Há famílias que gastam centenas de euros por ano em explicações para colmatar as aprendizagens a que os filhos não têm acesso por falta de professores.”
A afirmação é de uma proprietária de um centro de estudos no coração de Lisboa, que adianta ainda ter “cada vez mais alunos de classe média-baixa e baixa a recorrer a apoio externo à escola. A fonte, que não se quis identificar, explica ao DN ter havido “um aumento exponencial” de pedidos de aulas privadas após a pandemia e, novamente, este ano letivo, por haver alunos “sem aulas a disciplinas sujeitas a exame nacional que já passaram pelo mesmo problema no ano letivo passado”.
“Matemática, Física, Química e Português são as disciplinas mais procuradas, mas o aumento verifica-se na quase totalidade das disciplinas do currículo de 2º e 3º ciclo e Secundário. E há cada vez mais famílias a fazer grandes sacrifícios económicos para dar essa ajuda aos filhos”, sublinha.
A lei da oferta e da procura levou ainda a um aumento do valor por hora de explicações, havendo professores a cobrar 80 euros por hora para aulas privadas, principalmente no Secundário. “Eu não cobro esses valores, mas já tive de encaminhar pedidos para colegas que o fazem porque estou sem espaço para tantos alunos que me procuram. A verdade é que os valores estão elevados, mas mesmo assim há falta de professores disponíveis para dar explicações”, conta a mesma fonte.
“Fatura paga pelos miúdos”
Elisa Cardoso, proprietária do centro de estudos 100 Dúvidas, no Castelo da Maia, também já não tem capacidade para aceitar mais explicandos, numa altura em que “a oferta está muito abaixo da procura”. Esre aumento de pedidos, diz, prende-se com aprendizagens em falta devido à pandemia, mas também “pela falta de professores e pelo facilitismo dos últimos anos”.
“Tenho alunos que tiveram quatro professores de Matemática diferentes desde o início do ano. Outros que estiveram muito tempo sem professor a várias disciplinas. A escola pública não está a dar resposta e a fatura é paga pelos miúdos. Face às dificuldades para acompanhar os conteúdos, têm de recorrer a explicações, com os sacrifícios inerentes para as famílias”, sustenta.
“Senti um aumento em todos os ciclos, e até no 1º ciclo, algo que não era comum há uns anos. Para além dos motivos que já referi, temos também o excesso do número de alunos por turma, o que leva a menos apoio do professor em sala de aula. Uma situação transversal a todos os ciclos”, reforça.
Rui Moreira, presidente da Associação de Pais da Escola Secundária Sebastião da Gama (ESSG) e presidente do conselho fiscal da Federação Concelhia de Setúbal das Associações de Pais faz o mesmo relato e afirma que “os centros de estudo em Setúbal estão superlotados”. “Para além da falta de professores, temos o problema do excesso de alunos por turma, algumas com 28 e com alunos com necessidades educativas especiais. Essas deveriam ter 22 alunos. Os professores acabam por abandonar alguns, porque não conseguem dar apoio a todos, e os pais recorrem a explicações”, denuncia.
Rui Moreira diz também estar a assistir-se a uma gestão escolar de “migração dos professores do 3º ciclo para o Secundário”, por falta de recursos. Os alunos de 3º ciclo ficam, assim, segundo conta, “prejudicados, porque as escolas têm de pesar onde o prejuízo para os alunos é menor”. “A título de exemplo, este ano tivemos uma turma de 9º ano a quem foi retirado o professor de Física e química para o passar para o Secundário. Os alunos acabaram por estar várias semanas sem professor antes que a escola conseguisse contratar outro”, recorda.
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) diz tratar-se de um “ato de gestão, que prejudica os alunos mais novos”. “As escolas precisam de acudir a quem vai fazer exames, mas os alunos mais novos ficam prejudicados nessa gestão. Estas situações anómalas vão continuar enquanto não houver solução para o grande problema da falta de professores”, alerta.
Regime especial nos exames para alunos sem professor
Filinto Lima, presidente da ANDAEP alerta para a “desigualdade e falta de equidade do sistema”, com “pais obrigados a fazer grandes sacrifícios para que os filhos não fiquem prejudicados”.
“A falta de professores está a contribuir para essa desigualdade, que é cada vez mais acentuada”, afirma, pedindo um regime especial para os alunos que vão ser sujeitos a exames nacionais (9º, 11º e 12º ano) e não tiveram professores ao longo do ano.
“Devia haver um enquadramento especial para os alunos que não tiverem professores e vão fazer exames. A nota final de ponderação com exame poderia ser, eventualmente, revista. Os alunos não podem ser prejudicados, sobretudo quando os exames contam para acesso à faculdade”, frisa.
Uma medida que seria vista com bons olhos pela Associação de Pais da ESSG. Segundo Davide Martins – professor e um dos colaboradores do blogue ArLindo (um dos mais lidos no setor da Educação) – há 34 213 alunos sem professores.