Nunca foi tão fácil dar razão aos dois lados de um debate como naquele que temos tido sobre o encerramento das escolas. Têm toda a razão aqueles que salientam os terríveis impactos de longo prazo que o encerramento das escolas têm para as nossas crianças e jovens, pelos atrasos na aprendizagem e especialmente pelos aumentos das desigualdades que esse encerramento implica. Ainda assim, não deixam de ter razão aqueles que lembram que, no curto prazo, há que controlar uma pandemia e impedir que mais gente morra — e que fechar as escolas é uma medida que não pode ser descartada.
À medida que este debate for deixando de ter atualidade, porque tudo indica que as escolas reabrirão faseadamente no próximo mês, eu temo que o essencial se perca pelo caminho. Ora, entre os impactos de longo prazo para que muitos alertam e as necessidades de curto prazo com que outros se justificam, o essencial que se perde é o médio prazo. Discutir o longo prazo é fácil, sobretudo porque quando lá chegarmos a maior parte já estará esquecido do que defendeu; discutir o curto prazo é o vício da agenda mediática e política, de comentadores e de jornalistas. Mas é pelo médio prazo que a maior parte das discussões em Portugal se perde. Ali onde seria possível planear, implementar e ainda ver os efeitos, com responsabilização e prestação de contas, é onde a maior parte dos nossos debates se recusa a entrar. O médio prazo é o ponto cego do debate em Portugal. E é também o ponto cego do nosso debate sobre as escolas.
O que significaria olhar para o médio prazo no debate sobre as escolas? Significaria reconhecer que os impactos sobre as vidas escolares e profissionais desta geração são graves e, mais do que isso, política e moralmente inaceitáveis — e que nos devemos comprometer com um plano de ação claro e sustentado ao longo dos próximos anos para garantir que os impactos negativos são revertidos e que esta geração não sai prejudicada. Pensar a médio prazo significa reconhecer que a pedagogia tem aspectos e limites naturais que não se compadecem com as folhas de cálculo: se se perdeu metade da matéria num ano, não é possível dar simplesmente o dobro da matéria no ano seguinte, porque haverá matéria que ficará sempre mal dada e essas lacunas se refletirão nos exames, nas comparações internacionais e pela vida fora. Por isso, pensar a médio prazo significa que o ensino secundário e superior tenha de ser repensado já, não só para responder aos impactos da pandemia mas também, e até sobretudo, aos outros desafios da nossa época. Ou por outras palavras: para que esta geração não saia prejudicada, não basta compensá-la. Vai ser preciso dar-lhe acesso a um ensino muito melhor, renovado e muito mais capaz do que antes teriam, e isso não só para o ano que vem, mas para os próximos cinco a quinze anos.
Para ilustrar, retomo uma proposta que já lancei nestas páginas noutras ocasiões, e que faz mais sentido ainda no pós-pandemia: reformular o 12.º ano para que deixe de ser o último ano do ensino secundário e passe a ser o ano zero do ensino superior. Isto não significa apenas mudar-lhe o nome ou redesenhar a grelha dos anos escolares, mas acima de tudo mudar a natureza de um ano de ensino que, de qualquer forma, já estava desatualizado. Em tempos o 12.º ano foi o funil do acesso ao ensino superior; agora, numa altura em que cada vez mais todos os jovens candidatos que assim o queiram garantem entrada no ensino superior, o antigo 12.º ano já não faz o mesmo sentido e deve passar a ser a última oportunidade, antes da entrada na maioridade legal, de dar a todos os nossos futuros cidadãos de pleno direito uma base universal e ampla de conhecimentos (e atitudes perante o conhecimento) à altura da época que vão viver.
Nesse futuro ano zero de um ensino universalizado, que podemos a médio prazo fazer transitar para o ambiente universitário, politécnico, e de escolas vocacionais, profissionais, artísticas e outras do ensino superior, uma mistura de cadeira opcionais e fundamentais dotarão toda a gente de ferramentas essenciais para qualquer tipo de desafios, desde fundamentos de método científico a noções de verificação de informação, à capacidade de reconhecer lacunas de conhecimento e se requalificar, com a responsabilização e autonomia que serão essenciais a uma força de trabalho altamente qualificada na economia de conhecimento que precisamos de vir a ser. Uns quererão continuar no ensino superior; outros não. Mas todos terão uma casa para onde voltar ao longo da sua vida de trabalho, sempre que necessário.
Por isso neste mês de março eu ficarei contente com um governo que me diga que as escolas vão reabrir e como. Mas só ficarei feliz com um governo que tenha uma visão de médio prazo sobre como acudir a esta geração.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico