FILINTO LIMA
SIMA resposta tem um denominador comum: a urgência do “encerramento” das escolas, tendo em conta os pareceres convergentes dos peritos de saúde, sustentados nos números arrasadores (óbitos e infetados), acima das previsões mais pessimistas.
A suspensão das atividades letivas configurava uma possibilidade para a qual poucos apontavam, indício de valorização do ensino presencial, implicando reorganização do calendário escolar e da rotina diária de parte da população. As escolas trabalharam para ativar a modalidade de ensino não presencial, efetuando o levantamento das necessidades digitais/tecnológicas dos seus alunos e atualizando os seus planos de ensino (presencial, misto e à distância — E@D).
O primeiro-ministro não cumpriu com o compromisso (ambicioso) assumido em abril de “…um objetivo muito claro: Vamos iniciar o próximo ano letivo assegurando o acesso universal à rede e aos equipamentos a todos os alunos dos ensinos básico e secundário”
As associações de diretores defenderam, oficial e publicamente, o alargamento do anunciado aos professores (recorrem a dispositivos próprios) e às escolas (parque informático que urge ser renovado e conectividade limitada). Alguns encarregados de educação presentearam os seus educandos com os meios tecnológicos, perspetivando circunstâncias análogas às do 3º período do ano transato, outros recusaram (!) a entrega pelas escolas em regime de comodato. As escolas já distribuíram 100 mil computadores a alunos do ensino secundário, beneficiários de ação social escolar, e a alguns discentes dos outros ciclos de ensino.
Estamos todos cientes das enormes limitações do ensino apelidado de emergência
Posto isto, as comunidades educativas prepararam-se para acionar o E@D à custa da resiliência e do empreendedorismo dos professores e diretores (recusando-se deixar alunos para trás), da colaboração dos encarregados de educação (apoio à família), do esforço dos autarcas, e do préstimo de diversas entidades da sociedade civil.
Numa altura aproveitada pelos professores para delinear a atividade letiva, organizar materiais pedagógicos e cumprir com o trabalho burocrático, estamos todos cientes das enormes limitações do ensino apelidado de emergência, dado acentuar desigualdades e fazer emergir, exacerbadamente, a injustiça social.
A modalidade de ensino que nos espera é inquietante e iníqua, a evitar o mais possível, pois muitos dos nossos jovens não têm nos seus lares as condições propícias para aprender. Pode alguém estar envolvido nas aprendizagens em face de situações de stresse e intranquilidade que desmotivam para o estudo? Pode alguém fazê-lo quando não tem os recursos físicos (espaços) e materiais (mesas, iluminação…) para (po)usar o computador?
O elevador social — a Escola — funciona (?) com inúmeras limitações/desvantagens quando movido pelo E@D (remedeio), prejudicando os alunos nas aprendizagens e nas experiências e interações sociais, com impacto gravoso para os mais vulneráveis, deixando-nos todos a almejar o regresso, no alcance de uma Educação plena, quando critérios sanitários o permitam.
Presidente da Associação de Diretores Escolares
CATARINA SANTOS BOTELHO
NÃOÀ cabeça, o decreto governamental poderá ser considerado orgânica e formalmente inconstitucional. Com efeito, o Governo não tem competência para, sem autorização da Assembleia da República, restringir direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de aprender e ensinar (artigo 43º da Constituição), que aqui resulta afetada.
Do ponto de vista material, uma vez que esta medida foi adotada no âmbito da execução do estado de emergência, necessita de ser alicerçada em razões de saúde pública. Proibir as aulas presenciais será certamente uma ferramenta útil para impedir novas infeções. Em contraste, a interdição de aulas online não tem qualquer efeito no abrandamento da transmissão do vírus. Se assim é, pergunta-se: qual foi o objetivo desta bizarra proibição? A razão salta à vista: tratou-se tão-somente de uma opção ideológica. Com o intuito de mascarar a inexistência de medidas equitativas que assegurem que todos os estudantes tenham igual acesso à internet e a computadores, introduziu-se um elemento retórico de distração, que cria empatia social: proibimos o ensino online para tratar todos por igual.
Não obstante, de um ponto de vista filosófico, é importante sublinhar que igualdade não é o mesmo que igualitarismo nem implica um forçado nivelar por baixo. Um exemplo claríssimo: se os professores do ensino público aderirem em massa a uma greve por x número de dias, os professores do privado também estarão impedidos de dar aulas nesses dias?
A igualdade não é uma igualdade matemática, nem pode ser imposta como único valor fundamental
A igualdade não é uma igualdade matemática, nem pode ser imposta como único valor fundamental, aniquilando a liberdade e funcionalizando o indivíduo ao coletivo. Como bem escreveu Eduardo Lourenço: “Preciso do outro para existir e não posso existir plenamente se o outro é meu duplo. Um de nós está a mais” (“O Esplendor do Caos”, 1998).
Em acréscimo, para que o Governo conseguisse, já tardiamente, reunir idênticas condições de ensino à distância necessitaria de prorrogar esta medida proibitiva por várias semanas. Esta opção normativa governamental está, assim, ferida de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade. Existem, pois, medidas menos gravosas do que a pura suspensão de aulas que poderiam ser implementadas para responder à pandemia. O ensino online é um cristalino exemplo.
Ora, se é verdade que o ensino online exacerba as desigualdades sociais entre os estudantes, também é verdade que é ao Governo que compete, através das suas políticas públicas, mitigar estas mesmas desigualdades, por exemplo, através da aquisição de computadores, garantia de acesso à internet, serviço de refeições a estudantes carenciados, etc.
Decretar, a talhe de foice, que “as aulas online são proibidas” é prestar um mau serviço à liberdade de aprender e ensinar e, paradoxalmente, viola aquilo que ideologicamente se pugna defender — um ensino verdadeiramente democrático e ao alcance de todos.
Professora de Direito Constitucional na Universidade Católica Portuguesa