhar um bocadinho mais abaixo no ranking, escolas que não têm práticas de seleção de alunos, de mandar alunos embora para outras escolas quando as notas não estão a correr bem… São práticas que nós sabemos que existem nalguns subsistemas e nalgumas escolas e que os rankings acabam por favorecer. É por isso que acho que os rankings têm um propósito mais comercial, do que propriamente um propósito que permita a quem governa olhar para ali como um indicador fiável para a tomada de decisões.”
Esse propósito comercial, como o de usar a posição no ranking para atrair alunos, tem alimentado a ideia de que existe uma diferença de qualidade entre escola pública e escola privada, defende.
“Ora, se nós fizermos o exercício de colocar na escola privada os alunos de uma escola TEIP, ou se colocarmos na escola TEIP os alunos que estão na escola privada — e digo isto infelizmente, porque significa que ainda não conseguimos, ou vamos conseguindo demasiado lentamente, contrariar as assimetrias socioeconómicas — os resultados eram necessariamente diferentes. Isso, aliás, fica visível quando há alterações nas escolas que têm contratos de associação e deixam de os ter”, argumenta João Costa.
Outra justificação, prende-se com o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano. “Aquilo que está a acontecer, no meu entender, e alguns dados apontam para aí, é que alguns alunos que há 10 anos simplesmente abandonavam o sistema, a escola pública continua a agarrá-los. São tendencialmente alunos, como é evidente, que tinham classificações mais baixas. E não estão nos colégios, mas na escola pública”, diz João Costa, defendendo que a pública é, por definição, uma escola inclusiva.
Marçal Grilo também recusa a ideia de que o ensino privado é melhor do que o público. “Não, não. Parece-me excessivo fazer essa afirmação. Podemos dizer o seguinte: os colégios privados trabalham muito para o ranking. As escolas públicas trabalham para os estudantes. O que é que eu quero dizer com isto? Os colégios selecionam os seus estudantes, as famílias — sobretudo com mais recursos financeiros que muitas vezes coincidem com maior nível cultural e educacional dos pais — concentram os seus filhos em determinado tipo de escolas que repercutem aquilo que é a desigualdade que existe na sociedade.”
Por isso, argumenta, aqueles que já têm livros em casa, que têm os pais mais qualificados, que têm um nível socioeconómico mais elevado, vão para determinado tipo de escolas e essas escolas têm melhores resultados do que aquelas em que os alunos não têm o background familiar que os outros têm.
Está, então, o país a perder oportunidades para que a escola seja um verdadeiro elevador social? “Estamos é se calhar a aplicar mal os recursos”, responde Marçal Grilo. “A escola hoje enfrenta problemas muito diferentes daquilo que enfrentava há 30 anos porque o país modificou-se muito. O facto de se ter tornado um país de imigrantes, muitos países, com muitas línguas diferentes, com muitas culturas diferentes — embora, na minha perspetiva, seja um fator de enriquecimento cultural — requer um trabalho específico, sobretudo na aprendizagem da língua.”
É difícil aprender matemática se não se não se dominar a língua portuguesa, porque, a certa altura, a pessoa não percebe sequer o problema que é colocado, argumenta o antigo governante. “Não é de repente que se coloca um miúdo que vem do Bangladesh, que vem da da Ucrânia, que vem da Moldávia, em pé de igualdade com um aluno que tem o português como língua materna. São este tipo de apoios especiais que estas escolas devem ter com os alunos. São todos iguais, mas são todos diferentes”, havendo um conjunto imenso de fatores que influenciam o rendimento escolar do aluno.
“Ao dizer-se que as escolas privadas são muito melhores que as escolas públicas isso é contrariado por um fator: é que se for depois ao ensino superior verifica-se que muitas vezes não distingue os alunos que vêm do privado do público. E porquê? Porque os alunos no ensino público também têm outro tipo de valências, e outro tipo de capacidades, que não têm os alunos que vêm dos ensinos privados. Alguns vivem numa espécie de bolha. No ensino público existe um outro tipo de cosmopolitismo, de interação com os outros, que é muito útil, importante e relevante para a forma como a pessoa atua perante um curso do ensino superior.”
Faz sentido continuar a ter rankings?
Davis Justino e Nuno Crato alertam para um problema, recorrentemente visto como uma das fragilidades do sistema de avaliação externa (exames e provas de aferição). Os exames nacionais, de ano para ano, não são 100% comparáveis, porque lhes faltam alguns mecanismos (como perguntas fechadas) que são usados nos testes de estudos internacionais, como o PISA ou o TIMSS. Assim, a leitura que se pode fazer de ano para ano não é linear.
“Tudo falha quando as avaliações externas não são fiáveis, como tem acontecido nos últimos anos”, argumenta Nuno Crato. “A máxima utilidade da divulgação de resultados alcança-se quando: primeiro, as provas são fiáveis, ou seja, avaliam os conhecimentos e capacidades alcançadas pelos alunos, são rigorosas, mantém os mesmos critérios de ano para ano e, portanto, são comparáveis de ano para ano e de escola para escola. Assim, ajudam a evoluir.”
Em segundo lugar, o antigo ministro do PSD defende que os resultados brutos têm de ser “acompanhados de dados de contexto, como começou a ser feito em 2012/2013 [durante o seu mandato], dados que permitam perceber o significado dos resultados”. Por último, a altura em que se conhece o ranking também é importante. “Os resultados são divulgados o mais cedo possível, para permitir às escolas refletir e progredir, ao contrário do que tem acontecido nos últimos seis ou sete anos, em que os resultados chegam quase um ano depois”, critica.
David Justino foi o único ministro que tentou fazer uma ordenação oficial das escolas, a par das que a imprensa todos os anos publica, cada órgão de comunicação social usando critérios próprios. Hoje assume que não foi uma boa ideia.
“O ranking oficial, essa foi uma primeira experiência que eu fiz e cheguei à conclusão que não era esse o melhor caminho. É mais importante dar liberdade a quem faz a análise dos dados de utilizar critérios diferentes porque, quer dizer, isto não é um campeonato de futebol e como não é um campeonato de futebol, não há que ter um critério único porque não há nenhum critério que seja absoluto e que seja consensual. Todos os critérios são susceptíveis de serem contestados e de certa forma criticados”, argumenta.
Entre ter e não ter rankings, escolhe sempre a primeira opção, apesar de todos os constrangimentos que possam ser encontrados na ordenação de escolas. “Prefiro ter rankings publicados, ainda que suscetíveis de serem criticados, do que não ter nada. Isto é um bocadinho como aquele velho ditado que diz que à noite todos os gatos são pardos. Porquê? Porque não há luz.”, defende David Justino. E a claridade chega com a informação. A partir da altura em que a gente acende uma luz, consegue ver que eles não são todos pardos, alguns são amarelos, outros mais cinzentos, outros pretos, etc. E, portanto, os rankings, a informação sobre os exames e sobre as provas, são essa luz que permite ver as diferentes cores dos gatos. Eu não gostaria de viver num país onde todos os gatos fossem pardos.”