Oveto de Marcelo — e a persistência de António Costa em não reabrir negociações sobre a recuperação do tempo de carreira congelado aos professores — abriu uma via direta à oposição que o líder do PSD quer aproveitar. O Expresso sabe que Luís Montenegro prepara-se para marcar a rentreé escolar com uma semana de iniciativas dedicadas à Educação, onde irá incluir uma reunião com os sindicatos, que prometeram voltar às greves logo no regresso às aulas (há uma marcada para outubro e avisos para outra em setembro).
A iniciativa do PSD na última semana de setembro não se limitará ao delicado tema da contagem de tempo de serviço — haverá visitas a diferentes escolas pelo país, encontros com pais e diretores e uma conferência final no Porto —, mas o líder social-democrata vai incluí-lo na agenda: Montenegro diz-se “empenhado em propor uma solução concreta” e aproveitará a previsível escalada de contestação no sector para recuperar ali apoios que há muito o PSD perdeu.
EVITAR O ERRO DE RIO
Mas há riscos políticos neste caminho: há cinco anos, Rui Rio passou da frente das sondagens para um mínimo de 21,9% nas eleições europeias, depois de ter alinhado com a oposição de esquerda numa pressão parlamentar sobre Costa para que cedesse aos professores (o que levou o Governo a ameaçar com a demissão e a um recuo final do PSD). Para tentar evitar igual caminho, Montenegro tenta baixar a fasquia, sublinhando que o seu objetivo é “recuperar o tempo possível” — e não todo o tempo, como é exigido sempre pelos sindicatos.
No mesmo sentido, Montenegro tem insistido com o Governo para que torne público o impacto que a medida teria sobre os orçamentos futuros. Sem respostas do lado do Executivo, o PSD procura soluções, seja tentando forçar o Governo a entregá-las por via parlamentar ou identificando um organismo independente que possa fazer as contas, de modo a que o partido se comprometa com uma solução. Com ou sem números, quando reagiu a seguir ao veto de Marcelo, o líder social-democrata deixou um compromisso: “Teremos de ser mais criativos e nós próprios fazer as nossas estimativas. O Governo anda a enganar os professores, eu não quero enganar os professores”, afirmou durante uma deslocação à Madeira, preparando as regionais de setembro.
ARGUMENTOS DE MARCELO NÃO COLHEM
Certo é que, mesmo amparado pelo travão temporário do Presidente, o PSD não partilha os argumentos utilizados no texto que justificou o veto. Luís Montenegro nunca usou o argumento da diferença das soluções encontrada na Madeira e Açores e, sobretudo, já deixou claro que para ele Educação e Saúde não podem ser sectores privilegiados: “Há não sei quantas carreiras, há não sei quantos processos de progressão, não são todos uniformes, não são todos com os mesmos anos, não são todos com os mesmos métodos. Portanto, tinha de se encontrar na Administração Pública, na recuperação das carreiras dos professores e de todos os profissionais da Administração Pública, um critério de alguma uniformidade, alguma justiça relativa”, disse numa entrevista ao jornal online “Eco”, em janeiro. Aqui, traduzindo, Montenegro está mais próximo de Costa do que do Presidente: a serem dados novos passos, devem ser iguais, de forma a não criar mais injustiças ou protestos noutras carreiras da Administração Pública.
Mas se o Presidente exigiu uma “porta entreaberta” para relançar o tema na próxima legislatura, aí Montenegro aproveita para posicionar o partido. E parece alinhado com a Iniciativa Liberal, pelo menos. Os potenciais parceiros de uma coligação pós-eleitoral também não querem uma recuperação de tempo de carreira desfasada de outras carreiras do Estado e também pedem uma recuperação gradual — e não necessariamente total — desses anos perdidos. À esquerda, porém, é isso que os partidos exigem e vão propor: o tempo todo (mesmo que recuperado ao longo de alguns anos). Mas há pontos de contacto: PSD e PCP defendem em uníssono “a eliminação das quotas e vagas para a progressão para os 5º e 7º escalões correspondente a uma exigência central”, por exemplo.
