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O caminho será este? O professor reflexivo!

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O poder da reflexão sobre a prática como incentivador de melhores práticas tem vindo a ser defendido por diversos autores (Dewey 1933; Kemmis, 1985; Schön, 1983, 1987; Zeichner 1993). Também em Portugal têm sido realizados estudos onde a reflexão sobre a prática tem um papel fundamental (Alarcão, 1996; Serrazina, 1998).

Entender a ideia de ensino reflexivo implica procurar as suas raízes no pensamento sobre a educação. Importa, então, caracterizar o pensamento reflexivo de que fala John Dewey, destacar o termo reflexão e os vários tipos de reflexão descritos por Donald Schön, bem como conhecer outros contributos, como os de Zeichner ou van Manem. As investigações em torno da prática reflexiva têm vindo a aumentar nos últimos anos, contribuindo para a clarificação de conceitos e proporcionando um modelo de fundamentação do processo de ensino, contrapondo-se, assim, a uma visão tecnicista da prática profissional.

Neste contexto, merece ser problematizada a tendência para se dizer que qualquer pensamento sobre a prática é reflexivo. Assumir essa ideia, leva a encerrar a discussão em torno das características e dos princípios subjacentes ao ensino reflexivo e, deste modo, não se questiona a importância do processo reflexivo na inovação em educação. É, pois, necessário que o termo não seja absorvido, nem desvalorizado mas que, em vez disso, seja discutido e clarificado. Interessa, ainda, que nesta análise não se perca a ideia de reflexão associada ao poder emancipatório dos professores.

O movimento das práticas reflexivas tem-se desenvolvido à volta do conceito de reflexão que foi, e continua a ser, objeto de estudo por parte de autores de diversas áreas. Para além do substantivo reflexão, o correspondente adjetivo – reflexivo – adquiriu um grande protagonismo na educação. Assim, termos como ‘pensamento reflexivo’ (Dewey), ‘ensino reflexivo’ (Zeichner), ‘aprendizagem reflexiva’ (Fosnot), ‘praticantes reflexivos’ (Schön) e ’práticas reflexivas’ (Jaworski) aparecem frequentemente associados à investigação sobre as práticas dos professores.

Na nossa tradição cultural a palavra ‘reflexão’ sugere pensamento sério e austero distante da ação, com conotações próximas de meditação e introspeção. Neste caso está a falar-se de um processo mental que acontece quando se olha para determinadas ações do passado. É comum dizer-se “depois de refletir, eu acho que…”, ou “eu já me vi ao espelho…”, o que na verdade corresponde a utilizar uma metáfora para significar a associação da compreensão humana, de nós próprios e das nossas circunstâncias, à reflexão no espelho. Em educação, este termo tem sido usado com diversas significações e há necessidade de o redefinir de forma a clarificar o seu sentido e o entendimento que dele fazemos. Vejamos, então, em que momentos e em que situações a reflexão surge associada ao pensamento educativo.

Dizer que o professor se deve envolver na reflexão sobre a sua prática não é novo. John Dewey, filósofo da educação, defendeu a importância do pensamento reflexivo e escreveu extensivamente sobre o papel da reflexão nos seus livros How we think (1910, 1933) e Logic: The theory of inquiry (1938). Reconhecia que nós refletimos sobre um conjunto de coisas, no sentido em que pensamos sobre elas, mas o pensamento analítico só tem lugar quando há um problema real a resolver. Ou seja, a capacidade para refletir emerge quando há o reconhecimento de um problema, de um dilema e a aceitação da incerteza. O pensamento crítico ou reflexivo tem subjacente uma avaliação contínua de crenças, de princípios e de hipóteses face a um conjunto de dados e de possíveis interpretações desses dados.

Um outro autor que costuma ser evocado com frequência e que marcou a forma como hoje se entende a reflexão é Donald Schön (1983, 1987). As suas ideias têm tido muita influência no campo educacional, designadamente nas pessoas interessadas na formação de professores. O trabalho que desenvolveu tem sustentado as posições dos que, como Kenneth Zeichner, defendem a emancipação do professor como alguém que decide e encontra prazer na aprendizagem e na investigação do processo de ensino e aprendizagem.

