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“Esta escola, que cansa os alunos, arrasa os professores” – Luís Costa

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ESCOLA-VERTIGEM
Nota prévia – Aguente, o leitor, até ao 3.º parágrafo; aguente-se a partir daí.
Qualquer maestro, qualquer realizador, qualquer encenador, qualquer treinador, qualquer empresário, qualquer chefe de uma qualquer linha de produção, qualquer artesão… reconhece, sem qualquer hesitação, a importância da estabilidade e das rotinas no aperfeiçoamento dos processos. Diz-se que a repetição, com correção até à exaustão, conduz à perfeição. Porém, parece que tais ideias não se aplicam, atualmente, ao ensino em Portugal, que vive num autêntico frenesim de mudança, ou melhor, numa verdadeira loucura de alterações, interrupções e intromissões.
Estabilidade e mudança devem caminhar sempre juntas, num sábio equilíbrio. Excetuando os imprevisíveis momentos revolucionários, a segunda deve ir acontecendo, paulatinamente, sem nunca pôr em causa a primeira. É um princípio válido em todas as áreas da ação humana, mas especialmente pertinente no ensino, que se consubstancia, consolida e aperfeiçoa precisamente na estabilidade pedagógica, numa sensata longevidade das práticas. Só assim, num caminho que se faz caminhando, os professores, assessorados pelo tempo, podem planificar a sua ação didática, produzir os seus materiais pedagógicos, os seus instrumentos de avaliação, e aperfeiçoá-los, adequando-os cada vez mais aos seus alunos, ao que resultou ou não resultou tão bem. Depois, devem ter tempo para, com eles, tirar o devido partido das rotinas criadas, tornando a sua prática pedagógica mais eficiente, mais bem-sucedida, mais perfetiva, mais estimuladora e geradora de aprendizagens. Porém, o que acontece atualmente está nos antípodas.
Nas escolas portuguesas, presentemente, vive-se um autêntico (e tresloucado), vórtice de mudança. Tudo muda, a toda a hora, a todos os níveis, no início, no meio e no final dos anos letivos: muda-se, constantemente, os documentos mais estruturantes; muda-se, constantemente, todos os regimentos; muda-se, constantemente, todos os critérios; muda-se, constantemente, todos os restantes documentos de natureza mais pedagógico-didática; muda-se, constantemente, a própria carga horária das disciplinas; muda-se, constantemente, os objetivos programáticos/metas/competências essenciais; muda-se, constantemente, as regras de transição dos alunos; experimenta-se até a alteração da própria duração dos períodos escolares, em muitos casos só porque sim, como se tanta mudança não fosse já extravagante, como se as escolas vivessem, há muito, num sereníssimo lago de apatia e fizesse alguma adrenalina ao quotidiano escolar. Ao projeto Milagre, sucede o Eureca; ao Eureca, sucede o Flexi; ao Flexi, o Desmaia; ao Desmaia, o Passe-vite; ao Passe-vite, o Fornicoques. E assim… por diante! Mas a vertigem não se fica por aqui. Segura-te o leitor, toma um Rennie, porque a montanha-russa ainda tem mais uns “loopings” bué de loucos. São as maradas reviravoltas das interrupções e das intromissões.
Os professores mais novos não terão ideia, mas os mais velhos, como eu, lembrar-se-ão, certamente, dos famosos Jogos Sem Fronteiras, ricos em animação, diversão e entretenimento. E lembrar-se-ão, por certo, de algumas provas. Entre elas, há uma que é, no meu entender, alegoria perfeita da escola portuguesa atual: aquela em que os concorrentes tinham de atravessar uma piscina olímpica, em contrarrelógio, correndo sobre uma trave estreita e escorregadia, enquanto os membros das outras equipas os bombardeavam com balões cheios de água. Era extremamente difícil, quase impossível, chegar ileso ao outro lado. É precisamente isso que a escola portuguesa atual me faz lembrar. Programas extensos para cargas horárias tão diminutas e uma infinitude de balões de água sempre a cair no espaço pedagógico, em nome de tudo e mais alguma coisa: da articulação, da cidadania, da transversalidade, da interdisciplinaridade, da sexualidade, do exercício físico, da ecologia, da solidariedade, dos valores, da leitura… do diabo a quatro. Não há nenhuma santa unidade que comece e acabe sem uma, duas, três ou mais interrupções. “Acabar” é um eufemismo, pois há muito que nenhuma unidade acaba efetivamente, visto que, há muito, deixámos de ter tempo para exercitar verdadeiramente, para consolidar, para aprofundar (já nem sequer falo em expandir), ou seja, para aprender realmente. E, nesta autêntica cozinha comunitária em que se está a transformar o currículo do ensino básico, todos os cozinheiros acabam por meter a colherada na sopa coletiva, desde os que moram nos andares superiores aos locatários do mesmo andar, passando pela vizinhança. Até a RNB (que mais parece a Rede Nacional de Bibliossecas) já se está a querer assumir, não como coadjuvante da nossa ação pedagógica e educativa, mas como entidade que impõe atividades, numa determinada regularidade, exige relatórios, estatísticas e evidências. Diz o povo, e com razão, que muitos cozinheiros estragam a sopa. É verdade, mas também é verdade que adrenalina não falta, e muita resulta da interação, cada vez mais apimentada, entre os diferentes actantes deste autêntico centro de atividadezinhas em que a escola básica tem vindo a ser transformada.
Esta escola, que cansa os alunos, arrasa os professores, fragmenta o currículo e “superficializa” as aprendizagens. Nos antigos Jogos Sem Fronteiras, o objetivo, em cada prova, era claro: impedir que o concorrente adversário terminasse a prova ou, pelo menos, atrasar o máximo possível a sua conclusão. Não quero acreditar que, no ensino atual, a intenção seja sequer semelhante, mas… lá que parece, parece. Oh, se parece! Só vejo uma ligeira diferença: neste caso, todos temos de levar a carta a Garcia, seja lá como for, desde que ninguém fique para trás. Não ficar para trás é o mais importante.

2 COMENTÁRIOS

  1. e a Escola dos ministros contratados com habilitação mínima para governarem o ministério de educação de Portugal e Ilhas…

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