A PALAVRA FICA?
No que depender de António Costa, não haverá mais cedências neste tema nos próximos três anos. O primeiro-ministro não cedeu aos argumentos do Presidente e, para ver o diploma que dá um empurrão nas carreiras a cerca de 60 mil professores, ajustou apenas o preâmbulo da lei, admitindo em abstrato que no futuro a questão volte a ser analisada. A expressão certa não é ainda conhecida, mas no domingo passado o Presidente da República garantiu ter ficado registada uma frase: os resultados do diploma “não prejudicam” novas negociações “em diferentes conjunturas, designadamente em futuras legislaturas”. A palavra “designadamente” foi sublinhada por Marcelo: “Não diz só em futuras legislaturas, é a tal fórmula aberta para esta legislatura”, disse Marcelo, explicando que foi assim que conseguiu que ficasse “uma porta entreaberta” para este mandato ainda.
Porém, ate à hora de fecho desta edição, o Presidente da República ainda não tinha confirmado a promulgação que admitiu no domingo. Pelo que ainda não foi possível confirmar o que mudou na lei após as negociações feitas na escala que Costa fez no Dubai, quando voltava de Timor-Leste: nem o que ficou no preâmbulo nem o que foi possível entregar mais aos professores. A única pista que Marcelo deixou foi que terá sido aceite pelo Ministério da Educação alargar um pouco o âmbito dos professores abrangidos, mas sem grande detalhe.
Com o Executivo em silêncio, o facto é que o pré-anúncio de promulgação acabou por deixar o Presidente mais isolado no tema. Se os sindicatos se vieram a mostrar desiludidos, até conselheiros de Estado próximos de Marcelo — e vindos da direita — acabaram por revelar desapontamento com o final do processo: “Foi uma oportunidade perdida, e teria preferido que o PR tivesse feito um discurso duro sobre a necessidade de restaurar o serviço público de saúde”, disse na CNN Portugal António Lobo Xavier. Horas antes tinha sido Luís Marques Mendes a usar a mesma expressão e a concluir que, “em termos práticos, não vai mudar coisíssima nenhuma”.
É com isso que conta, agora, a oposição: o veto precário e a resistência do Governo deixa um ponto de interrogação sobre o ano letivo que entra. Dentro do Governo acredita-se que a nova lei tira alguns argumentos aos sindicatos, e o tempo deixará cansaço entre os pais. Na oposição sente-se campo aberto para percorrer. O próximo teste eleitoral está marcado para junho, precisamente no final do ano letivo: as europeias. Serão um momento decisivo para a maioria absoluta — até porque as autárquicas do ano seguinte já estarão fora do período em que o Presidente tem disponível a arma da dissolução.
COM FILIPE GARCIA
O QUE DIZ A OPOSIÇÃO
● PSD quer repor “o que for possível”, mas com contas feitas e igualdade de tratamento no Estado.
● IL reclama mudanças na avaliação e fim das quotas de acesso ao 5º e 7º escalões (onde há um acordo bastante alargado da esquerda à direita, tirando o PS).
● O Chega defende uma reposição gradual do tempo de carreira congelado aos professores. Pediu apreciação parlamentar da nova lei do Governo.
● O PCP já levou a votos a recontagem integral do tempo de carreira congelado. E diz que é “indispensável a efetiva garantia de evolução na carreira”.
● Também o BE exige recontagem integral, não recusando que seja feita gradualmente.
Ora, ora… devem ser mais propostas “NIM”, nem carne nem peixe, só para fazer prova de vida e tentar enganar alguns trouxas. Aliás, basta ver as propostas que fizeram para o setor da Educação para se ver que não tencionam resolver nenhum dos problemas de fundo, e não passa tudo de “uma mão cheia de NADA e outra, de coisa nenhuma”.
Comments are closed.