As ideias de Schön sobre o desenvolvimento do conhecimento profissional baseiam-se em noções como a de pesquisa e de experimentação na prática. A designação “professional artistry” é usada pelo autor com o sentido de referir as competências que os profissionais revelam em situações caracterizadas, muitas vezes, por serem únicas, incertas e de conflito. O conhecimento que emerge nestas situações de um modo espontâneo e que não se é capaz de explicitar verbalmente pode ser descrito, nalguns casos, por observação e reflexão sobre as ações. Estas descrições são diversas e dependem das linguagens e das propostas, podendo ser referidas sequências de operações, procedimentos executados, pistas observadas, regras seguidas, valores, estratégias e princípios que constituem verdadeiras teorias de ação (Schön, 1987).

De acordo com este autor, pode distinguir-se a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação. Os dois primeiros tipos são essencialmente reativos, separando-os apenas o momento em que têm lugar, o primeiro ocorrendo durante a prática e o segundo depois do acontecimento, quando este é revisto fora do seu cenário. É ao refletir sobre a ação que se consciencializa o conhecimento tácito, se procuram crenças erróneas e se reformula o pensamento. Como refere Alarcão (1996), essa reflexão consiste numa reconstrução mental retrospetiva da ação para tentar analisá-la, constituindo um ato natural quando percecionamos diferentemente a ação.

A reflexão sobre a reflexão na ação é aquela que ajuda o profissional a progredir no seu desenvolvimento e a construir a sua forma pessoal de conhecer. Trata-se de olhar retrospetivamente para a ação e refletir sobre o momento da reflexão na ação, isto é, sobre o que aconteceu, o que o profissional observou, que significado atribui e que outros significados podem atribuir ao que aconteceu (Schön, 1992). É a reflexão orientada para a ação futura, é uma reflexão proactiva, que tem lugar quando se revisitam os contextos políticos, sociais, culturais e pessoais em que ocorreu, ajudando a compreender novos problemas, a descobrir soluções e a orientar ações futuras. Para Day (1999), este tipo de reflexão é muitas vezes acompanhada de um desejo de justiça social, emancipação ou melhoramento. Segundo este autor, a profissionalidade implica a presença dos diferentes tipos de reflexão.

Partindo da observação de práticas profissionais, Donald Schön argumenta que a conversação que decorre durante a ação pode desenvolver-se à volta de assuntos, sucessivamente aprofundados pelos participantes, acabando por ser introduzidos nos seus repertórios de forma diversa. Para traduzir a ideia utiliza o termo ‘conversação reflexiva com a situação’, sendo que essa conversação pode ocorrer com os materiais de uma dada situação (como acontece numa sessão de música de jazz) e, neste caso, trata-se de uma conversação no sentido metafórico. De qualquer modo, a conversação reflexiva está no centro da reflexão sobre a prática. As conversações reflexivas podem ser colaborativas e em muitos casos contribuem para a tomada de decisões, a compreensão e a troca de conhecimento e de experiências.

A ideia de reflexão surge associada ao modo como se lida com problemas da prática profissional, à possibilidade da pessoa aceitar um estado de incerteza e estar aberta a novas hipóteses dando, assim, forma a esses problemas, descobrindo novos caminhos, construindo e concretizando soluções. Este processo envolve, pois, um equacionar e reequacionar de uma situação problemática. Num primeiro tempo há o reconhecimento de um problema e a identificação do contexto em que ele surge e, num segundo tempo, como refere Schön (1987), a conversação com o “repertório de imagens, teorias, compreensões e ações” (p. 31), por forma a criar uma nova maneira de o ver. A reconstrução de algumas ações pode resultar de novas compreensões da situação.

O processo reflexivo caracteriza-se por um vaivém permanente entre acontecer e compreender na procura de significado das experiências vividas. Há, através das práticas, um ganho na compreensão e esta nova compreensão pode fazer surgir um insight sobre o que significa ser professor. Deste modo, a artistry do professor, metáfora útil para expressar o que os professores em cooperação são capazes de fazer, vai-se desenvolvendo. Claramente, os vários tipos de reflexão têm um papel importante no desenvolvimento da artistry, segundo Schön (1987).

Estas ideias têm sido discutidas em muitos estudos. Uns põem em causa a clareza de conceitos usados por Schön (por exemplo, Eraut, 1995), outros apresentam diferentes leituras (Kemmis, 1985; van Manem, 1997) e outros, ainda, têm contribuído para a sua aplicação a modelos de supervisão pedagógica e programas de desenvolvimento profissional numa variedade de contextos, nomeadamente, na formação de professores.

