Um relatório do IAVE (do Ministério da Educação) informou-nos que, perante uma tarefa simples de literacia da leitura (como identificar informação ou o assunto de um texto), 58,7% dos alunos do 6º ano não são capazes de o fazer ou apenas completam um terço da tarefa. Nos alunos do 9º ano, a percentagem para exercício equivalente é de 56,1%. Ou seja, em ambos os casos, mais de metade dos alunos tem dificuldades consideráveis. Em literacia matemática, na resolução de situações elementares, 64,5% dos alunos do 9º ano é incapaz ou apenas completa um terço da tarefa. E se o foco estiver na literacia científica, outra vez num exercício da mais baixa dificuldade, no 9º ano há 83,5% dos alunos que não é capaz ou que apenas completa um terço da tarefa — ou seja, 4 em cada 5 alunos. No 6º ano, a percentagem correspondente é de 68,5% — ou seja, “apenas” dois terços. Se se comparar com resultados obtidos em 2021 para igual avaliação, constata-se que estes indicadores representam uma pioria global dos desempenhos dos alunos (em particular no 9º ano).
A segunda razão que atribui importância a estes resultados é que, sendo os mais relevantes até hoje publicados, eles contrariam cabalmente a ideia de que os alunos não sofreram qualquer dano na sua aprendizagem, e desfazem a fantasia que diz que os “alunos melhoraram” durante a pandemia — uma absurdidade que demasiadas pessoas se esforçam por promover. A partir de agora, já não é preciso recorrer a relatórios internacionais para refutar essa ideia: temos um relatório interno, de um organismo oficial (IAVE) sob a tutela do Ministério da Educação, que confirma a degradação da aprendizagem durante a pandemia. Acabem-se com os mitos e olhe-se para a realidade tal como ela é.
Temos, finalmente, indicadores fiáveis sobre (parte de) o impacto da pandemia na educação em Portugal. E, aqui chegados, imagino o que possa estar na cabeça do leitor: se estes resultados foram assim tão importantes, como se explica que pouco ou quase nada tenha sido noticiado? Não há desculpas, mas haverá explicações — dou duas. Por um lado, o timing da divulgação foi desadequado, pois o relatório do IAVE e o comunicado do Ministério da Educação foram lançados a meio da tarde de sexta-feira, dificultando um tratamento aprofundado da informação a tempo das edições de sábado. Por outro lado, com a actualidade mediática preenchida pelo conflito israelo-palestiniano, há pouco espaço para notícias de análise sobre a situação interna do país.
Houve uma opção editorial que critico em especial: a do jornal Público. Após ter feito manchete na capa e dado páginas de destaque, três dias antes, à ideia de que os “alunos melhoraram” durante a pandemia, mostrando que este era um tema ao qual atribuía particular relevância editorial, julgo que teria sido desejável o Público dar maior atenção aos resultados oficiais que confirmam a degradação da aprendizagem durante a pandemia — sobretudo, porque estes destroem a fantasia que o jornal ajudou a difundir dias antes (e que então apontei). Ora, a diferença na relevância atribuída às notícias traduz um mau serviço ao esclarecimento público: a fantasia da “melhoria” teve amplo destaque, a constatação da pioria ficou reduzida a meia página no interior do jornal.
Seria simples se o problema estivesse apenas nos jornais. Longe disso: a indiferença perante o relatório do IAVE foi transversal. Por exemplo, nada se ouviu por parte de agentes da sociedade civil ou dos partidos políticos. Não posso dizer que me surpreende. Afinal, e com tristeza o reconheço, a minha tese tem-se provado cada vez mais certeira: no debate público, a Educação foi reduzida a chavão inconsequente, a prioridade faz-de-conta, a peça útil nos discursos políticos que procuram aclamações — e pouco mais. Todos se importam e todos falam. Mas, no fim do dia, ninguém quer realmente saber.