Ecrãs ou livros? Depois de apostar bastante na aprendizagem digital desde a pré-primária, a Suécia está agora a colocar um travão na abordagem hiperdigitalizada da educação e a regressar lentamente ao ensino mais tradicional, à base de papel e caneta. A decisão foi tomada para tentar contrariar os resultados do último “Estudo Internacional sobre o Progresso da Literacia em Leitura” (PIRLS), que mostrou um declínio das competências básicas das crianças suecas nos últimos anos.
Em 2021, os alunos suecos do quarto ano obtiveram uma média de 544 pontos (numa escala que vai até aos 700 pontos) na capacidade de leitura, depois de em 2016 terem registado uma média superior (555 pontos). Apesar do declínio não parecer muito significativo, neste novo ano letivo os professores da Suécia estão a dedicar menos tempo das aulas aos tablets e aos computadores, privilegiando antes o uso de manuais escolares, a prática da caligrafia e da leitura.
Mas ao contrário da Suécia, muitos países estão a investir cada vez mais na transição digital: em Portugal, por exemplo, mais de 20 mil alunos do 3.º ao 12.º ano de 160 escolas já vão estudar com manuais digitais este ano letivo. É a quarta fase do projeto-piloto Manuais Digitais, lançado pelo Governo para substituir gradualmente os manuais em papel.
Este “uso cada vez mais maciço dos ecrãs nas salas de aula merece, pelo menos, uma reflexão cuidada”, considera Micaela Guardiano, pediatra do hospital de São João dedicada ao neurodesenvolvimento. “A relação do professor com o aluno é, sem dúvida, fundamental e não pode ser substituída nem penalizada por um ecrã, um complemento da aprendizagem”, acrescenta.
Por outro lado, a utilização de ferramentas digitais nas escolas aumenta o tempo que os mais novos passam em frente a ecrãs — que em muitos casos já é superior ao recomendado. “E utilizar o ecrã como instrumento de trabalho oficial, que foi aprovado pela escola, faz com que os pais se sintam menos capazes de estabelecer regras e horários”, expõe também. “Os pais às vezes dizem: ‘Eu não posso pedir-lhe para desligar o ecrã porque ele diz-me que está a fazer um trabalho’. Assim a supervisão torna-se difícil”.
“RELAÇÃO NEGATIVA” ENTRE USO EXCESSIVO DE TECNOLOGIA E DESEMPENHO ACADÉMICO
Preocupada com o papel central que os dispositivos eletrónicos estão a ganhar nas escolas por todo o mundo, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura emitiu um apelo global para “colocar os alunos em primeiro lugar”. “A revolução digital tem um potencial imensurável mas, tal como já foram feitas advertências sobre a forma como deve ser regulada na sociedade, deve ser dada a mesma atenção à forma como é utilizada na educação”, afirmou a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay.
Num relatório publicado há dois meses, a agência da ONU alertou para a necessidade de os diferentes países assegurarem que as ferramentas digitais usadas no ensino são benéficas e não causam danos, incluindo na saúde dos estudantes. “A utilização excessiva ou inadequada da tecnologia pelos alunos nas salas de aula e em casa, quer se trate de telemóveis, tablets ou computadores, pode distrair, perturbar e ter um impacto negativo na aprendizagem”, alerta a UNESCO, falando ainda numa “relação negativa” entre a utilização excessiva de tecnologia e o desempenho dos alunos.
Essa relação ficou comprovada na altura da pandemia, aponta Micaela Guardiano. Foi um tipo de ensino diferente e adaptado às atuais circunstâncias: à distância, com mais recurso a dispositivos eletrónicos, e menos escrita e leitura presencial. “Percebemos na consulta que nesta saída da pandemia houve um retrocesso assustador nas competências de leitura e escrita, que se prende exatamente pela maior utilização dos ecrãs para a aprendizagem”, enquadra a especialista em neurodesenvolvimento infantil.
NAS AULAS, “OS TELEMÓVEIS SÃO UMA PERTURBAÇÃO”
Enquanto a Suécia está a recuar no uso dos ecrãs como ferramenta pedagógica, os Países Baixos vão banir, a partir do início do próximo ano, a utilização de telemóveis, tablets e smartwatches nas salas de aula, com o objetivo de reduzir as distrações. “Os alunos precisam de ser capazes de se concentrar e ter a oportunidade de estudar bem. Os telemóveis são uma perturbação, como demonstram os estudos científicos”, justificou o ministro holandês da Educação, Robbert Dijkgraaf, quando anunciou a medida, em julho.
Além de poderem perturbar a aprendizagem no momento da aula, é frequente os telemóveis invadirem os períodos de interação e de brincadeira. “Começa-se a ver muitos miúdos muito isolados com os seus telemóveis nos intervalos. Às vezes são os mais tímidos e inibidos que acabam por se escudar mais atrás do ecrã naquele período em que estão expostos à necessidade de interagir”, nota Micaela Guardiano. Mas, como diz a pediatra, este assunto é “toda uma outra discussão”.