O conceito “reflexão na ação”, por exemplo, tem sido objeto de diversas críticas. Eraut (1995) argumenta que a distinção entre os conceitos de reflexão na ação e reflexão sobre a ação não é tão nítida como alguns autores afirmam e sugere que esta situação pode ser clarificada se se falar no contexto da reflexão e no foco da reflexão. Como alternativa à reflexão na ação propõe a reflexão antes da ação, a reflexão depois da ação e a reflexão distanciada da ação. Para ele a reflexão na ação e sobre a ação não são ações dicotómicas opostas, pois muitas vezes a reflexão na ação é também sobre a ação. Propõe, também, que se introduza a proposição ‘para’ como forma de indicar o propósito de qualquer reflexão. Esta proposição não foi usada por Schon, mas está implícita em muitos dos seus argumentos, uma vez que ele está preocupado em primeiro lugar com a reflexão que afeta a ação em curso.

A procura de clarificação tem levado diversos autores a distinguir entre diversos tipos de reflexão, como por exemplo, van Manem (1997), que considera a existência de três níveis. O nível técnico refere-se à aplicação técnica do conhecimento educacional e dos princípios curriculares básicos com o objetivo de atingir um dado fim. No nível prático, a preocupação é com os pressupostos, predisposições, valores e consequências com as quais as ações estão ligadas. No nível crítico ou emancipatório, estão em foco questões éticas, sociais e políticas mais alargadas, incluindo de modo crucial as forças sociais e institucionais que podem constrangir a liberdade de ação do indivíduo ou limitar a eficácia das suas ações.

O debate em torno de uma possível hierarquia entre os níveis pode fazer-se, mas num dado acontecimento o que parece mais importante é ver se os três níveis de reflexão estão presentes, procurando, assim, complementar o contexto da situação com o saber que o (s) professor (es) traz (em) para essa situação, avaliando e tomando decisões de um modo informado e sistemático. Quando se pensa em ensino da Matemática, a reflexão pode partir de diversos aspetos, uns relativos à organização e gestão da sala de aula, outros relativos à compreensão matemática, isto é, à medida que se “conversa reflexivamente com a situação” vai-se sendo capaz de tornar explícito o seu conhecimento matemático – falar sobre os procedimentos e não apenas descrevê-los (Serrazina, 1999).

Os professores são conduzidos, através da reflexão na sua própria prática, e, especialmente, através da reflexão sobre ela a obter uma visão crítica do contexto estrutural ou ideológico em que estão a trabalhar. Um papel essencial é jogado pela reflexão sobre o conteúdo a ensinar, sobre as suas próprias práticas e sobre o que é o ensino e a aprendizagem da Matemática, podendo levar à alteração de crenças e conceções sobre o que é ensinar Matemática e da relação do professor com a Matemática (Thompson, 1992).

Ensinar constitui uma forma de reflexão na ação, isto é, reflete-se sobre os acontecimentos e sobre as formas espontâneas de pensar e de agir de alguém, surgidas no contexto da ação, que orientam a ação posterior. Mas, segundo Kemmis (1985), a reflexão deve ser orientada para a ação e o seu significado em relação a um contexto ou situação – no nosso caso o ensino da Matemática. Só a reflexão não chega, ela tem de ter força para provocar a ação, isto é, levar os intervenientes a repensar o seu ensino da Matemática. Este processo pode ser potenciado se existir um ambiente propício, como, por exemplo, uma equipa colaborativa como uma forma de enriquecer a reflexão individual. Esta equipa de reflexão funciona como o espaço onde se colocam e discutem as questões que resultam da prática, onde se sentem novas necessidades e se constróem novos conhecimentos (Serrazina, 1999).

O professor investigador tem de ser um professor reflexivo, mas trata-se de uma condição necessária e não de uma condição suficiente, isto é, na investigação a reflexão é necessária mas não basta. Na verdade, a reflexão pode ter como principal objetivo fornecer ao professor informação correta e autêntica sobre a sua ação, as razões para a sua ação e as consequências dessa ação; mas essa reflexão também pode apenas servir para justificar a ação, procurando defender-se das críticas e justificar-se. Assim, a qualidade e a natureza da reflexão são mais importantes do que a sua simples ocorrência. Consideramos pertinente a perspetiva de Zeichner (1993), quando sustenta que “o importante é o tipo de reflexão que queremos incentivar nos nossos programas de formação de professores, entre nós, entre nós e os nossos estudantes e entre os estudantes” (p. 50).

