Ainda o ano letivo não tem um mês e já foram noticiados, no país, vários casos de agressões a professores. O mais recente, ocorreu ontem aqui nos arredores de Braga, protagonizado por um aluno. Também nesta semana, por aqui, uma encarregada de educação, baseada somente no relato do seu filho, apresentou queixa de uma professora, que apenas se fez respeitar, sem qualquer tipo de agressão física ou verbal ao aluno. Como sói dizer-se, soube pô-lo no seu lugar, que é o do respeito. A senhora disse o piorio da professora ¬— que tem reputação profissional imaculada há mais de trinta anos — e prometeu participar o caso ao Ministério da Educação, se a escola não atuar (como ela entende que deve atuar, claro).
O que há de comum nestes dois casos e em muitos mais? A falta de autoridade dos professores e a mais desprezível falta de respeito com que são tratados, desde a tutela até aos alunos, passando por muitos e muitos encarregados de (des)educação.
É óbvio que, à cabeça deste interminável séquito, têm de estar aqueles que cometem tais atos, sobretudo quando esses actantes transportam o epíteto acima referido. Faltam-me adjetivos para qualificar a baixeza e a cobardia desta forma de estar em sociedade, palavras para elencar os (des)valores que tal postura e tais atitudes transmitem às novas gerações, palavras para enumerar os danos causados, a curto, a médio e a longo prazo. Urge pegar esse touro pelos chifres! E não podem ser as vítimas, sozinhas, a fazê-lo. Temos de ser todos nós, os professores e a sociedade em geral, porque todos somos lesados.
Dito isto, passemos então à negra hierarquia dos diferentes contribuintes para este autêntico auto de fé. Quem são e que responsabilidades partilham? Vejamos:
— aqueles que, há quase duas décadas iniciaram uma autêntica intifada contra os professores, colocando-os e abandonando-os no patíbulo social, com inúmeras insinuações de incompetência, de falta de profissionalismo, com perseguições constantes, com desautorizações sucessivas; enfim, aqueles que colocaram os professores numa posição de extrema culpabilização, de extrema desautorização e de extrema vulnerabilidade (são, a meu ver, responsáveis morais por todos estes “castigos” que já vão fazendo parte da rotina escolar);
— aqueles que herdaram os lugares e as responsabilidades deste primeiro grupo: de forma mais ou menos acentuada, têm enriquecido esse tristíssimo legado, seja por ações concretas, que diminuem a autoridade dos professores, seja pela desconfiança que semeiam diariamente (enquanto vedem UBUNTU e outras flores), seja pelo silêncio conivente, quando estas inadmissíveis cenas estilhaçam estrondosamente o nosso quotidiano;
— aqueles que, sendo máximos responsáveis pelos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, apenas se preocupam com a escalada dos números do sucesso, sem se importarem com aqueles que, diariamente, vão sendo pisados nessa inexorável e implacável caminhada; muitos, nestas situações, silenciam a voz coletiva, a voz da indignação, a voz da razão e da civilização, e deixam os ex-colegas, as vítimas, à mercê da barbárie; aqueles que não têm coragem de punir devidamente todos os que faltam ao respeito aos professores; aqueles que, agindo desta forma, semeiam agressões futuras (o medo, a desunião e a desproteção estimula os agressores);
— aqueles que, tendo outros cargos intermédios nas escolas, mais não fazem senão obedecer, impondo aos colegas (porque também alguém o fez com eles) o razoável e o não razoável, o legítimo e (não raras vezes) o ilegítimo, o que está e o que não está no quadro de incumbências e de competências de uns e de outros (faz-se porque sim, porque “Eles disseram que tinha de ser feito, e não custa nada”, mergulhando-se, assim, num autêntico mar de sujeições, de abusos, de sobrecargas… de corrosão da imagem e da autoridade dos professores);
— aqueles que, não ocupando cargos de coordenação (professores-soldados), pautam o seu dia a dia por um monocórdico assentimento a tudo o que vem de cima e dos lados, sem ânimo para delimitarem claramente o seu território, para exprimirem o que lhes vai na alma; aqueles que, com demasiada frequência, até ganham coragem para hostilizar os pares que vão dizendo “não”, que vão refrescando diariamente, a muito custo, a circunferência da sua inviolável individualidade profissional (espécie cada vez mais rara e mais vulnerável nas nossas escolas);
— aqueles que — por falta de educação, de formação ou simplesmente porque a indefinição e a entropia reinam — vão invadindo os espaços pedagógicos dos professores sem as devidas formalidades; aqueles que, no trato e no relato, voluntária ou involuntariamente, consciente ou inconscientemente, vão corroendo — aos olhos dos alunos — a delicada imagem e a autoridade dos professores;
— aqueles que, em casa, sem prurido algum, diante dos filhos, falam dos professores como quem fala de uma horda de calaceiros, incompetentes e faltosos; aqueles que ensinam os filhos a não se ficarem diante de uma reprimenda de um professor; aqueles que, por óbvias e lamentáveis razões, “não sabem o que fazem”!
Urge, pois, criar um facto que abra uma fissura decisiva no tempo, separando este lodaçal humano daquilo que pretendemos realmente ser, da sociedade que pretendemos construir. Urge vincar bem um ponto de rutura e de viragem, das tormentas para a boa esperança.
Sem prejuízo de outras ações concomitantes — legislativas, de reforço de segurança, ações judiciais… — penso que os professores de Portugal deveriam parar um dia, deixar os muros e gradeamentos escolares, para se concentrarem nos lugares centrais de cada localidade, para aí gritarem ao país — ao país civilizado e ao outro — que basta de maus-tratos profissionais, que basta de selvajaria, que basta de trogloditismo. Deveriam ir aos rossios, nesse dia de luto, convidar a gente de bem, quem não se revê nesta primitiva forma de estar a demarcar-se destes energúmenos, para que eles sintam que têm de mudar, que têm de RESPEITAR MUITO, MAS MUITO MESMO, aqueles que põem os seus filhos nas verdes passadeiras do progresso e da civilização.
Urge pôr termo a esta miséria!
