Início Importados - Educação O que devem as escolas fazer? – Pedro Santos Maia

O que devem as escolas fazer? – Pedro Santos Maia

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Há dias, o primeiro-ministro referiu que a situação de pandemia que vivemos deve prolongar-se por três meses. Dados mais recentes apontam num sentido semelhante, e não em possibilidades de antecipação do fim da crise.

Fazendo contas e retirando ilações, teremos meados de junho como cenário provável (e talvez até otimista) de superação da pandemia. Para as escolas, isto significa que não haverá aulas em abril, em maio e em junho, ou seja, não haverá mais aulas este ano letivo; do ponto de vista presencial, este ano letivo está terminado.

Para enfrentar este problema, o Ministério da Educação lançou um “Roteiro” com Oito Princípios Orientadores para a Implementação do Ensino a Distância (E@D) nas Escolas. Não discuto aqui intenções, as quais poderão até ter sido as melhores, nem os méritos que as tecnologias hoje contêm e os contributos que permitem trazer para as nossas vidas e, neste caso, para o que acontece nas escolas. Simplesmente, a sua concretização pode vir a ser (na verdade, está já a ser) desastrosa. E isto por três ordens de razão.

Em primeiro lugar, não se está a acautelar o princípio fundamental de justiça e de igualdade de oportunidades — princípio norteador da escola pública — de acesso aos meios necessários para a modalidade de ensino à distância por todos os envolvidos no processo, ou seja, professores e estudantes; pelo contrário, está-se a promover uma situação que valida inaceitáveis e inconstitucionais formas de exclusão e discriminação, conforme se pode verificar aqui. Imaginar o contrário é ignorar a situação em que vivem milhares de famílias em todo o país. Foi para diminuir distâncias — de toda a ordem — que a escola pública foi criada, não para as aumentar!

Em terceiro lugar, esta modalidade de ensino à distância não garante a credibilidade da avaliação dos trabalhos dos estudantes pela muito prosaica e óbvia razão de não se poder garantir a autenticidade da autoria dos mesmos. Continuar a trabalhar com os estudantes, sim. Tentar atingir o maior número, com certeza. Desenvolver competências, sempre. Mas, como estamos, não é possível nem legítimo lecionar novos conteúdos, não é possível nem legítimo avaliar e classificar a sua aprendizagem. Pensar o contrário é contribuir objetivamente para atropelar a mínima isenção e objetividade que o processo de avaliação deve envolver.

Portanto, nas condições em que nos encontramos, este tipo de ensino não garante… o ensino, dado que a qualidade é insuficiente, com precária vertente pedagógica, com uma didática avulsa, o que, além do mais, não atende ao que está consignado nos normativos, um ensino adaptado às necessidades dos alunos. É também discriminatório dos professores com mais idade que são forçados a recorrer a tecnologias que dominam insuficientemente, e que não passam a dominar de forma instantânea. É preciso tempo!

Portanto, nas condições atuais, este tipo de ensino — o ensino à distância, de forma prolongada, na escola pública — não garante a aprendizagem em moldes universais e equitativos.

E portanto também, neste ano letivo, esta modalidade de ensino não se deve traduzir e culminar numa avaliação final, pois esta não se sustenta em bases sólidas, credíveis e minimamente objetivas.

O que devem então as escolas fazer?

Em vez de medidas mais ou menos fictícias, avulsas, discriminatórias e contraproducentes; em vez de mais planos e mais roteiros e orientações, com toda uma parafernália burocrático-tecnológica acoplada, as escolas e as suas direções devem exigir à tutela os meios (materiais e de formação) que permitam enfrentar situações como a que estamos a viver, porque, sem alarmismo e talvez com realismo, à nossa porta podem estar a bater novos surtos epidémicos. Uma exigência para o presente e para o futuro.

Em vez de estarem a lecionar novos conteúdos que não abrangem todos os alunos (como é isso possível, que princípio ético o pode admitir?!), as escolas deviam estar a reforçar e a rever os conteúdos lecionados até à data da interrupção (13 de março).

Em vez de estarem preocupadas com a avaliação de um final de ano letivo presencialmente inexistente, as escolas e as suas direções deveriam exigir à tutela que a avaliação final deste ano letivo seja a do segundo período (nas escolas que funcionam em períodos) e a do primeiro semestre (nas escolas que funcionam por semestres), ou a que foi recolhida até à suspensão das aulas. Em qualquer das situações contempla-se felizmente mais de metade do ano letivo (sim, o primeiro semestre é mais extenso do que o segundo). Se se considera que assim não é possível recuperar alunos que até ao momento tiveram avaliação negativa, então as escolas e as suas direções devem colocar e exigir à tutela a possibilidade da passagem administrativa. Para uma situação excecional, medidas excecionais.

Em vez de estarem ansiosas com a realização dos exames nacionais, as escolas e as suas direções deveriam exigir à tutela a suspensão e a não realização dos mesmos, pelo ambiente de stress criado, pelo incumprimento dos programas curriculares, pelas discrepâncias assinaláveis que existem de escola para escola nas matérias até ao momento lecionadas.

Um profissional de saúde dizia por estes dias que estar a combater o vírus num hospital é como estar na praia à espera de um tsunami.

Apropriando-me desta terrível analogia, diria: o tsunami já chegou, pôs o mundo do avesso e a vida em suspenso. Não juntemos mais ondas à vaga avassaladora que nos inundou. Mais do que nunca, o que se exige agora é cabeça fria, ponderação e coragem! Também nas nossas escolas e no sistema de ensino.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Fonte: Público