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O PISA, o eduquês e a aprendizagem genuína – José Manuel Silva

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Os sistemas educativos são reflexos das sociedades em que existem, La Palisse não diria melhor, mas parece que nos esquecemos desta evidência. Houve uma altura em que sempre que se falava de bons exemplos em educação se ia buscar a Finlândia, só que Portugal é outra realidade, tem outra cultura, outra realidade política, social e económica, como podia o ensino português ser similar ao finlandês?

 

Também houve um tempo em que o eduquês era responsabilizado por tudo quanto acontecia de mau nas escolas portuguesas, isto é, todos quantos abordavam as questões educativas socorrendo-se dos contributos mais recentes das ciências da educação, que alguns não reconhecem como ciências, nem como educação, eram logo considerados como sofrendo de um profundo handicap que os tornava pouco recomendáveis.

Entretanto o PISA tomou conta do palco e tornou-se num ídolo objeto de adoração por quantos acreditam que a educação pode ser reduzida às quantidades. A educação é como os vinhos, o terroir é determinante para a qualidade e não se pode comparar um Borgonha com um Quinta das Laranjeiras. Evidentemente que o PISA é importante, os seus resultados devem ser analisados e refletidos, mas daí a cairmos em exageros sobre a desgraça educativa nacional porque os nossos alunos tiveram uma performance menos positiva parece-me um absurdo.

Agora dei com a expressão “aprendizagem genuína” que me pareceu aplicada a uma espécie de “back to basics” que fez escolas nos states nos anos 80 do século passado. Face à minha dúvida sobre o que quereriam dizer com este conceito socorri-me do Chatgpt e eis o resultado:

A aprendizagem genuína é um conceito que se refere a uma abordagem educacional que enfatiza a aplicação prática do conhecimento, a conexão com a vida real e a relevância dos conteúdos para os alunos. É uma forma de aprendizagem que vai além da memorização de informações e busca desenvolver habilidades e competências que possam ser aplicadas em situações reais.

Na aprendizagem genuína, os alunos são incentivados a explorar, investigar e resolver problemas reais, utilizando o conhecimento adquirido de forma significativa. Isso envolve a aplicação de conceitos e teorias em contextos reais, promovendo a reflexão crítica, a colaboração e a criatividade.

Algumas características da aprendizagem genuína incluem:

1. Relevância: Os conteúdos são apresentados de forma a conectar-se com a vida dos alunos, tornando-os mais interessantes e significativos.

2. Aplicação prática: Os alunos são desafiados a aplicar o conhecimento em situações reais, desenvolvendo habilidades que possam ser utilizadas fora da sala de aula.

3. Colaboração: A aprendizagem genuína valoriza o trabalho em equipe, incentivando a colaboração entre os alunos para resolver problemas e alcançar objetivos comuns.

4. Reflexão crítica: Os alunos são estimulados a refletir sobre o que estão aprendendo, questionando, analisando e avaliando informações de forma crítica.

5. Autonomia: A aprendizagem genuína busca desenvolver a autonomia dos alunos, permitindo que eles assumam a responsabilidade por sua própria aprendizagem e tomem decisões informadas.

A aprendizagem genuína pode ser aplicada em diferentes contextos educacionais, desde a educação infantil até o ensino superior. Ela busca proporcionar uma experiência de aprendizagem mais significativa e duradoura, preparando os alunos para enfrentar os desafios do mundo real.

Afinal, tudo o que temos andado a fazer desde há pelo menos três décadas, e nada a ver com os saudosistas do tempo em que a escola era para seriar e expulsar, não para incluir. O problema é que a sociedade evoluiu muito mais rápido do que as escolas, existe até aquela frase que diz mais ou menos que “Se ensina com os métodos do século XIX, com a organização escolar do século XX, e os estudantes do século XXI”, o que tem tudo para correr mal.

O problema da escola portuguesa não é voltar ao passado, é acelerar para o futuro, é ter em consideração que o cérebro das crianças e jovens está a mudar, que os métodos tradicionais não funcionam, a organização escolar tem de mudar profundamente, o papel dos professores não tem nada a ver com o que era quando constituíam a fonte principal de transmissão de conhecimento.

Quando perante a utilização dos telemóveis, que são hoje um dos mais potentes instrumentos de aprendizagem, andam no bolso de toda a gente e permitem aceder ao conhecimento e aos outros instantaneamente, muitos os querem banir nas escolas porque, alegadamente, prejudicam as relações entre pares, estamos a andar às arrecuas.

Portugal precisa de um choque educativo, é verdade, mas para se projetar para os níveis mais avançados que a revolução tecnológica comunicacional e digital já permite. Parece ridículo, quando o acesso ao conhecimento está à distância de um clique, que se continue a funcionar nalgumas escolas como se estivéssemos no tempo da ardósia e do quadro preto.

São precisos novos currículos, novas metodologias, professores com outros perfis, organizações escolares mais abertas, mais alinhadas com a sociedade, mais empreendedoras, mais internacionais. E há uma área fundamental onde, aqui sim nos temos perdido, os valores – e esta é uma das razões principais que justificam a anomia que existe nalgumas escolas. De uma organização escolar restritiva e extremamente conservadora, saltou-se para o oposto e muitas escolas transformaram-se em territórios de confronto onde o bullying, o desrespeito pelos mais elementares princípios de vivência social, o desprestígio dos professores, tudo se conjuga para a existência de um microcosmo pouco recomendável onde, de facto, a educação e a aprendizagem não medram.

Sem leituras radicais, sem invocação de caos, com a serenidade necessária para lermos os sinais dos tempos, é altura de refletirmos juntos num projeto educativo que dê continuidade ao melhor que temos feito, olhando para o passado como memória, mas com a consciência de que o caminho é o futuro. Basta olhar à volta e ver para onde caminham as sociedades mais desenvolvidas, mais justas, onde o bem-estar dos cidadãos é a primeira preocupação de quem governa.

Observador