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Escola a tempo inteiro, inclusão e indisciplina – Alberto Veronesi

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Quando na semana passada li uma notícia, sobre uma funcionária de uma escola em Odivelas que havia sido suspensa por ter agredido uma criança com necessidades educativas especiais (NEE), pensei de imediato que os anos vão passando e a questão da indisciplina e violência escolar tem sido altamente ignorada por quem tem o dever de a mitigar. O caso específico deve-se à forma como se tem implementado nas escolas a afamada inclusão, isto é, sem os meios necessários. Não há desculpa nenhuma para que um adulto, que trabalhe na área educativa, agrida um aluno. No entanto, o problema não está no acto em si, mas a montante. Assim, rapidamente surge-me uma questão:

— As necessidades educativas especiais da criança não careciam da presença de um adulto com formação adequada?

Tenho sido bastante crítico relativamente à forma como se tem implementado a inclusão nas escolas por todo o país. Muitos destes casos, da agressividade de alguns destes alunos para com o pessoal docente e não docente, poderão nem chegar à comunicação social, mas provavelmente ocorrem diariamente. Sobretudo porque, demasiadas vezes, os alunos com NEE são auxiliados ao longo do seu dia por pessoal não docente não especializado. Esta forma de incluir tem tido um efeito devastador na maioria das escolas no que toca ao aumento de casos de indisciplina e à degradação do ambiente de sala de aula com repercussões óbvias no processo de ensino-aprendizagem.

A forma atabalhoada como tem sido implementada a inclusão, sobretudo com a falta de pessoal especializado, a narrativa da escola a tempo inteiro, onde a única preocupação é a de garantir a permanência dos alunos a todo o custo para garantir níveis baixos de abandono escolar, são provavelmente dois dos maiores causadores do aumento da indisciplina em meio escolar. Mas há mais.

A recorrente narrativa dos governantes e, pasme-se, também de alguns directores, é a de que os casos de indisciplina são residuais e sem expressão, no entanto, é sempre apontada como uma das principais causas de exaustão emocional e burnout docente que leva até que haja quem desista da profissão.

Na perspectiva do Governo, as escolas têm autonomia para os resolver, mas, na perspectiva das direcções, a escola não tem meios para poder fazer face ao problema. É aqui que nasce a principal questão, a eterna desresponsabilização de quem na realidade tem a máxima responsabilidade.

O fenómeno da indisciplina nas escolas é tudo menos novo, mas a contínua percepção de que se trata apenas de um problema que à escola diz respeito tem sido a principal causa bloqueadora de qualquer acção conjunta. A sociedade em geral sente que o problema deve ser resolvido internamente, pelos agentes educativos, o que reduz a preocupação e responsabilidade que todos deveríamos ter. A indisciplina na escola é um fenómeno que cresce de fora para dentro e, por conseguinte, a sociedade não se deveria demitir das suas responsabilidades.

De forma, muitas vezes inconsciente, a comunidade crê que determinada escola é a responsável pela indisciplina que por lá acontece e que, num local com tantos especialistas em educação, deverão estes ter a capacidade para a controlar. Nada mais errado!

Se quisermos ser honestos na análise ao fenómeno da indisciplina, percebemos que esta está sobretudo relacionada com vários factores externos às escolas. Os alunos que vivem em famílias/agregados com traumas sociais tais como, entre outros, a monoparentalidade, os constrangimentos financeiros, o desemprego, a violência doméstica e as dependências, tem mais tendência a desenvolverem personalidades de conflito e por sua vez serem mais indisciplinados. É uma resposta natural. No entanto, importa perceber que os instrumentos que as escolas possuem para trabalhar estes factores externos, a fim de enfrentarem o termo da indisciplina com acções preventivas em colaboração com entidades externas à escola, são muito poucos.

As escolas estão limitadas no seu poder em intervir em caso de problemas comportamentais que ultrapassem os limites. Em primeiro lugar, porque não têm os recursos humanos necessários. Deveria haver em todas as escolas gabinetes de apoio com diferentes especialistas, como psicólogos clínicos, assistentes sociais, animadores/agentes culturais e outros assim como parcerias com instituições privadas ou sociais que pudessem colaborar.

Em segundo lugar, porque temos hoje uma narrativa vigente na sociedade que considera intolerável que as crianças/jovens sofram a consequência dos seus actos sempre que seja punitiva, em forma de castigo, por exemplo. Esta percepção de impunidade que se globalizou socialmente e em meios escolar tem feito a indisciplina, a violência e mesmo o bullying aumentar exponencialmente.

Na indisciplina, no abandono escolar e na inclusão temos feito um caminho pernicioso, sempre muito mais preocupados com as minorias e esquecendo a maioria que, das duas, uma, ou aguenta, no caso de não poder, ou foge para as instituições privadas, no caso de poder.

Na realidade, já nem me espanto que o que mais tem provocado este desfasamento entre a qualidade da escola estatal e o ensino privado e cooperativo seja a política de esquerda dos últimos seis anos de governo socialista, apoiado pelos partidos à sua esquerda.

Muito antes da pandemia já nos deparávamos com o problema da indisciplina, comprovadamente um verdadeiro empecilho no processo do ensino e de aprendizagem, que todos os anos prejudica a aquisição das aprendizagens de muitos alunos. Sobre esta preocupação gostava de ver todos os especialistas da educação a falarem em uníssono para a combater. Será desta?