Os professores que refletem em ação e sobre a ação estão envolvidos num processo investigativo, não só tentando compreender-se a si próprios melhor como professores, mas também procurando melhorar o seu ensino. Para Stenhouse (1975), o profissionalismo do professor investigador envolve:

O empenhamento para o questionamento sistemático do próprio ensino como uma base para o desenvolvimento; O empenhamento e as competências para estudar o seu próprio ensino; A preocupação para questionar e testar teoria na prática fazendo uso dessas competências; A disponibilidade para permitir a outros professores observar o seu trabalho – diretamente ou através de registos e discuti-los numa base de honestidade.” (p. 144)

Esta perspetiva pressupõe que ensinar é mais do que uma arte. É uma procura constante com o objetivo de criar condições para que aconteçam aprendizagens. Vários autores consideram que todos os professores possuem o que Argyris e Schön (1974) designaram por teoria de ação, que determina a sua prática e que é definida como “uma teoria de comportamento humano intencional que é uma teoria de controle mas quando atribuída ao agente, também serve para explicar ou predizer o seu comportamento” (p. 6).

Em cada teoria de ação dum determinado professor podem distinguir-se duas componentes: as teorias defendidas e as teorias em uso.

As primeiras são as que justificam ou descrevem o comportamento, isto é, o que uma pessoa diz sobre o que faz e as últimas são o que uma pessoa faz ou o modo como operacionaliza as suas teorias defendidas (Argyris e Schön, 1974).

Os professores investigadores devem ter tempo para investigar as suas teorias de ação. Para isso têm de começar por explicitar as suas teorias defendidas (o que dizem sobre o ensino) e as suas teorias em uso (como se comportam na sala de aula). Só avaliando as compatibilidades e incompatibilidades que existem entre estes dois elementos da sua teoria de ação e os contextos nas quais ocorrem serão os professores capazes de aumentar o seu conhecimento do ensino, dos contextos e de si próprios como professores. Pode dizer-se que a reflexão contribui para a consciencialização dos professores das suas teorias subjetivas, isto é, das teorias pessoais que enformam a sua ação.

Os professores reflexivos desenvolvem a prática com base na sua própria investigação-ação num dado contexto escolar ou sala de aula, que constituem sempre um caso único. A prática é sustentada em teorias da educação em relação às quais o professor mantém uma perspetiva crítica. Deste modo, a prática é sujeita a um processo constante de vaivém que conduz a transformações e a investigações futuras. Este processo desenvolvido pelo indivíduo não é privado mas público, isto é, as interrogações surgem num cenário de conversação coletiva que pode ser real ou em sentido metafórico, como referido por Schön (1987).

Na nossa vida pessoal e profissional, a reflexão constitui um elemento importante do processo de aprendizagem. Os trabalhos de Schön (1987) sobre as práticas tornaram claro que “há zonas indeterminadas da prática – incerteza, caráter único e conflito de valores” (p. 6) que necessitam de abordagens flexíveis que permitam, justamente, lidar com situações ambíguas e complexas. As soluções técnicas não ajudam os professores nestas situações. Estes precisam de ser enquadradas de outro modo, como sendo únicas e carecendo de reflexão.

As investigações que têm sido conduzidas sobre as práticas dos professores dão conta de um conhecimento que resulta das suas experiências e sublinham o papel da reflexão crítica para o desenvolvimento profissional. Zeichner (1993), que se preocupa com os processos de investigação educacional e se tem envolvido nas investigações realizadas pelos próprios professores, considera, tal como Argyris e Schön (1974), que o agir do professor na sala de aula é informado pelas suas teorias pessoais. Zeichner (1993) adianta que a reflexão constituiu uma dimensão do trabalho do professor que, para ser entendida, precisa integrar as condições de produção desse trabalho. As escolhas e as opções que os professores fazem têm implicações nas oportunidades que são proporcionadas às crianças e, neste sentido, na justiça social. Assim, um professor que não reflete sobre o ensino atua de acordo com a rotina, aceitando a realidade da escola e os seus esforços vão no sentido de encontrar as soluções que outros definiram por ele.

O professor reflexivo é, então, o que busca o equilíbrio entre a ação e o pensamento e uma nova prática implica sempre uma reflexão sobre a sua experiência, as suas crenças, imagens e valores. Neste sentido, Zeichner e Liston (1996) consideram que há aspetos constituintes das práticas do professor reflexivo como, analisar e enfrentar os dilemas que se colocam na sua atividade, assumir os seus valores, estar atento aos contextos culturais e institucionais, envolver-se na mudança e tornar-se agente do seu próprio desenvolvimento profissional.

