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O admirável professor Esperança – Pedro Adão e Silva

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Em novembro vi noticiado que, pela primeira vez na sua história de 40 anos, a Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa, fechava as portas por causa de uma greve de funcionários não-docentes. Num contexto em que as escolas fecham demasiadas vezes, por motivos certamente atendíveis, é de facto notícia uma escola que manteve sempre as portas abertas para receber os alunos. Igualmente surpreendente era o relato na Lusa: por volta das 8h40, o diretor da escola, Manuel Esperança, dirigiu-se aos alunos para anunciar que não iam ter aulas. A notícia foi recebida com natural contentamento, tendo o diretor ripostado, “tenham juízo. Vão sair e vão para as vossas casas, não quero que nada de mal vos aconteça”.

Quem tenha estado atento também teria dado conta de que a José Gomes Ferreira foi uma das escolas que sempre resistiu às greves aos exames. Num dos últimos casos, em 2017, o mesmo Manuel Esperança confessava à comunicação social discordar que se fizesse greve no período de exames, pois “não devemos de maneira nenhuma pôr em cheque ou utilizarmos como moeda de troca os alunos”. Para proteger os alunos de uma greve desproporcional, além de convocar o número mínimo de professores necessário à vigilância dos exames (por não saber quem de facto iria comparecer), o diretor da escola decidiu chamar suplentes, de modo a colmatar eventuais faltas. Os exames fizeram-se e a maioria dos professores até acabou por regressar a casa.

Mais de um ano depois, por causa deste episódio, o professor Esperança foi alvo de um processo disciplinar, suscitado pelos sindicatos dos professores. Em setembro, chegou a decisão, devidamente homologada pelo ministro da Educação. Dado como culpado e alvo de uma repreensão escrita por ter colocado os interesses dos alunos em primeiro lugar, Manuel Esperança pediu a aposentação antecipada e deixou a escola. Como confessou ao “Público” há dias — único jornal em que vi referência ao assunto —, estava “magoado”, mas a sua “obrigação era para com os alunos, que tinham de ter garantidas todas as condições para poderem realizar os exames”.

Como antigo aluno da José Gomes Ferreira, posso ser mais sensível ao que se passa nesta escola e ao papel notável exercido ao longo de décadas pelo seu diretor. Mas temo que a questão seja mais profunda. Não só há mais 16 diretores nas mesmas circunstâncias do professor Esperança (vão também ser repreendidos pelo ministro?), como a figura do diretor é fundamental para assegurar que a escola pública é uma organização hierárquica, com uma liderança, capaz de aplicar as políticas educativas. A alternativa a este modelo que vigora desde 2008 é um funcionamento horizontal, que ameaça diariamente aquela que deve ser a prioridade da escola: ensinar e servir a comunidade. A repreensão ao professor Esperança foi, na verdade, uma repreensão a todos os diretores que colocam os alunos em primeiro lugar.

 

Fonte: Expresso

1 COMENTÁRIO

  1. Este comentadeiro da nossa praça é já bastante conhecido pelo seu ódio aos professores do ensino básico e secundário.
    Utilizando alguns truques torpes do baixo comentadorismo deturpa os factos e promove, de forma falsa, uma má imagem dos professores.
    Quando refere “a José Gomes Ferreira foi uma das escolas que sempre resistiu às greves aos exames” usa de manipulação torpe ao sugestionar os leitores que as greves aos exames são frequentes. O que é falso! Salvo erro, terão ocorrido duas nos últimos trinta anos. Numa até foi aplicada requisição civil, com negação do direito à greve dos professores. Induz ainda em erro ao sugerir que as outras escolas não “resistiram”, não tendo os alunos realizado os exames. O que também é falso! A larga maioria das escolas realizou os exames.
    É conveniente esclarecer que quando uma escola se mantem aberta não é por o seu diretor colocar os alunos em primeiro, antes pelo contrário.
    Se os diretores colocassem os alunos em primeiro então todas as escolas com amianto nas coberturas deveriam fechar. Pois o amianto mata os alunos.
    Quando as escolas têm salas com temperaturas abaixo de cinco graus, onde chove copiosamente e por vezes há ratos (algo que o distinto comentadeiro de ar bronzeado deve desconhecer em absoluto), deveriam também fechar sem apelo nem agravo. Pois estas condições não são benéficas para os alunos.
    Se a segurança dos alunos é posta em causa pela contante falta de trabalhadores que impede a vigilância e o devido acompanhamento dos alunos, as escolas deveriam fechar.
    Quando os alunos são cobaias de teorias de flexibilidades inflexíveis e pseudo-inclusões, elaboradas por senhores emproados de rabo sentado nos gabinetes climatizados, que desconhecem por completo a realidade, as escolas também deveriam fechar. Estas teorias fantasiosas visam apenas o preenchimento de células em folhas de cálculo com valores bonitos para a OCDE ver, porque dos alunos, os emproados de gabinete não querem saber.
    Quanto ao tal diretor tem o que merece “Dura Lex sed Lex”. O que lhe faltava era ainda dar um ou dois anos de aulas sem o suplemento remuneratório e talvez entendesse por que motivo os professores fazem greve.
    Voltando ainda ao texto, considero que este tipo de comentadorismo tendencioso é recorrente em Portugal. Para quando a divulgação dos “jornalistas” avençados do BES que constam dos Panama papers? Será preciso chamar o Rui Pinto?

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