Houve um tempo nesta pandemia em que a desorientação do Governo o encaminhou para medidas vistosas, mas discutivelmente ineficazes, com o propósito de mostrar serviço. Agora, a orientação ascendeu a um novo patamar: o da introdução de medidas inequivocamente sem eficácia, cujo propósito já apenas consiste no encobrimento da incompetência acumulada. A proibição de ensino à distância nos próximos dias 30 de Novembro e 7 de Dezembro é disso um exemplo gritante: o Governo impede as escolas privadas de darem aulas online nesses dias, não por motivos sanitários (os alunos estariam em casa), mas (presume-se) porque não poderia garantir igual continuidade educativa nas escolas públicas. Será esta uma defesa da igualdade? Não, é um nivelamento por baixo e uma manobra política: se os miúdos matriculados no privado tivessem aulas, o país perguntar-se-ia o porquê de o mesmo não acontecer no público — uma pergunta incómoda a evitar, uma vez que a resposta é simples: porque o Governo falhou. Ou seja, esta proibição prejudica os alunos, mas beneficia o Governo. Fica claro o que, na balança, pesou mais.
Recapitulemos. Nas próximas duas segundas-feiras não haverá actividades escolares presenciais. A decisão surge no seguimento da renovação do estado de emergência e das medidas para os fins-de-semana e feriados de Dezembro, com vista a impedir a circulação de pessoas nos dias de ponte. Percebe-se o objectivo de confinar nessas segundas-feiras, mesmo que seja fácil discordar da necessidade de fechar escolas ou desconfiar da eficácia da medida — de resto, o próprio Governo tinha adoptado a boa prática de evitar a todo o custo o encerramento escolar, precisamente por saber que a medida não justifica o dano causado aos alunos. Mas o problema maior revelou-se na tarde desta terça-feira: quando as escolas privadas anunciaram planos para manter actividades à distância nesses dois dias, o Governo apressou-se a agitar o texto do decreto e alertar para a proibição.
Primeira pergunta: será que o decreto impede realmente o ensino à distância nesses dias? A resposta depende da secção do decreto 9/2020. Se olharmos para o preâmbulo, a suspensão das aulas aparece explicitamente reduzida ao ensino presencial, pelo que seria possível o ensino à distância: nesses dias, estão “suspensas as atividades letivas e não letivas e formativas com presença de estudantes em estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário”. Mas, mais à frente, se lermos o artigo 22.º, a menção ao presencial desaparece: estão “suspensas as atividades letivas e não letivas e formativas em estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário”. Como desempatar perante a ambiguidade? Com bom-senso: para além de o sentido estar claro no preâmbulo, as normas excepcionais devem ser interpretadas de forma restritiva, de modo a limitar o dano causado. Ou seja, no plano legal, a posição do Governo é duvidosa.
Segunda pergunta: para quê impedir aulas online se escolas, alunos, pais e professores as tinham programado e as queriam realizar? O Governo não se quis explicar. E, sendo certo que o motivo não é sanitário, por mais que se pense no assunto não emerge resposta possível que não seja a da conveniência política. Com as escolas públicas encerradas devido à tolerância de ponto, a preocupação do Ministério da Educação foi bloquear o funcionamento dos privados e uniformizar por baixo os efeitos para todos os alunos — se uns não têm, nenhum pode ter. E, para além disso, quis salvaguardar-se de justificar a sua própria incompetência: se permitisse ensino à distância, ficaria com uma bomba-relógio nas mãos. É que, enquanto nas privadas há provas dadas de que o ensino à distância é viável, na generalidade das escolas públicas não estão ainda asseguradas as condições (equipamento, ligação à internet, formação dos professores) para o ensino à distância ser uma realidade proveitosa. Porquê? Porque o Primeiro-Ministro não cumpriu o prometido de ter tudo operacional no início de Setembro e, consequentemente, continuam a faltar meios tecnológicos a alunos e professores nas escolas públicas.
Os mais jovens têm sido das principais vítimas, não da pandemia em si, mas das medidas restritivas e de contenção. Perderam meses de aulas, o que inevitavelmente prejudicará a sua formação escolar e os seus horizontes futuros. Abdicaram das suas vivências de juventude e adolescência, ficando confinados num momento das suas vidas em que se testam limites, se forjam relações e se experimenta a liberdade. Deterioraram o seu bem-estar e a sua saúde mental, com consequências ainda imprevisíveis para a sua vida adulta. Com tanto dano acumulado, era escusado que os mais novos viessem agora também pagar o preço da incompetência do Governo, ficando sem dois dias de aulas, em nome de um nivelamento por baixo e da conveniência política do Primeiro-Ministro, que não cumpre os seus compromissos. Oxalá sejam muitas as escolas e os professores a contornar este bloqueio ilegítimo.
Observador