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Ministério instaura processo a director escolar que quis contratar a mulher. Há mais visados

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A contratação de uma animadora sociocultural redundou na instauração de processos disciplinares a três professores, entre os quais o director do agrupamento de escolas onde a técnica iria exercer funções. Os directores são os responsáveis pelos processos de contratação de escola, só que no caso em apreço este fez o que não podia fazer: ter parte activa no concurso em que a sua mulher era a favorita para ocupar o lugar.

 

O caso iniciou-se em Agosto de 2022 e tem como epicentro um agrupamento de escolas de Palmela, que integra o programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). A instauração dos processos disciplinares foi proposta em Fevereiro passado pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), a quem foi entregue a instrução. Segundo informação do Ministério da Educação, os processos estão ainda em curso.

 

O relatório final da IGEC, a que o PÚBLICO teve acesso, informa que foram recolhidos “indícios de infracção disciplinar”, nomeadamente pelo facto de o director ter tido “intervenção num procedimento no qual se deveria ter declarado impedido de intervir atento o facto de um dos candidatos ser cônjuge do mesmo”. Os outros dois visados são a ex-subdirectora e um dos professores do agrupamento, porque enquanto presidentes dos júris dos concursos adoptaram os subcritérios de selecção definidos pelo director quando, por lei, lhes competia essa atribuição.

 

Indo por partes. No relato pormenorizado elaborado pela IGEC, indica-se que o presidente do Conselho Geral, o órgão máximo de gestão da escola, reconheceu a utilidade de o agrupamento contar com um animador sociocultural, mas frisou que esta contratação não tinha um carácter prioritário “dentro daquela que é a missão do agrupamento”.

 

Nas suas respostas à IGEC, especificou ainda que interpelou o director sobre esta mesma questão e que este lhe respondeu que aquela contratação era uma “acção em resposta ao seu projecto de intervenção”.

 

O concurso foi lançado a 30 de Agosto pelo director, que assinou também a lista ordenada dos candidatos: concorreram 26 pessoas, tendo a sua mulher sido seleccionada para o lugar por ter a classificação mais elevada.

 

Este concurso foi presidido pela então subdirectora do agrupamento, a qual confirmou posteriormente que os critérios de selecção lhe tinham sido apresentados pelo director, “que, por norma, procedia à sua elaboração”.

“Lapso”, revogação e novo concurso

Durante a instrução do caso, iniciada em Outubro, a IGEC questionou os membros deste júri “sobre se tinham conhecimento de que a esposa do director do agrupamento era uma das candidatas”. A resposta foi positiva: tiveram “conhecimento desse facto quando, no âmbito do procedimento concursal, foram confrontados com o nome da candidata, que já conheciam”. Um dos elementos do júri referiu ainda que “a candidata em causa já tinha desempenhado as funções de animadora sociocultural no agrupamento”.

 

Este concurso acabou por ser revogado pelo próprio director a 7 de Outubro. No despacho que produziu a este respeito, dá conta de que, “por lapso, houve participação no concurso por parte do director”, especificando de seguida que estava impedido de o fazer nos termos do artigo 69.º do Código do Processo Administrativo (CPA).

 

O artigo do CPA citado pelo director do agrupamento no seu despacho é o que determina os “casos de impedimento” de participação em actos ou contratos por parte de titulares de órgãos da administração pública. Um desses casos respeita precisamente à intervenção em situações em que “tenham interesse o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas”.

Identificado o “lapso”, o responsável pelo agrupamento de Palmela não desistiu, contudo, da contratação de um animador sociocultural, tendo delegado poderes na então subdirectora para a abertura de um novo concurso, o que foi concretizado a 18 de Outubro. A composição do júri foi diferente, mas os “critérios e subcritérios de selecção são exactamente os mesmos que haviam sido utilizados” no primeiro concurso, destaca a IGEC no seu relatório.

 

A IGEC clarifica, a este respeito, que os critérios objectivos para a contratação de técnicos especializados pelas escolas estão definidos na lei, “pelo que teriam de ser forçosamente iguais”. São eles a avaliação de um portfólio, a ponderação dos anos de experiência e a realização de uma entrevista para aferição das competências dos candidatos.

 

Já ao júri compete fixar “os parâmetros de avaliação, a sua ponderação, a grelha classificativa e o sistema de valoração final de cada método de selecção”, missão que pelos testemunhos recolhidos pela IGEC acabou por ser desempenhada pelo responsável do agrupamento. A candidata seleccionada neste segundo concurso voltou a ser a mulher do director.

 

Princípios em causa

Interpelado pela IGEC, o presidente deste segundo júri garantiu que este “actuara com total independência e autonomia e que não tinha existido qualquer intervenção do director no processo”. A inspecção frisa, contudo, que este teve “intervenção no processo de definição dos critérios/subscritérios usados nos dois procedimentos concursais, competência que não lhe está atribuída” pela legislação em vigor.

 

Conclui também que a então subdirectora do agrupamento e o júri do segundo concurso não zelaram pelo cumprimento das funções que lhes competiam. Deste somatório resulta, segundo a IGEC, que o segundo concurso se encontra também “marcado por diferentes irregularidades que comprometem de forma clara os princípios da legalidade, da imparcialidade e da boa-fé, que devem nortear a actuação da administração nas suas relações com os cidadãos”.

 

É esta a conclusão que apoia a proposta de “instauração de procedimento disciplinar” aos três professores referidos, bem como a anulação do concurso aberto em Outubro passado, cujos resultados continuam afixados no site do agrupamento.

 

O PÚBLICO questionou o director do agrupamento, que remeteu para o Ministério da Educação eventuais informações sobre o caso.

Público