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Menos Ódio Por Favor – Inês Duque Vieira

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Estou há 18 dias em casa com três crianças. Saí três vezes para ir ao supermercado. Sei que sou privilegiada e o espaço que tenho em casa permite-me manter a lucidez, afastar o medo e apenas viver este desafio da vida de forma lenta e tranquila.

Quando decidi isolar-me assinei o jornal expresso online e prometi a mim mesma não ligar a televisão nos canais noticiosos a não ser em situações excepcionais. Além disso, decidi também que só via as notícias depois de deitar as crianças e que só nessa altura me permitiria chorar. A verdade é que choro todos os dias, nalguns deles fora das “horas programadas”, mas tenho sempre conseguido não lhes mostrar as minhas lágrimas.

Passamos os dias numa rotina sem grande rotina. Além das horas de estudo e da hora de deitar, o resto é tempo livre. Já fizemos uma horta e continuamos a tentar fazer uma casa para anões. Andamos de baloiço, de patins e descalças na relva. Estamos bem. Serenas, tranquilas e acima de tudo lúcidas.
O contacto com os outros, nos dias que correm está facilitado. Entre whatsapp, instagram e facebook, juntaram-se agora o house party e o zoom como forma de estarmos perto de quem está longe.
E estes meios têm servido também para que as pessoas exponham o que sentem. Já vi filmes lindos, fotos maravilhosas e músicas inspiradoras. Criaram-se movimentos fantásticos e a solidariedade cresceu. Aplaudem-se heróis, agradece-se o esforço de todos e é simplesmente fantástico.

Mas não é só isso.
Estes canais de comunicação passaram a ser também um lugar de ataque, de raiva, de ódio, de reclamação e de maldade.
Eu sei que o medo tolda o coração. Eu sei que a tristeza, a angústia e o sentimento de injustiça não traz o melhor de nós. Mas acho que este é o derradeiro esforço: parar o ódio. Vamos parar de odiar por favor?

Eu fico em casa mas não posso odiar quem estava na ponte 25 de abril ontem. Eu fico em casa mas não posso odiar quem não fica. Todos devíamos ficar em casa, mas eu não posso odiar.
Posso fazer o que acho correto mas não posso odiar.

Já li pessoas desejarem a morte a outras. Pessoas que estão em casa, que estão a cumprir com aquilo que acham que é a sua obrigação moral, desejar a morte aqueles que não ficam. Em que é que isso nos torna melhores?
“Este vírus devia apenas matar os idiotas que saiem à rua.” Como assim?? Este vírus não devia matar ninguém!!!

“Espero que quando chegar a vossa vez não tenham ventiladores” Como assim???? Eu fico em casa mas desejo a morte a outros?!?!? Como é que isso fará de mim alguém melhor?
“A Igreja católica só deu não sei quantos ventiladores. Que vergonha.” Como assim? Desde quando se contam em números atos de solidariedade?
Menos ódio por favor.

Sendo uma pessoa sensitiva não é fácil para mim sentir o mundo assim. A angústia, o medo, a agitação da humanidade vem para os meus ombros, para o meu coração, para o meu pensamento, a cada segundo e é avassalador. Mas agora, além do medo, sinto a raiva e o ódio. O mundo está a odiar mais. A incerteza e o medo, o desconhecido e até o conhecido, neste momento estão a trazer sentimentos de raiva e ódio que estão a pesar cada vez mais.

Sim, fiquem em casa mas foquem-se no bom disso. Há sempre um lado bom nisso. Não no vírus ou na doença, não na morte e no medo, mas no ficar em casa. O tempo que dizemos andar tão depressa, de repente, abrandou. Não era o que pedíamos?
Vamos dar o exemplo só. Vamos sorrir, fazer bolos, passar os dias de pijama aos beijos aos que adoramos, vamos fazer jogos online uns com os outros, mas por favor, vamos parar de odiar. E quando a raiva chegar ao nosso coração (sim, ela chega, é humano) vamos só reconhece-la, isola-la também e não a vamos partilhar. Partilhemos só o bom. Mostremos que estamos em casa, ponhamos um hastagg a dizer para ficar em casa, mas por favor paremos de partilhar o ódio. Que saibamos sempre partilhar amor, solidariedade, compaixão, fé e esperança. Mostremos o lado bom. Vamos espalhar tanta energia positiva que aqueles que saem à rua vão sentir vontade de ficar em casa. Vamos parar de nos queixar porque do outro lado da rede social pode estar alguém desesperado que simplesmente quer desistir.

Cada um está no seu caminho e ninguém é melhor do que ninguém.
A mim salva-me a meditação e o contacto direto com a terra e com as minhas miúdas para controlar esse sentir que não é meu, que me esmaga, pelo qual tenho uma compaixão enorme, mas que não posso permitir que tome conta de mim. Eu também sinto a raiva a chegar, mas tenho conseguido manda-la embora, para o lugar dela, no vazio que nada é.

Não sou das que acredita que este vírus é uma benção, mas também não sou das que acham que não temos nada a aprender com os efeitos que ele provocou.
Entretanto vou regar a horta, ver uns cravos lindos que estão ali a desabrochar e eventualmente chorar um bocadinho. Acho que este ano esta terra dará flores campestres lindas, onde deixei cair as lágrimas de perdão.

Inês Duque Vieira

1 COMENTÁRIO

  1. A estas palavras acrescento mais um bocadinho de destaque para pedir para pararem de dizer que este vírus veio para nos tornar melhor…que a poluição diminuiu…que os animais agradecem…como se nós humanos fizéssemos tudo errado…que não prestamos…sendo assim para quê ficar em casa e nos protegermos a nós e ao outros?? Haja saúde física e mental para todos e que isto volte depressa à normalidade!

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