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Nesta creche, as educadoras nunca estiveram longe e a transparência é o segredo

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De passo decidido e ansioso, como quem pisa o chão em direção à sua casa. Embora um tanto trapalhão, mostrando ter anos de vida insuficientes para uma passada mais experiente. Foi assim que a pequena Mariana chegou para mais um dia na sua creche, o CAI (Centro de Acolhimento Infantil) Vale Fundão I, em Marvila, Lisboa. Apesar da reticência da mãe, que lhe pedia a mão, seguiu caminho sozinha, com o olhar focado num único ponto. “Bom dia, Mariana. Tão gira, de totós”, elogiou a educadora, ainda ao longe. Mas ela ignorou e continuou, já muito perto do portão, apressando-se a arregaçar as mangas da camisola cor-de-rosa. Sem que a alertassem, Mariana pressionou a embalagem de álcool-gel ali colocada à entrada e esfregou as mãos, sempre atenta aos movimentos circulares que repetia. Depois, ainda de ar independente, esfregou a sola dos sapatos no tapete desinfetante. E lá foi ela.

A consciência das crianças perante a necessidade de medidas extraordinárias, devido à pandemia de covid-19, foi uma surpresa para Rosa Lourenço, diretora deste estabelecimento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que alberga mais de 60 crianças. Depois do encerramento de portas em março, por ordem do governo, o regresso, a 18 de maio, foi esperado com ansiedade. “Quando fechámos, em março, já estávamos no segundo trimestre, já havia uma relação estabelecida com os pais e com as crianças. Os que saíram bebés e que agora estão a regressar estão a estranhar. Já não têm noção de quem era a educadora, porque eram muito pequenos e não é possível essa referência”, conta.

À semelhança do que aconteceu entre a comunidade escolar, nos dias anteriores à divulgação das regras para a reabertura das creches, admite a apreensão sobre como reagiriam as crianças ao ver as educadoras novamente e, desta vez, de máscara no rosto – tornando difícil o reconhecimento imediato. Mas o que se seguiu “foi fantástico”, diz Rosa Lourenço. A representante deste estabelecimento lembra que, no primeiro dia, “o que a educadora fez quando os recebeu foi afastar-se e retirar a máscara, para mostrar [o rosto]”, mas que nenhuma criança estranhou. “As crianças, realmente, são muito resilientes e aprendem com uma capacidade completamente diferente da dos adultos.”

Transformar a escola num local seguro

Lida a sentença, que ditou o fecho de todos os estabelecimentos de ensino no país, dias após serem conhecidos os primeiros casos de covid-19 em Portugal, milhares de educadores viram-se na urgência de encontrar soluções para continuar em contacto com as suas crianças. No CAI Vale Fundão I, “ainda ficámos dois dias por cá, para organizarmos”, recorda Rosa Lourenço. No entanto, nesta creche, a ausência nunca aconteceu realmente.

Semanalmente, os educadores contactavam as famílias, falavam com os pais e as crianças, “para perceber como é que estavam a organizar-se”. As respostas que chegavam do outro lado assemelhavam-se umas às outras: os pais mostravam-se cansados com a conciliação entre a vida laboral e cuidar dos filhos, durante todo o dia, no mesmo espaço. O que motivou uma mudança na atuação dos educadores junto das famílias. A partir daquela altura, cada um estava encarregue de dar algumas sugestões aos pais, ideias para entreter os filhos.

Mas maio chegou e, com ele, o desafio de transformar uma creche no local mais seguro possível. Inicialmente, conta a representante do estabelecimento, “abrimos três salas: uma que tinha os bebés, outra para as crianças de um ano e outra para as de 2 anos”. Também o momento das refeições teve de sofrer alterações. Para evitar amontoamento de crianças no refeitório, a creche encontrou espaços alternativos para a hora da alimentação e dividiu-as por grupos.

Retiraram grande parte do material das salas, “que estavam mais apetrechadas [do que agora]” e desenvolveram um sistema de rotação de brinquedos. “Fizemos kits de material e a ideia é que a sala tenha sempre brinquedos com determinadas funcionalidades: de manhã estão aqueles brinquedos, à hora de almoço retiramos, higienizamos e colocamos outros com a mesma funcionalidade pedagógica”, lembra. Ainda que o objetivo fosse passar grande parte do dia fora das salas, um procedimento que já é hábito nesta creche. Nem a chuva os trava. “Gostamos muito de os trazer para o ar livre, deixá-los explorar”,a relva, a terra.

A regra mais complexa de cumprir, revela Rosa Lourenço, passa pela distância social. Neste tema, é perentória: “Dissemos logo aos pais: “Se quer que o seu filho venha, não vamos garantir que ele vai brincar sozinho num canto.” A creche não serve para isso. É um lugar de socialização, de brincar. Não é cada um por si, não. Portanto, os pais sabiam que eles iam brincar entre si, que iam correr juntos, saltar.”

O segredo, diz, está em ser transparente com as famílias e informar de todos os procedimentos ou mesmo suspeitas. “O facto de os pais virem com confiança na equipa é meio caminho andado para que tudo corra bem”, remata.

DN