Podemos dizer que o ensino reflexivo requer uma permanente autoanálise por parte do professor, o que implica abertura de espírito, análise rigorosa e consciência social. Por exemplo, quando se fala em ensino da Matemática, o professor, inserido na equipa de professores com que trabalha, tem de analisar a situação concreta, perceber os alunos com que está a trabalhar, o que se espera que eles aprendam em Matemática, o que se entende hoje por aprender e ensinar Matemática e o seu papel na formação pessoal e social do aluno. É este processo investigativo realizado pelo professor, em termos individuais e coletivos, que o leva a ação. Para que este processo tenha lugar é necessário que o professor questione e reflita sobre situações de sala de aula e que o faça no contexto da sua equipa.

Esta ação reflexiva confere poder emancipatório ao professor e não pode ser dissociada do contexto social e cultural em que se insere. Implica um “desejo ativo” de transformação no sentido de alterar a situação social onde nos movimentamos, quer seja a escola quer seja a sala de aula. Neste enquadramento, o professor reflexivo é alguém que atribui importância a questões globais da educação, como as finalidades e as consequências do ponto de vista social e pessoal, a racionalidade dos métodos e do currículo e a relação entre essas questões e a sua prática de sala de aula. Assenta, pois, na procura de autonomia e melhoria da sua prática num quadro ético de valores democráticos.

Há muitos tipos de reflexão e de práticas a serem levadas a cabo por diferentes professores em contextos variados. A reflexão pode abrir novas possibilidades para a ação e pode conduzir a melhoramentos naquilo que se faz.

A reflexão pode potenciar a transformação que se deseja e que se é capaz de fazer com os outros. No entanto, para alguns professores a reflexão na prática é muito ameaçadora ou difícil de levar a cabo enquanto outros pensam que reflexão é qualquer coisa que estamos sempre a fazer.

O professor de Matemática pode ser um agente criativo e inovador no processo de questionamento, característico das práticas reflexivas, mas o foco desse questionamento deve estar enraizado nos problemas que afetam o ensino e a aprendizagem. Não há uma única abordagem no processo de pesquisa ou de questionamento – o professor reflexivo deve estar atento à variedade de possíveis opções.

Uma abordagem reflexiva valoriza a construção pessoal do conhecimento e legitima o valor epistemológico da prática profissional (Vieira, 1995), surgindo a prática como elemento de análise e de reflexão do professor. Ao envolver-se em projetos de investigação-ação sobre a prática numa abordagem reflexiva, o professor está a refletir sobre a sua prática, aumentando o seu conhecimento profissional à medida que consegue explicitar diferentes aspetos do seu conhecimento tácito.

A tomada de decisões consciente é um dos atributos que, de um modo geral, se considera nos professores reflexivos. Esta tomada de decisões tem por base um corpo de conhecimentos sólidos, que os professores reinterpretam de acordo com cada experiência que vivem. A intuição, a sensibilidade, as questões éticas e a consciência sociocultural são outros aspetos referidos na literatura como constituintes do movimento da prática reflexiva.

A discussão em torno das práticas reflexivas e do professor reflexivo está em aberto. Muitas questões podem ser colocadas: Como é que os professores percecionam a reflexão? Reconhecem o seu papel na educação? E na sua prática profissional? A reflexão é um modo de estar? É uma técnica? Começa a haver em Portugal e também na Educação Matemática estudos empíricos que procuram responder a estas questões, nomeadamente alguns dos trabalhos incluídos neste livro.

Quando pensamos no desenvolvimento profissional dos professores, surgem muitas das questões anteriores. Como podem os professores, particularmente os que se encontram em início de carreira, desenvolver o seu repertório pedagógico? Como podem os professores potencializar o processo reflexivo? De que forma esta abordagem pode ajudar os professores a fazerem uma gestão de currículo, nomeadamente de Matemática, de modo mais flexível, correspondendo a uma autêntica diferenciação pedagógica?

O movimento da prática reflexiva levanta outro tipo de questões de natureza epistemológica, que se podem colocar do modo seguinte: Que conhecimento é gerado pelas práticas reflexivas? Quem o usa? Como se relaciona com o conhecimento gerado por outras formas? Qual é o seu estatuto? O que o distingue do chamado conhecimento formal? É este conhecimento apolítico ou neutral do ponto de vista dos valores?

Na sociedade plural em que se vive, caracterizada pela conflitualidade, incerteza e complexidade, os professores precisam de desenvolver uma prática reflexiva no sentido de transformar a sala de aula. As práticas reflexivas na medida em que envolvem equipas de professores em trabalho colaborativo podem constituir um modo de lidar com a incerteza, encorajando a trabalhar de modo competente e ético.


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