“Mais de 6 mil docentes no topo“, diz o Expresso na 1ª página (e o Público anteontem). É a insistente estratégia comunicacional da última década e meia, com o objectivo de precarizar os professores que ainda são cerca de 47% da administração central; e o olhar orçamental não resiste em desinvestir nos professores. E é também por isso que a crescente falta de professores é imparável. Já nada há a fazer de civilizado para o curto e médio prazos. Por exemplo, a ideia apressada de um professor leccionar várias disciplinas (onde o modelo existe com decência existem anos de preparação séria na formação inicial e profissional), não reduz o investimento e degrada o que existe. Leia-se, adaptado, um jovem professor que emigrou para onde o desnorte começou há mais de uma década: “em Inglaterra, um professor lecciona qualquer disciplina, basta ter um canudo, mas isso reduz a exigência e deteriora a qualidade de ensino. Para ensinar uma infinidade de conteúdos, e não é possível saber de tudo ao mesmo tempo, tem que se “simplificar” o ensino. Portugal também vai por aí? E regressar por 1200 euros por mês? A 500 quilómetros de casa?“. Só haverá dois modos de atenuar a falta de professores: acabar com várias disciplinas ou reduzir os dias lectivos semanais (um estado americano ultraliberal reduziu para três, mas os mentores duraram pouco) e transformar as escolas em armazéns a tempo inteiro com “guardadores” contratados em plataformas no “modelo-Uber”.
E como as primeiras páginas teimam na desinformação, resta-nos repetir o óbvio: há 115 índices remuneratórios na administração pública (a imagem é do site da Direcção-Geral da Administração e Emprego Público). O topo dos professores está no 57º lugar (sublinhei na imagem). Há 58 índices remuneratórios acima dos professores e o topo recebe quase o dobro; e mais 120% do que a média.
Para além disso, um coro mediático repete há muito que “os professores não podem chegar todos ao topo” e, não raramente, argumenta com as hierarquias militares. De modo sucinto, diga-se que um brigadeiro não realiza as tarefas de um tenente e vice-versa, mas um professor do 1º escalão pode leccionar a mesma turma que um do 10º. O cerne da profissionalidade dos professores é a sala de aula e as progressões oxigenam uma carreira horizontal. O conceito de topo não existe. De resto, há uma discussão sobre direitos e deveres a recuperar (algo de preocupante estará a acontecer quando a sociedade não se questiona sobre a perda de direitos fundamentais que exigiram lutas determinantes). Desde logo, civilizar os horários laborais para que as famílias tenham tempo para as crianças, e rejeitem a incivilizada escola a tempo inteiro, e esclarecer que os cortes nos professores atrasaram milhares (mais de 6 mil) na chegada a um escalão máximo que é o 57º da DGAE, que há 60 mil que nunca lá chegarão e que os que entrarem aspirarão ao 80º lugar.
Fonte: Correntes